domingo, 18 de março de 2018

Curso de noivos

CARPINEJAR*

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Quem ama pensa que sabe tudo. Quem ama confia que sabe tudo. Pois o coração transborda, soberbo, cheio de esperança e promessas. Aquilo que foi assimilado na vida parece certo, definitivo e incontestável. 

Prestes a me casar com Beatriz na igreja, ainda precisava enfrentar o curso de noivos, item obrigatório da documentação para assegurar a data do altar. Eu não queria, achava que era absolutamente dispensável. Seria uma sessão de moralismo, sermão e tortura em grupo. Eu trataria de fingir que estava presente, apenas para conseguir o pré-requisito. 

Fui arrastado pela minha atual esposa para as aulas. Um raro final de semana de folga perdido, eu concluí. 

No fundo de uma paróquia, sentamos em cadeiras com mesinha, distribuídos em duplas. Somávamos 20 casais envergonhados. 

Retornava à comunhão, mas agora adulto e cético. Para me constranger ao máximo, a descontração começou com roda de música, todos de mãos dadas. Eu não canto nem no banheiro. Minha mulher, noiva na época, me beliscava para ouvir a minha voz. 

Matava o tempo e mantinha a mente ocupada entre cafés, lanches e confissões. Aproximava-me de outras histórias e romances, vendo que os problemas são similares e o quanto o medo é democrático.
Até que o professor me perguntou por que eu estava casando. Respondi que casava por amor. Simples, ora bolas. Ele me encarou, como um pai emprestado, e me corrigiu: não é suficiente. Eu gelei, só faltava ser reprovado no curso de noivos. Já me imaginava sendo expulso da classe, carregado por coroinhas e sacristãos para fora do prédio. 

- Como assim não é suficiente? 

- Amar não resolve incompatibilidades, divergências, ambição profissional, traumas antigos. Amar é um começo. Conviver junto requer lealdade e cumplicidade, nunca esconder os pensamentos e as fraquezas. 

O diálogo marcou a minha índole. Entendi que não havia encontrado algo importantíssimo para a vida a dois: humildade. Humildade para viver o que não sonhei, para o momento em que o meu plano naufragasse. Eu casava com a idealização de que tudo daria certo, de que seríamos sempre felizes e prósperos. Casar é ficar junto quando tudo ainda dá errado. Casar é enfrentar o luto de um familiar, a doença, o desemprego, é não culpar o outro e ter a coragem de pedir ajuda, colo, ombro. 

Demonstrava arrogância não desejando estar ali, desde o princípio me sentindo completo e superior. Eu me reinventei naqueles dois dias de retiro. Juro que cantei alto e desafinado no fim dos encontros. E belisquei a minha mulher para entoar o refrão comigo.
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* Colunista da ZH. Escritor.
Fonte:  http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=f70f6a300c127cd38fe084c40325e479
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