domingo, 13 de agosto de 2017

Medo e preconceito

Lya Luft*

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O preconceito tem raiz no medo. Não - ou nem sempre -  um receio explícito, mas alguma inquietação -  o medo do diferente. Acredito muito nessa carga genética, psíquica, ancestral: qualquer animal diferente podia ser o predador, então a gente arrepiava os pelos, curvava o lombo, botava pra trás as orelhas e, qualquer coisa, atacava ou se defendia. Isso no tempo da Pedra Lascada.
No mundo atual, em que ser magro é ideal inalcançável da maioria, os gordinhos são objeto de apelidos, gracinhas sem graça, às vezes ofensas. Aos poucos, parece que as mulheres começam a se libertar, não sendo felizes com 200 quilos mortais, mas aceitando-se e gostando de si (portanto, sendo gostadas) estando acima do "ideal".
Claro que aqui escreve uma não ideal. Quando pré-adolescente, antes da interminável série de dietas ou reeducações alimentares, fui chamada de gorda, e de baleia. Em grupos de meninos e meninas  "brasileiros", como se consideravam, eu e vários de sobrenomes alemães éramos brindados com "alemão batata/come queijo com barata", o que certa vez, ainda criança, me arrancou lágrimas por não conseguir explicar que, primeiro, eu era brasileira há várias gerações e, segundo, não comíamos baratas em casa. Xingamentos como "nazista" não eram incomuns na hora de uma briga, não importava se meu pai tinha ajudado inúmeros refugiados judeus a serem acolhidos e respeitados em nossa cidade.
Já escrevi que tenho na minha família gente de sangue negro, pessoas muito próximas e queridas, e disso falei há alguns anos num seminário sobre "multiculturalidade" em Berlim, quando fui interpelada por alguém da plateia (todos respeitados sociólogos, antropólogos etc) dizendo que eu não podia falar, pois afinal era "uma europeia". Expus minha realidade brasileira e acho que pensaram que eu estava mentindo. Para "me fazer de interessante", diria minha mãe.
O preconceito difundido não atinge só os gordos, os negros, talvez árabes e libaneses chamados "turcos" como se isso não fosse honroso, os muito altos e baixinhos, mas também os menos inteligentes ou hábeis, com alguma lesão mental ou física. Entra em cena aí a (inconsciente?) crueldade de crianças e adolescentes, que não medem o quanto é funda a dor que causam.
Inclusão, por outro lado, é difícil de realizar. Criança autista ou Down em classes de "normais"? Fácil, difícil, complicado e para quem? Não há receita, mas a própria criança pode sofrer. Conheci uma mãe que, contrariando a própria família, passou sua filhinha Down, já adolescente, de uma escola "normal" para uma especial: a menina floresceu, ficou feliz onde ninguém a tratava como diferente nem dela esperava o impossível, o difícil demais. Cada ser humano é especialíssimo, também nas questões de gênero, em que gays, lésbicas e transgêneros ainda sofrem, aqui e no mundo, de uma abordagem obtusa, ignorante e cruel.
O avesso disso é o protecionismo: não podermos chamar alguém segundo sua origem ou raça estimula o preconceito, e é humilhante: exagero de eufemismos aumenta a exclusão. Um dos remédios para essa ferida social talvez consista em sermos mais educados, mais amorosos, mais humildes e -  por favor -  muito mais informados.
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* Escritora. Colunista da ZH
lya.luft@zerohora.com.br
Fonte:  http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/colunistas/lya-luft/noticia/2017/08/medo-e-preconceito-9868375.html

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