quinta-feira, 11 de maio de 2017

A introversão e a solidão alegre

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Os estímulos externos, que tumultuam a coração e mente dos introvertidos, podem apaziguar a dos extrovertidos. Mas é quando começamos a ouvir as vozes aqui dentro que embarcamos na grande aventura

Crônica de Maria Bitarello | Imagem: Cathy Schoenberg

Dizem que as pessoas podem ser divididas em dois grupos primários de personalidade: gatos e cachorros. As pessoas felinas seriam as mais introvertidas; e as caninas, as extrovertidas. Umas gostam de ficar sozinhas, preferem o silêncio, precisam de sossego. Outras buscam mais estímulos, querem gente por perto, se alimentam do coletivo. Tal como as pessoas sociáveis, os cães são considerados animais mais amáveis, companheiros, brincalhões e também atrapalhados e carentes. Os gatos, por sua vez e seguindo o mesmo raciocínio pros reclusos, são vistos como elegantes, autossuficientes, ágeis, esnobes, desconfiados e até ardilosos. Pensar as pessoas como felinas ou caninas pode trazer insights interessantes, mas, mais que isso, revela nossa preferência – enquanto cultura – pelos extrovertidos. E, de tabela, nosso juízo sobre os introvertidos. 

Antes de qualquer coisa, introvertidos não são tímidos. Não necessariamente pelo menos. A timidez me parece ter mais a ver com o medo do ridículo, da exposição social; não é disso que falamos. Introversão é ter uma vida interior fértil. Falamos aqui, portanto, das pessoas que têm necessidade, talvez maior que a média (se é que existe uma), de momentos de reclusão. Falo de quem prefere as atividades solitárias, como a leitura, por exemplo, mesmo que o faça em uma biblioteca ou num café, onde há gente em volta. Gente que vai sozinha ao cinema, ao teatro, à exposição. Falo daqueles a quem o hiper-estímulo vindo do mundo exterior provoca curto-circuito no sistema. Dos que ficam exaustos com aquela conversinha mole na hora do almoço. Dos que preferem infinitamente ficar em casa a sentar numa mesa grande e animada de bar. Não é só que acham chato; o desconforto pode ser visceral, espiritual. Falo de todos aqueles que, em maior ou menor intensidade, com mais ou menos culpa, ficam ou já ficaram se justificando, arrumando desculpas pra furar um jantar e evitar de explicar por que precisam do que precisam: quietude. E qual é a justificativa, afinal? Não é preciso uma. As pessoas são diferentes, simples assim. 

Naturalmente, salvo exceções que suponho existam, nos encontramos todos em algum ponto do espectro que vai da introversão à extroversão, mas um ponto que muda o tempo todo. Temos todos necessidade, com maior ou menor frequência, desses momentos de reclusão interior; é uma questão de sanidade. Mas o ponto em que essa reclusão vira (se virar) desconforto vai variar de pessoa pra pessoa. Cada um cada um.

Desde a mais tenra infância, introvertidos são estimulados – quando não coagidos – a se extroverterem. As escolas costumam valorizar ideais de extroversão, de líderes, de ações – das mesas coletivas aos trabalhos em grupo. O aluno que se destaca entre colegas e professores é quase sempre simpático, falante, socialmente hábil, muitas vezes independente de seu desempenho acadêmico. E é assim mesmo: quando a pessoa tem carisma, não dá pra resistir. No mundo do trabalho é parecido. As empresas adoram espaços de criação coletiva e termos como brainstorming. O mundo tal como é, ou seja, voltado pro extrovertido, por vezes tiraniza aqueles que operam em outra frequência, que têm outra dinâmica de pensamento e ação e, sobretudo, esse mundo tenta padronizar uma certa forma de ser e de se estar nele. E isso me parece meio burro. 

O que, por outro lado, me parece mais intuitivo hoje é que os estímulos externos afetam diferentemente a cabeça e o coração de uns e outros. Só isso. Se tumultuam a dos introvertidos, podem também apaziguar a dos extrovertidos. Afinal, com o silêncio, quando cessa todo o ruído lá fora, começamos a ouvir as vozes aqui dentro e é aí que embarcamos na grande aventura. Uma que me parece importante desbravar. Saber estar só e bem, viver a solitude alegre, povoar sua própria solidão. Tenho pra mim que quem aprende a navegar nessas águas vive mais e melhor. Porque envelhecer é tornar-se cada vez mais só. E talvez seu amigo ermitão saiba disso melhor que você. 
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 Por Maria Bitarello.
Fonte: http://outraspalavras.net/ acesso 11/05/2017

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