quarta-feira, 22 de março de 2017

Na Justiça, a carne não pode ser fraca

Conrado Corrêa Gontijo, Gustavo Mascarenhas e Marcela Greggo*

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"Muitos países tornam pública apenas a decisão dos juízes de última instância, como a Alemanha e os Estados Unidos, pois entendem, desde a década de 1960, que a divulgação ostensiva de um caso afeta o processo."

Não é de agora que a advocacia alerta para o perigo da espetacularização de investigações e processos. Este espaço já foi palco de diversas manifestações nesse sentido. 

O fenômeno da superexposição das acusações teve início, por ironia do destino, com a chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores, um dos maiores alvos das últimas operações. 

Não se ignora a necessidade de investigações que contribuam para o necessário "jogo limpo" no Brasil, mas a falta de técnica e cuidado pode causar graves prejuízos econômicos ao país. 

Passada a espalhafatosa operação da Polícia Federal na última sexta-feira (17), ficam os fatos e as consequências. O anúncio dos possíveis delitos principia pelo apontamento do delegado responsável pela operação acerca do uso de "ácidos" para "maquiar" a carne. 

Basta ler o que já está disponível na investigação para concluir que o ácido é o ascórbico, ou seja, vitamina C, que, como se sabe, nada tem de cancerígeno. 

O problema maior, contudo, é colocar, num único balaio, todas as empresas envolvidas. A atitude pode até facilitar a propagação de uma única operação de combate aos desvios, com um nome midiático e a utilização de mais de mil agentes da Polícia Federal num único dia, mas é perigosíssima para o país. 

A JBS não teve nenhuma fábrica interditada; a BRF teve uma, que responde por porção ínfima de sua produção. Contra ambas não pesam acusações graves. 

Mesmo assim, mercados internacionais de grande relevância, como União Europeia e China, já anunciaram restrições às exportações de carne brasileira. 

JBS e BRF já perderam bilhões em valor de mercado e, no cenário de crise em que o país se encontra, podem ter de demitir milhares de trabalhadores. A quem interessa a divulgação prematura das investigações? Não ao Brasil, certamente. 

A própria liberação (ilegal) de áudios que levaram a tudo isso evidencia o equívoco. A suposta mistura de papelão com carne de frango pode não passar de discussão informal a respeito da embalagem da carne por parte de funcionário de uma das empresas. O exagero é evidente. 

Não é de hoje que se alerta para os perigos do policial hermeneuta, que interpreta os áudios captados e os leva diretamente, segundo sua própria interpretação, para julgamento numa coletiva de imprensa.

É preciso lembrar que o direito ao devido processo legal tem envergadura constitucional tanto quanto o princípio da publicidade -não pode, portanto, ser mitigado. 


Muitos países tornam pública apenas a decisão dos juízes de última instância, como a Alemanha e os Estados Unidos, pois entendem, desde a década de 1960, que a divulgação ostensiva de um caso afeta o processo. 

A Europa mantém leis que regulam a divulgação de casos criminais. A corte de Justiça do continente ponderou que mesmo casos de grande exposição têm direito à privacidade de seus julgamentos, para que estes sejam justos. 

No Brasil, os casos de pré-julgamento são cada vez mais vastos. Na Operação Lava Jato, um diretor de uma grande empreiteira foi absolvido de todas as acusações, inclusive da de distribuir propina, depois de passar meses preso. 

No caso das carnes, a divulgação precoce e o julgamento antecipado por parte da opinião pública podem acarretar reflexos catastróficos sobre toda a economia do país. Operações não podem acontecer apenas para sanar a vontade de aprovação popular por parte de alguns agentes da polícia. 

Há quem diga que a data da deflagração não foi coincidência: os federais, após dois anos de investigação, escolheram justamente o dia 17 de março para ofuscar o aniversário da Lava Jato, de cujo sucesso certos setores da PF se sentem excluídos. 

Situações como essa evidenciam que fraca no Brasil não é a carne, mas a preocupação de quem conduz as investigações. É preciso ser forte diante da tentação dos microfones e holofotes. 
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CONRADO CORRÊA GONTIJO é advogado criminalista. Doutorando em direito pela USP, é autor do livro "O Crime de Corrupção no Setor Privado"
GUSTAVO MASCARENHAS é advogado criminalista. Foi pesquisador de direito penal e democracia na Utrecht University (Holanda)
MARCELA GREGGO é advogada criminalista e pós-graduanda em direito penal econômico pela Fundação Getúlio Vargas 
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/03/1868578-na-justica-a-carne-nao-pode-ser-fraca.shtml
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