quinta-feira, 30 de março de 2017

A nova moda é dizer por aí que “odeia criança”

Rita Lisauskas*

Além de não se querer ter filhos, 
a moda é falar mal
das crianças
Não basta mais dizer por aí que não se quer ter filhos. O novo “pretinho básico” é bradar aos quatro ventos que não se coloca uma criança no mundo por que as crianças são “irritantes”, “fazem muito barulho”, “incomodam”, “chateiam”, “gritam” e são “mal-educadas” – afinal, os adultos nunca são enervantes, alvoroçados, chatos, escandalosos e malcriados, isso é exclusividade dos pequenos, não é mesmo?
Para muita gente, não ter filhos é uma decisão legítima e acertada, afinal a maternidade e a paternidade têm de ser escolha e nunca uma obrigação do tipo –“eu casei, o próximo passo é ter filhos” – ou fruto de um medo com o futuro –“se eu não tiver filhos, quem vai cuidar de mim na velhice?” Só que geralmente quem escolhe não colocar uma criança no mundo, não transmitir “a nenhuma criatura o legado de nossa miséria” como o Brás Cubas, de Machado de Assis, faz isso de coração tranquilo, sem sair por aí destilando ódio a todas as pequenas criaturas que encontra pelo caminho. Ela acha que uma criança não cabe na vida dela. Apenas.
Mas existem aqueles seres que não querem ter filhos e ainda defendem a tese de que as crianças dos outros deveriam ser apartadas da sociedade, porque ele não pode “ser obrigado a conviver com crianças”, pois decidiu não ter uma. Como se todos os carros tivessem de sair do seu caminho por que escolheu só andar de metrô ou todos os açougues tivessem por obrigação fechar as portas, já que ele decidiu ser vegetariano – “não posso ser obrigado a ver essa peça de filet mignon toda vez que venho comprar verdura!” – os exemplos são toscos de propósito, tanto quanto à premissa inicial. As redes sociais, claro, deram vez e voz a essas pessoas que, como não foram combatidas com veemência em seu discurso de ódio, ganharam adeptos, ficaram fortes e passaram a defender por aí o direito de frequentarem lugares “child free”, ou seja, espaços onde as crianças não são bem-vindas e aceitas, como hotéis, restaurantes, bares e por aí vai.
“Eu tenho o direito de almoçar em paz, longe de crianças sem nenhuma educação!”, ouvi uma vez de uma pessoa pretensamente educada.“Quero passar minhas férias sem ouvir choro de criança”, disse outro, apoiado inclusive por pais que relativizaram tal declaração ao lembrar que muitas vezes querem sair sem os filhos – como se essa nossa ânsia por momentos de solidão fosse motivada pela “chatice” infantil e não pelo desejo humano e legítimo de ficar longe de todos – e não só das nossas crianças – de tempos em tempos.
O que seriam crianças educadas?
* Crianças que não incomodam, que falam baixo, que não andam por aí querendo explorar o mundo?
* Que não choram de fome, mas sim que avisem com uma certa antecedência e em bom português – não me venham com gugudadá – que querem almoçar, por gentileza, mamain?
* Que não façam perguntas embaraçosas em público, que aprendam a lidar rápido com suas frustrações e que entendam, sem ter os adultos por perto como exemplo, que algumas ocasiões pedem black-tie e outras chinelos havaianas?
Os odiadores de crianças creem que os pequenos devem aprender todas as habilidades sociais em tempo recorde e longe dos adultos, a quem podem se juntar apenas quando pararem de derrubar os talheres à mesa ou quando aprenderem a falar baixo, sem gritar.
Esse discurso é perigoso porque abre precedente para outras intolerâncias. É só fazer um exercício rápido de substituição de palavras para entender onde isso pode chegar. Tire a palavra “criança” e coloque no lugar “negro”, “cadeirante”, “judeu”, “muçulmano”, “evangélico”, “mulher”, “gay” e por aí vai, o céu é o limite quando o assunto é intransigência. Como será que soa, vamos testar?
“Eu tenho o direito de almoçar em paz, longe de negros sem nenhuma educação!”
“Quero ir para um hotel onde cadeirantes não são aceitos! Não sou obrigado a nadar em uma piscina adaptada!”
“Quero jantar sem ter que olhar para cara de um judeu/muçulmano/evangélico! Eu pago os meus impostos em dia, não sou obrigado a conviver com eles!”
Quando você avança no debate com um odiador de criança ele sempre tenta disfarçar sua intolerância dizendo que, no fundo, no fundo, estão pensando nas crianças, olha só a contradição. “A piscina daquele hotel é muito funda, por isso que crianças não são aceitas!”. “Aquele restaurante tem muita escada, um perigo para os pequenos, por isso o dono decidiu não deixar que elas frequentassem!”. Ora, ora, os pais são os cuidadores de seus filhos e eles, somente eles, deveriam poder decidir sobre quais lugares seus filhos devam ou não frequentar.
Lugar onde uma criança não é bem-vinda, não é lugar para mim. Já estabelecimentos que abrem as portas a todos – inclusive ao babaca odiador de criança – terão sempre a minha presença. Com ou sem o meu filho.
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* Jornalista, mãe e apresentadora de TV
Fonte: ESTADÃO.COM.BR – blog “Ser mãe é padecer na internet” – Terça-feira, 28 de março de 2017 – 18h36 –    Internet: clique aqui.

Um comentário:

  1. ai o cidadão vira e diz: todo mundo bebe... pura generalização muitissimo fraca em virtude do levantamento de alcool e outras drogas em 2012, resultou que metade da população não bebe, 38% bebe moderamente e 12% bebe prejudicial a saude.

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