domingo, 20 de dezembro de 2015

“Torna-te quem tu és”

"Torna-te quem tu és"
“TORNA-TE QUEM TU ÉS”. Essa é uma frase de Nietzsche que, como outras, pega o desescolarizado em filosofia (de Pondé a Kataguri, de Frota a Mainardi) do mesmo modo que a frase de Simone de Beauvoir, a célebre “Não se nasce mulher, torna-se”.

Na frase de Nietzsche, alguns acham que o filósofo está dizendo para que sejamos algo que está já em nossa essência. Mas Nietzsche é o primeiro a cair fora de qualquer essencialismo. Sua frase é um imperativo ético: faça-se, reconstrua-se, seja o que você decidiu e que, enfim, é o que você é, pois talvez não exista outro para ser você senão aquele que você vai colocar na jogada por decisão sua. É uma opção pelo filósofo americano Emerson, em oposição ao imperativo categórico de Kant. É uma traição à Velha Europa. (1)

A frase de Beauvoir é tomada como quem diz que é necessário uma participação na cultura para vir a ser do sexo feminino, mas ela não está dizendo isso e, sim, que o feminino é um “modo de ser” além de ser sexo, é “gênero”. Então, mulher é algo da vida social, não exclusivamente algo da ordem e determinação biológica. Não se pode ser mulher senão aprendendo a ser mulher, e isso depende de geografia, história e decisões. Pode-se nascer mulher do ponto de vista de marcas convencionais a respeito de órgãos genitais, hormônios etc., mas isso não coloca ninguém no gênero “feminino”, no ser mulher. É uma traição de Simone ao biologismo conservador da Velha Europa. 
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Paulo Ghiraldelli, 58, filósofo.

PS: Ler Nietzsche traçando um imperativo ético não exclui lê-lo como tendo uma tese cosmológica. Penso que dá para conciliar.
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Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/torna-te-quem-tu-es/

Leitor sobre o post:

Daniel says:
Quando li os livros de Nietzsche pude perceber que o “Torna-te quem tu és” mais do que ética pode ser considerado um modo de ver o ser humano no mundo como uma transitoriedade no seu tempo. Ou seja, tornar a ser quem tu és é confirmar a vida como ela é, portanto, tornar a ser sempre uma possibilidade no mundo, já que não é fixo e nem absoluto nenhum valor. Então, Simone pode estar dizendo, se estiver de acordo com Nietzsche, que a mulher se torna mulher pela cultura, mas é preciso que a mulher volte a tornar-se uma possibilidade para confirmá-la como mortal, como transitória para que não possa ser um rótulo ambulante. Mas o que me intriga mesmo é que esse projeto de Nietzsche passa por necessidade de uma nova linguagem, uma nova expressão que não é de nossa formação científica, nossa escrita científica e talvez seja a forma de escrever e falar que Nietzsche tanto quis se diferenciar do modo dissertativo científico que virou tradição na filosofia. Esse projeto é o que me intriga.

Daniel, não quis estabelecer nenhuma ligação entre Nietzsche e Simone (mas seria uma boa se voCê fosse por esse caminha criativo), quanto ao resto, você está certo. A cosmologia de Nietzsche é coadunável com o que seria uma ética. Não é necessário separar ambos. Por exemplo, pode-se escrever no lugar de imperativo ético apenas diretriz cosmológica. Perfeito. Peguei pelo lado da traição à Europa, pois me interessou aí o legado de Emerson. Mas ler Nietzsche como uma cosmólogo, como Scarlet faz, também é excelente pedida. Obrigado por ler minhas coisas.

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