quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Alain de Botton e o papel do pensamento na busca de uma consciência elevada


“O cérebro único de Leonardo da Vinci permitia a ele a oportunidade de experimentar o mundo a partir de uma dimensão elevada", escreveu Leonard Shain em sua obra Leonardo's Brain: Understanding da Vinci's Creative Genius.

Mas, o que é a tal dimensão elevada? Geralmente associados à espiritualidade, os estados de consciência elevada também encontram seu caminho na filosofia. Refletir sobre esta compreensão maior sobre o ser humano e cultivar estes momentos de lucidez é a proposta do escritor suíço Alain de Botton no texto abaixo, uma lição sobre o papel da filosofia e do pensamento para elevar a consciência sobre quem somos. 

Confira:

O termo consciência elevada é frequentemente usado por pessoas espiritualizadas para descrever estados mentais importantes, mas difíceis de alcançar.

Sábios hindus, monges cristãos, ascéticos budistas, todos falam sobre os momentos de consciência elevada que podem ser atingidos por meio de meditação, mantras, jejum ou peregrinações. 

Infelizmente, a forma que com que as pessoas espiritualizadas discutem seus estados de consciência tem a tendência de perturbar os seculares. Tudo soa muito vago, insípido, meloso e, em busca de uma palavra melhor, irritante. O que estes caras querem dizer afinal?

Temos profunda empatia com tais frustrações, já que não somos, por natureza, atraídos pelo sagrado ou pelo mistério. Contudo, parece que a ideia de uma consciência elevada é, de fato, muito interessante, até porque nada tem a ver com espiritualidade e pode ser definida em termos bastante seculares e racionais. 

É assim que a vemos: nós, seres humanos, passamos a maior parte de nossas vidas funcionando em estados de consciência menores, onde estamos principalmente preocupados com nós mesmos, com nossa sobrevivência e com nosso sucesso, para definir de forma rápida. 

A vida ordinária recompensa perfis práticos, expansivos e capazes de autojustificação, que são a marca daquilo que chamamos de consciência menor. Neurocientistas falam de uma parte inferior do cérebro, o cérebro reptiliano, e dizem que é sob sua influência que agimos quando somos agressivos, culpamos os outros, brigamos, silenciamos questões que não possuem um propósito imediato, falhamos em fazer associações livres e nos mantemos presos à elogiável imagem de quem somos e de para onde estamos indo. 

Porém, em raros momentos, quando não há ameaças ou demandas sobre nós, talvez tarde da noite ou cedo de manhã, quando nossos corpos estão confortáveis e inativos, temos o privilégio de acessar a mente elevada, o que os neurocientistas chamam de neocórtex, o berço da imaginação, da empatia e do julgamento imparcial. Soltamos nossos egos e ascendemos para uma perspectiva mais universal e menos padronizada, descartando um pouco de nossas justificativas ansiosas e nossa batalha pelo orgulho. 

Nestes estados, a mente se move além de seus desejos e interesses particulares. Começamos a pensar nas pessoas de forma mais imaginativa. Em vez de criticar e atacar, estamos livres para imaginar que seus comportamentos são condicionados pelas pressões de suas mentes primitivas, sobre as quais elas geralmente não estão em condições de discutir. Seus temperamentos e vícios são, agora vemos, sintomas de machucados e não de maldade. 

É espantoso como nos afeta a evolução gradual da habilidade de explicar as ações dos outros por suas aflições, em vez de por causas simplórias. Percebemos que a resposta apropriada à humanidade não é o medo, o cinismo ou a agressão, mas sempre – quando conseguimos alcançar isso – o amor. 

Nesses momentos, o mundo se revela bem diferente: um lugar de sofrimento e de esforço sem direcionamento, repleto de pessoas lutando para serem ouvidas e disparando palavras umas contra as outras, mas, também, um lugar de ternura e de profundas vontades, de beleza e de vulnerabilidade tocantes. A resposta para isso é gentileza e empatia universais. 

A vida se torna menos preciosa, conseguimos contemplar, com tranquilidade, a possibilidade de não estarmos mais presentes. Os interesses são colocados de lado e nos fundimos com o estado natural de transição das coisas: as árvores, o vento, as nuvens e o mar. Deste ponto de vista, o status é nada, as posses não importam, as queixas perdem suas urgências. Se alguma pessoa nos encontrar neste ponto, poderá se maravilhar com nossa transformação e com nossa recém-encontrada generosidade e empatia. 

Estados de consciência elevada, claro, duram pouco tempo. Nem deveríamos, em todo caso, tentar torná-los permanentes, porque eles não sentam tão bem com as diversas e importantes atividades práticas que temos em nosso cotidiano. Mas, devemos fazer o melhor uso destes estados elevados quando eles chegam e cultivar seus insights para os momentos em que mais precisamos deles.
Estados elevados de consciência são um grande triunfo sobre o cérebro primitivo, que não consegue perceber novas possibilidades. Idealmente, nós estaríamos um pouco mais despertos às vantagens desta mente elevada e lutaríamos para que nosso oceano de experiências fosse, de alguma forma, menos aleatório e menos preso em mistérios desnecessários. 
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(Via The Book of Life)
Fonte:  http://www.fronteiras.com/artigos/alain-de-botton-e-o-papel-do-pensamento-na-busca-de-uma-consciencia-elevada

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