quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Demitir-se da esperança — poemas de Günter Kunert

Diego Rivera - Dia de Finados
Alguém alertava por estes dias quanto a indiferença é um perigo maior nas sociedades ocidentais hoje. Na verdade, as mortes por centenas correm todos os dias nas televisões sem sobressalto cívico evidente. Apenas a morte à porta de casa ainda consegue mobilizar por momentos a dor. E, no entanto, neste mundo que é o nosso, volta a ser necessário separar as águas entre quem quer viver connosco e quem que se exclui do convívio humano do século XXI.

Foi há menos de trinta anos que na Europa os regimes onde o arbítrio era lei se desmoronaram. Duraram quase cinquenta anos, e enquanto duraram, mesmos para aqueles que acreditaram na verdade das palavras, a esperança foi morrendo, levada pela espera de um paraíso que nunca chegou.
Transcrevo hoje dois poemas de Günter Kunert (1929) poeta alemão que viveu adulto no que foi até 1989 a Alemanha de Leste (RDA), a qual deixou em 1979 fixando-se perto de Hamburgo na RFA. São poemas escritos num contexto de desilusão e perda de ideais, e disso dão conta de forma exemplar.

A Pergunta

Esperar o quê
os mortos calam-se ou são silenciados
só nas bichas para lojas vazias
se verifica crescimento contínuo:
A agitação não traz
senão benção
fraternidade em papel de jornal
para embrulhar

Nenhuma hora regressa
e cada novo dia executa
o anterior com maior esforço:

Uma história curta e brutal
cheia de longas promessas
que já não conseguem abafar
as tuas perguntas

Tradução de Ana Tönnies


(DE)MISSÃO

Demitir-se da esperança
como uma carta sem endereço
impossível de entregar e
não dirigida a ninguém

Como um peso
Como aquele bloco de mármore
que sempre me fugia
até que eu percebi que não
fazia sentido o esforço
de o empurrar continuamente
para a minha boa consciência

Uma esperança incurável
por fim dolorosamente
insuportável
um corpo estranho enquistado
encrostado e endurecido
monstruosidade
que me não pertence e a que
não quero pertencer

A mais difícil missão é:
saber demitir-se
Aqueles que começam pela esperança
já aprenderam a sua
lição

Tradução de João Barrento

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in 90 Poemas de Günter Kunert, tradução colectiva, com seis desenhos de Mário Botas e um ensaio de João Barrento, edição apáginastantas, Lisboa, 1983.
Fonte:  http://viciodapoesia.com/2015/11/17

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