sábado, 3 de outubro de 2015

Bertrand Badie: 'A grande potência ficou impotente'


Para Bertrand Badie, o poder, que antes governava o mundo, ficou para segundo plano: o mundo hoje é feito de sofrimento Foto: Ana Branco / Agência O Globo

Professor do Instituto de Ciências Políticas de Paris, francês veio ao Rio lançar curso de estudos globais e falar na Uerj sobre desigualdade e crise de liderança

“Tenho 50 anos, nasci em Paris e venho ao Brasil há pelo menos 20 anos. Já estive em várias cidades, e me encantei com a beleza da Foz do Iguaçu. É incrível! Agora, estou no Rio para falar sobre a humilhação como parâmetro das relações internacionais e o impacto das desigualdades nos conflitos da atualidade"

Conte algo que não sei
O mundo hoje é feito de sofrimento antes de ser feito de poder. A cada três horas, 2.800 pessoas morrem de fome: igual a um ataque ao WTC. Antes, o poder governava o mundo. Hoje, é o sofrimento. Quem sofre está consciente, e raivoso. Esta raiva provoca os conflitos que, antes, eram confrontos de poderes constituídos.

A crise de imigração é um desses conflitos?
No mundo feito de desigualdades, as pessoas carentes buscam um lugar onde não há tanta carência. Nenhuma medida é capaz de superar a luta da natureza humana por um lugar melhor, idealizado no imaginário do imigrante.

Quem são os senhores da guerra, hoje em dia?
São “empresários da violência”, que exploram a pobreza. O exemplo mais claro disso são as crianças feitas soldados.

Como os conflitos atuais deveriam ser tratados?
No curto prazo, é preciso conter, e não estimular, a violência. Em médio e longo prazos, por meio da integração social global. A maior parte dos líderes não enxerga isso. O presidente Barack Obama foi o primeiro grande líder que percebeu que, em vez da ação militar, era preciso uma integração social. 

O estado islâmico procura, de fato, um califado ou só exercer poder na região?
Acho que a lógica é banal. Maximizar a influência sobre a população usando o sentimento de frustração, de humilhação. Como foi o caso da população sunita do Iraque, depois da queda de Saddam. 

A ONU está preparada para esse novo tipo de guerra?
As Nações Unidas são importantes para uma diplomacia multilateral. Mas o poder de adaptação da ONU é limitado pelos vetos no Conselho de Segurança. Os dirigentes querem olhar o mundo de hoje com os olhos de ontem, de seu tempo.

O enfraquecimento de nações como Brasil e China reduz a pressão para atualizar instrumentos de mediação?
O pecado original não vem dos emergentes, mas das potenciais que têm a pretensão de governar o mundo. Os demais países caem no caldeirão da passividade. Só que a grande potência ficou impotente: Depois da 2ª Guerra, a última vitória americana foi numa disputa contra Granada em 1983.

Há bons líderes hoje?
Não. A classe política não muda. As coisas mudam com líderes não-políticos, como o Papa Francisco, que privilegia o social. Ele mobiliza uma parte da sociedade que os políticos já não alcançam. Mas não podemos pôr toda esperança no chefe de uma religião. É incrível como os líderes só descobriram o problema migratório depois da divulgação da foto de uma criança!

Ou fingiam não saber?
Havia uma certa tática de não ver o problema, mas também o problema estava subdimensionado. Os líderes políticos já não sabem reconhecer os problemas de grande porte.

Como avalia o atual momento político do Brasil?
O Brasil foi pego pela doença mundial: o deslocamento que os políticos têm da sociedade, os erros repetidos. Alguns, como Mandela, ficaram imunes. 

Como vê o ex-presidente Lula neste contexto?
Foi um grande homem. Talvez estivesse com um tamanho excessivo, de grande líder internacional. Agora, ele está exposto a esta doença também.
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Reportagem por Roberto Maltchik
Fonte: http://oglobo.globo.com/sociedade/conte-algo-que-nao-sei/bertrand-badie-grande-potencia-ficou-impotente-17676488 03/10/2015

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