sábado, 31 de outubro de 2015

Luis Fernando Verissimo: “Minha mulher sabe que não é para me levar muito a sério”


O escritor Luis Fernando Verissimo (Foto: Divulgação)

Depois do sucesso retumbante de "As mentiras que os homens contam", o escritor gaúcho lança um livro dedicado às mentiras femininas

No ano 2000, o escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo publicou uma compilação de crônicas divertidas sobre homens que mentiam para suas esposas, mães e namoradas. As lorotas eram todas bem-intencionadas. Eles mentiam para poupar as mulheres que amavam. Por que destruir as ilusões da mãe e contar que não quer ir à escola porque não fez a lição? Um bom filho sabe que o correto é inventar que está com dor de barriga e poupar sentimentos da mãe e da professora. Povoado por larápios de todos os tipos, o livro As mentiras que os homens contam vendeu mais de 500 mil exemplares.

Quinze anos depois, chegou a hora de dar o troco. Nas crônicas de As mentiras que as mulheres contam (Objetiva, 184 páginas, R$ 34,90), que chegou às livrarias no início do mês, Verissimo mostra que mães, esposas e namoradas também faltam com a verdade. Há a história da mulher que afirma ser mais velha só para ouvir elogios sobre sua aparência jovem. Uma professora solitária diz para um cego bonitão que seu nome é Isabel só para levá-lo para casa. E, é claro, a mãe que conta a primeira mentira ouvida pelo homem – “olha o aviãozinho” – e consegue deixá-lo de boca aberta. De Paris, Verissimo respondeu algumas das perguntas de ÉPOCA por e-mail.

ÉPOCA – Por que o senhor esperou 15 anos para lançar um livro sobre as mentiras que as mulheres contam?
Luis Fernando Verissimo – 
A decisão não foi minha, foi ideia da editora. Quando saiu o As mentiras que os homens contam me perguntavam quando sairia um livro sobre as mentiras das mulheres e eu brincava que seria um livro grosso e caro demais. No fim, os dois livros ficaram mais ou menos do mesmo tamanho.

ÉPOCA – Homens e mulheres mentem de maneiras diferentes?
Verissimo – Acho que homens sustentam uma mentira, contra todas as evidências em contrário, mais do que mulheres, que não têm tanta cara de pau.
As mentiras que os homens contam e As mentiras que as mulheres contam, de Luis Fernando Verissimo, editora Objetiva (Foto: Reprodução)
ÉPOCA – As suas crônicas são bastante irônicas. Como o senhor lida com o risco de ser mal interpretado pelos leitores?
Verissimo – Pois é. O que é escrito com ironia, para funcionar, tem que ser lido com ironia, o que nem sempre acontece. Mas este é um dos riscos do ofício.

ÉPOCA – O que a sua mulher achou do livro de crônicas sobre mentiras femininas?
Verissimo – Ela, mais do que ninguém, sabe que não é para me levar muito a sério.

ÉPOCA – O senhor costuma se posicionar politicamente nas suas crônicas. Nesses tempos de polarização, é mais difícil para um escritor se posicionar?
Verissimo – Comecei a ter um espaço assinado na imprensa em 1969, na chamada época mais brava da ditadura, sob o general [Emílio Garrastazu] Médici, quando havia censura, assuntos proibidos e risco de prisão, tortura, etc. Comparados com os daquela época, os incômodos de hoje são apenas isto, incômodos. Quem viveu aquela época não pode se queixar. Só lamentar que tenha gente com saudade daquilo.

ÉPOCA – É possível fazer política sem mentira?
Verissimo – Acho que uma certa dose de hipocrisia é inescapável, na política. Infelizmente.

ÉPOCA – Há muita gente mentindo em seu nome na internet. Como o senhor lida com a profusão de textos atribuídos ao senhor que circulam na rede?
Verissimo – Pelo que sei, é impossível evitar que qualquer pessoa escreva o que quiser e assine com o nome que quiser. Geralmente, nos textos falsamente atribuídos a mim, o Luis é com Z. O único problema é saber o que dizer quando você é cumprimentado, ou xingado, por um texto que não escreveu.

ÉPOCA – Existem mentiras benéficas?
Verissimo – 
A mentira para não magoar alguém, ou para salvar um relacionamento, eu acho desculpável.

ÉPOCA – O senhor mente?
Verissimo – Eu nunca menti. Esta é a primeira vez.
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Fonte: http://epoca.globo.com/vida/noticia/2015/10/  luis-fernando-verissimo-minha-mulher-sabe-que-nao-e-para-me-levar-muito-serio.html
Reportagem por  RUAN DE SOUSA GABRIEL

"MEU RECADO É PARA AS PESSOAS RELAXAREM"

Alan Levinovitz - Autor do livro “A Mentira do Glúten”

Milhões de pessoas em todo o mundo estão abrindo mão do glúten. Mas, por que mesmo? Foi a partir desse questionamento que o professor de religião e filosofia Alan Levinovitz, da Universidade James Madison, nos Estados Unidos, realizou uma pesquisa sobre os hábitos alimentares da sociedade contemporânea, buscando compreender a origem de modismos e dietas radicais. Os resultados, contemplados no livro A Mentira do Glúten – E Outros Mitos Sobre o que Você Come, lançado recentemente no Brasil, apontam para uma tendência cada vez maior de introduzir as narrativas religiosas na cultura alimentar ocidental.

Em passagem por Porto Alegre, Levinovitz conversou com o caderno Vida.

Você é um estudioso de filosofia e de religião. Como chegou ao universo do comportamento alimentar?

Dentro do que estudo, identifiquei muitos padrões de comportamento semelhantes ao que vemos hoje nas dietas da moda. Existem livros de 2 mil anos atrás falando que, se você deixasse de comer grãos, arroz e outros alimentos que existiam naquele período, você viveria para sempre e evitaria doenças. Também há obras da mesma época que alegavam que o problema não eram os grãos, mas as carnes. Isso parece muito com as ideias modernas sobre dietas, nas quais pessoas competem para ter autoridade sobre o assunto e fazem promessas milagrosas.

A relação das pessoas com a comida pode ser explicada por padrões religiosos de pensamento?

Hoje vemos muita religião relacionada à comida, e isso começa no próprio uso da linguagem. Pessoas falam de prazer, culpa e pecado para se referir à comida. Além disso, na alimentação, estamos sempre buscando quem são os novos “demônios”, sejam eles o açúcar, o ovo ou o carboidrato. Não nos damos conta de que são poucos os verdadeiros demônios, como o cigarro, por exemplo. Ao entendermos esse nosso desejo de enxergar as coisas assim, de forma simplista, compreendemos um pouco mais sobre os problemas que enfrentamos hoje. Viver com esse medo de ser impuro gera estresse e doenças.

No livro, você analisa o radicalismo em relação à comida principalmente nos Estados Unidos. Como você vê os hábitos alimentares no Brasil?

Nos Estados Unidos, há muito mais paranoia. Lá, é muito difícil, por exemplo, fazer um jantar para amigos. Quase todo mundo tem alguma restrição. Praticamente todos os menus oferecem opções sem glúten. Especialistas já chegaram a concordar que há um exagero nisso, afirmando que as preferências alimentares estão se tornando tão idiossincráticas que o hábito milenar e cultural da comida, de reunir as pessoas, está ficando comprometido.

Você compara muito as celebridades atuais com os santos religiosos. Como enxerga essa relação?

Sempre buscamos nos espelhar em autoridades, exemplos. Antigamente, buscávamos ser tão bons quanto os santos e, para isso, tínhamos de fazer o bem. Hoje, todo mundo quer se parecer com a Gisele Bündchen, não é? Então, as pessoas vão seguir as coisas que ela faz e diz, na esperança de ficar como ela. Quando uma celebridade diz que parou de comer glúten, muitas pessoas vão parar de comer. Se não fizer isso, você está cometendo um pecado contra si. Não podemos deixar as narrativas religiosas sobre o bem e o mal nos guiarem nesse aspecto. Temos de nos dar conta de que estamos sujeitos a uma indústria alimentícia, que vai querer nos vender ideias e vai usar a imagem de celebridades para isso. Até mesmo os orgânicos são uma indústria, e têm interesses por trás.

Qual é o caminho para uma vida saudável?

Meu objetivo com esse livro é libertar as pessoas do pensamento de que, se elas não comprarem as coisas certas no supermercado, estarão matando seus filhos e se matando. Meu conselho é pensar em se alimentar na quarta dimensão. Hoje, existem três dimensões da comida: quantidade, com todos aqueles critérios de excessos; qualidade, com pessoas nos dizendo o que é bom e o que é ruim; e composição, que é a proteína, o carboidrato, a gordura e tudo aquilo que está nos rótulos. Mas existe uma quarta dimensão, que é o tempo. Se as pessoas querem dar um passo em direção a um estilo de vida saudável, elas têm de esquecer um pouco essas três primeiras dimensões e se focar mais no momento em que estão comendo, se estão aproveitando, se estão separando espaços do dia para preparar e desfrutar de sua comida. Dessa forma, acredito que irão não só comer menos, mas também aproveitar mais a comida. Meu recado é para as pessoas relaxarem. Se existe um consenso, é de que o estresse pode matar.
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jaqueline.sordi@zerohora.com.br
JAQUELINE SORDI
Fonte:  http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a4890686.xml&template=3898.dwt&edition=27758&section=1028 31/10/215

A morte: o último tabu

Anselmo Borges*
 


Sobre os dias 1 e 2 de Novembro, dias dos mortos e da pergunta essencial.

1- É bem possível que, para se perceber uma sociedade, mais importante do que saber como é que nela se vive é saber como é que nela se morre e se trata a morte. Facto é que as nossas sociedades desenvolvidas, tecnocientíficas, do primado do ter sobre o ser, da eficácia, da vertigem do poder, do tempo digital e da aceleração, são as primeiras na história a fazer da morte tabu. Mais: assentam a sua realidade no tabu; para serem o que são, têm de fazer da morte tabu.

2-O que se passou? Nos princípios do século XX, o filósofo Max Scheler, reflectindo sobre o recalcamento da morte na sociedade europeia, foi encontrá-lo na modernidade, quando se deu uma estrutura diferente de experiência, centrada nos impulsos do trabalho, do domínio e do lucro. O homem moderno já não frui de Deus e a própria natureza já não é a terra natal acolhedora, que provoca admiração e espanto, mas tão-só o espaço da possibilidade de manifestação da subjectividade dominadora, como diz o soberano "penso, logo existo" de Descartes. Desde então, tudo fica sujeito ao cálculo, ao útil, ao funcional. Ora, se tudo é submetido ao útil e mecânico, orientado para o poder e ter sempre mais, já não há lugar para os outros valores. Num mundo matematizado e calculável, em que "é real o que é calculável", o homem moderno, centrado no activismo, pretendeu superar a angústia da morte através do domínio sem limites, de tal modo que o que fica é o progresso ilimitado, sem finalidade nem sentido humanos. O progresso, em que o progredir pelo progredir é o seu próprio sentido, transformou-se no substituto da vida eterna. Este homem, mediante os impulsos do trabalho, do lucro e do prazer sem limites, fica narcotizado quanto ao pensamento da morte. Na agitação constante, que tem em si mesma a sua finalidade e que se concentra no divertissement pascaliano, o homem moderno europeu julgou encontrar o remédio para a ideia da morte. Mas esse remédio é ilusório, pois, agora, a morte, em vez de aparecer como "o preenchimento necessário de um sentido vital", é poder e brutalidade sem sentido. O homem tradicional vivia face à morte com certa naturalidade e até familiaridade. O homem moderno, ao contrário, como vive como se não tivesse de morrer, como já não sabe "que tem de morrer a sua própria morte", quando esta aparece, só lhe pode aparecer como uma catástrofe. Vive no dia-a-dia, até que, subitamente, já não há mais um novo dia.

3- Este nosso universo tem 13 700 milhões de anos. Quase 14 000 milhões de anos! Tanto foi o tempo que demorou o processo até chegar a um existente que não só sabe mas sabe que sabe e sobretudo sabe que não sabe ilimitadamente e, por isso, pergunta. Um animal que é racional, falante, simbolizante, artista, moral... sepultante. Neste gigantesco processo da evolução, o aparecimento dos primeiros túmulos e dos rituais funerários é o sinal característico e decisivo da presença do ser humano no mundo. Pela primeira vez, está no tempo alguém que é consciência do tempo, portanto, da inevitabilidade de morrer e que simultaneamente recusa a aniquilação definitiva. É a consciência da morte que revela a emergência do radicalmente novo, a passagem do pré-humano ao humano, de "algo" a "alguém".

4- A morte é impensável em si mesma. Quando pensamos nela, é sempre no abismo do impensável que mergulhamos. Só por ilusão de linguagem é que dizemos, diante do cadáver do pai, da mãe, da mulher, do amigo: ele (ela) está aqui morto (morta). Na realidade, ele ou ela não está ali: o que falta é precisamente ele ou ela. E ninguém leva o pai ou a mãe, o filho, o amigo, à "última morada", para enterrá-los ou cremá-los. Como não tem sentido dizer que eles estão no cemitério e que vamos lá visitá-los. Nos cemitérios, com excepção dos vivos que lá vão, não há ninguém. Então, porque é que a sua violação é uma profanação execranda? O que há verdadeiramente nos cemitérios? Naquele espaço sagrado, do silêncio recolhido, está, paradoxalmente, a fonte da linguagem enquanto espaço da abertura e da pergunta. O que há nos cemitérios é um infinito ponto de interrogação: "O que é o homem?" A morte e o seu pensamento abrem a condição humana ao desconhecido, à Transcendência inominável, que apela e que invocamos.

5- Com o tabu da morte apagaram-se as perguntas últimas e primeiras, metafísicas, e também a ética e a moral. Porque é a consciência do limite na morte que derruba as vaidades, que obriga a perguntar ilimitadamente e nos dá a distinção do justo e do injusto, do que verdadeiramente vale e do que não vale, da "existência autêntica" e da "existência inautêntica" (Heidegger). Percebe-se então que as nossas sociedades, da banalidade rasante, niilistas, tenham feito da morte tabu, o último tabu. Agora, vale tudo, porque nada vale. E é o espectáculo que se sabe e se vê!
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* Colunista do JN
 Fonte: http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/anselmo-borges/interior/a-morte-o-ultimo-tabu-4863945.html - 31/10/2015
Imagem :  Edvard Munch,The Sick Child 1885

“No jogo político, é normal toma lá dá cá”

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, falou a respeito da crise política atual e do seu livro recém lançado, Diários da Presidência, com anotações feitas entre 1995 e 1996.

Como o senhor tem recebido a reação à divulgação do livro?
Com tranquilidade. Porque é um livro muito aberto, muito sincero. Não é um julgamento de pessoas, nem de situações. É uma reação momentânea e aberta, franca, minha. Não tenho nenhum problema que critiquem ou não. O meu interesse, na verdade, é, primeiro, mostrar como funciona realmente, por dentro, quem toma as decisões de poder. Quais são os constrangimentos de todo tipo: pessoais, família, amigos, inimigos, interesses e tudo mais. Segundo, porque acho que o Brasil está vivendo um momento de tanta confusão, tanta dificuldade, que é preciso também dar um estímulo.

No livro, o senhor se mostra incomodado com o toma lá dá cá. Há formas de mudá-lo?
No jogo político, é normal que haja, não digo um toma lá dá cá, mas, quando você vai governar, precisa de alianças. E isso implica naturalmente em dar participação. Agora, tem limites. Primeiro, você tem de ter um objetivo. É aceitável um toma lá dá cá, desde que seja para cumprir um objetivo, uma agenda, alguma coisa de propósito maior para o Brasil. A leitura do livro mostra que cumpríamos uma agenda que tínhamos no programa apesar do toma lá dá cá.

Um dos pontos mais polêmicos foi sua manifestação sobre a Petrobras. O senhor reconhece que foi alertado de que a estatal era um escândalo. 
Mas o escândalo que foi alertado ali não era de roubalheira, era de gestão. Havia uma sobreposição de gestão entre o conselho administrativo e os executivos, havia um diretor que mandava muito... Enfim, não era roubalheira.

O senhor se arrepende de não ter estourado essa bolha? É justamente no problema da gestão que as coisas aconteceram. 
Estourei, mudei tudo, reestruturação de cabo a rabo. Agora, você tem de ver em que momento. Política não é uma coisa que você faz o que quer na hora. O político é responsável não só por suas convicções, seus valores, pelo o que é certo, mas por construir possibilidades de executar o que é certo. No caso da Petrobras, naquela conversa, estávamos ainda lutando pela quebra do monopólio do petróleo. E a diretoria da Petrobras estava de acordo. Você tem de ir passo a passo. E, depois, transformamos a Petrobras do que ela era, uma repartição pública, em uma empresa. O que quer dizer isso? Em vez de ter influência de partidos e políticos, que seja regulada por regras mais objetivas e pelo mercado.

O senhor sugeriu a renúncia da presidente Dilma como um “ato de grandeza”. Sugere que entregue o cargo para Michel Temer ou espera que o vice renuncie para haver nova eleição? 
Não. Estava pensando o seguinte, como a presidente está numa situação tão delicada, tão difícil, com baixa popularidade, dificuldade de aprovar qualquer coisa no Congresso, o que seria com grandeza: “Vocês querem que eu saia? Saio, mas primeiro me deem tais e tais reformas.” Para criar um clima mais positivo, porque do jeito que está ela pode até ficar, mas vai empurrando o tempo com a barriga.

Qual seria o caminho mais adequado para o país? 
O menos custoso é a renúncia. Qualquer outro sistema é complicado: o impeachment é um processo longo, é um debate, paralisa o país. Uma decisão do tribunal eleitoral que anule a eleição provoca também uma grande confusão. Tudo isso é muito fácil de falar e quem conhece o processo histórico sabe que tem um custo para o país muito elevado. São dois os caminhos menos custosos: ou ela assume, chama o país às falas e apresenta um caminho crível para o país e recupera a força, pode governar – mesmo que a gente fique contra –, ou ela pelo menos deixa uma marca forte. “Olha, saio se vocês aprovarem tal e tal coisa, uma reforma eleitoral porque esse sistema está fracassado; mexer na previdência, senão vai falir”.

O senhor faz ressalvas à relação dúbia do PSDB no Congresso com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha? 
Cunha é o presidente da Câmara. E você, para mover as coisas, precisa do presidente. Minha opinião é que, diante de tudo que já se publicou e está comprovado, as contas no Exterior, ele está perdendo condições morais de ser presidente. Foi pedido à Comissão de Ética para analisar a situação dele. O PSDB deve ser implacável.

O senhor aceita o ajuste fiscal? 
Fiz ajustes, e é sempre penoso. Agora, você só consegue fazer os ajustes quando tem o apoio de setores importantes do país que se reflitam no Congresso, para ter maioria. Mas, sem um horizonte de esperança, o ajuste é operação sem anestesia. É o que está acontecendo. Tem de tapar o déficit. Mas qual é a reação dos contribuintes: vai aumentar imposto em cima de mim e vocês vão crescer o governo, o número de funcionários. O exemplo tem de começar em casa.

O senhor disse, no Roda Viva, que Dilma é uma pessoa honesta e correta, mas não poderia dizer o mesmo de Lula. 
Não foi o que eu disse. Acho que ela é correta, não pega propina, essas coisas. A responsabilidade que ela pode ter é política, não pessoal, de conduta. E com relação a Lula, me perguntaram se é a mesma coisa e eu disse que ele deve ter interesse em passar a limpo algumas coisas que estão aparecendo. Ele tem de demonstrar que não tem nada a ver com esses casos.
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Reportagem por  daniel.scola@rdgaucha.com.br rosane.oliveira@zerohora.com.br DANIEL SCOLA E ROSANE DE OLIVEIRA
Fonte:  http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a4891296.xml&template=3898.dwt&edition=27758&section=3595 31/10/2015

"Não sou a pessoa mais humilde do mundo"

Jogador português admite que as pessoas que o odeiam acabam por servir de motivação. Vai acabar a carreira dentro 
de quatro ou cinco anos

Cristiano Ronaldo não tem problemas em ser odiado. Para o internacional português até é importante ter "inimigos", pois é uma forma de se motivar. Numa entrevista ao jornal The Times, o jogador do Real Madrid disse mesmo que percebe que o vejam como arrogante.

"Não sou a pessoa mais humilde do mundo, admito isso. Mas não sou falso. Gosto de aprender", salientou Ronald, citado pelo The Telegraph. Habituado a receções hostis em muitos estádios, o capitão da seleção nacional até vê um lado positivo: "Tem de ver o lado positivo dos que odeiam. Eu preciso de inimigos. É uma parte do negócio. Começam a gritar quando toco na bola e isso começou quando eu tinha 18 ou 19 anos. Não é um problema para mim, é uma motivação."

 "O futebol não significa nada comparado com o teu pai.
 Se queres ir, vai."

CR7 falou ainda sobre o seu futuro e não tem dúvidas: "Vou acabar a minha carreira daqui a quatro ou cinco anos. Depois irei viver como um rei com a minha família e amigos."

Sobre a relação com o seu filho, o jogador realçou, segundo O Globo, que apesar do dinheiro que tem, não significa que dê tudo a Cristiano. Recordou que um dia o filho lhe pediu um smartphone para que pudesse ligar ao pai. CR7 disse não, pois a avó faria as chamadas se ele quisesse.

Admite que o filho mudou-o e também que gostaria ver Cristiano a marcar golos, mas "ele gosta mais da posição de guarda-redes".

O três vezes Bola de Ouro falou ainda sobre o pai e como ficou agradecido por uma atitude de Alex Ferguson, o seu treinador no Manchester United. "Quando o meu pai estava a morrer, ele estava num hospital em Londres. Disse ao Alex Ferguson, 'treinador, quero ir [para Londres]'", recordou CR7. O técnico escocês respondeu-lhe: "O futebol não significa nada comparado com o teu pai. Se queres ir, vai."
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 Fonte: http://www.dn.pt/desporto/interior/nao-sou-a-pessoa-mais-humilde-do-mundo-4864422.html 31/10/2015

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

‘Deputado não pode negar evidências’, diz sociólogo suíço

Jean Ziegler diz que se Cunha não provar origem do dinheiro, é fruto de corrupção

Autor de “A Suíça lava mais branco”, o sociólogo suíço Jean Ziegler, perito no sistema bancário daquele país, diz que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, não tem como negar que as contas eram suas. E que, se ele não provar a origem do recurso, “é oriundo de corrupção”.

Qual sua avaliação sobre o escândalo envolvendo a Petrobras e as contas de brasileiros encontradas na Suíça, com dinheiro supostamente oriundo de corrupção?

Como ex-deputado na Suíça e autor de livros sobre o sistema bancário do país, minha primeira reação é de revolta. E não por causa do Eduardo Cunha ou dos outros envolvidos. Amo o Brasil, e é nojento imaginar que políticos eleitos podem ter roubado um país tão incrível como o seu. Mas minha maior revolta é saber que esse dinheiro veio para os bancos suíços. Em todos os escândalos mundiais, os bancos suíços aparecem como instrumento de lavagem de dinheiro. Há uma lei específica contra lavagem de dinheiro na Suíça, mas, em todos os escândalos, os bancos saem impunes. Os promotores suíços podem agir sem que seja necessário outro país entrar com uma ação, mas eles não o fazem. 

Mas as autoridades suíças foram essenciais para identificar as contas que seriam de Cunha.
Não foi assim. Eles não abriram um inquérito. Só deram continuidade ao trabalho daquele juiz do Paraná, o Sérgio Moro, que transmitiu informações para a Suíça sobre número de uma conta, um nome e uma localidade. Os bancos suíços não puderam negar a informação. Ainda pode haver milhões escondidos em alguma offshore, sob um nome falso. Quem foi eficiente nesse caso foram os promotores brasileiros, não os suíços, que só agiram quando apareceram evidências que não poderiam ser negadas. Por eles, as próprias leis do país não seriam aplicadas.

O que permite que os bancos suíços desrespeitem a lei?
Os bancos são muito poderosos na Suíça, formam uma oligarquia. São mais poderosos do que qualquer departamento de Justiça, qualquer Parlamento, promotor. E são muito bem-sucedidos: a Suíça tem 8 milhões de habitantes, 42 mil quilômetros quadrados, sem matéria-prima, sem petróleo e, ainda assim, é um dos países com maior renda per capita do mundo. Isso só acontece porque a matéria-prima da Suíça é o dinheiro de nações estrangeiras. Os bancos suíços são muito competentes em transportar o dinheiro de estrangeiros. Cunha ou qualquer outro que queira trazer o dinheiro para a Suíça não costuma ter uma expertise financeira para tal. Mas os bancos suíços sabem como fazer. Têm um mecanismo para trazer o dinheiro roubado da Petrobras secretamente para a Suíça. 

Da forma como fala, os bancos suíços parecem um tipo de máfia.
Não chegam a ser uma máfia. Sei que é difícil entender a diferença, mas, por um lado, os banqueiros suíços têm uma moral muito forte. O problema é que eles são totalmente cínicos. São criminosos, porque ajudaram a criar instrumentos que permitem roubar dinheiro de outros países. Mas, ao mesmo tempo, são bastante honestos em tomar conta daquele dinheiro. O que querem é ter o máximo de lucro, por isso aceitam que se traga dinheiro para a Suíça. Acontece que um depósito corrupto fica completamente na mão do banco. É o que os americanos chamam de cliente aprisionado. É o sonho para qualquer banco suíço: o dinheiro é sujo, e o cliente não pode reclamar de muita coisa. Então, o banco cobra uma comissão de 30% a 50%; a comissão normal é de 1% ou 2%. 

Os bancos suíços sempre sabem de onde vem o dinheiro?
Fui deputado no Parlamento Federal. A lavagem de dinheiro não era crime aqui. Há oito anos, mudamos a lei e criamos uma regra que obriga os bancos a pedirem informações a seus clientes sobre a origem do dinheiro. Depois, criamos outra lei que obriga o banco a rejeitar depósitos de certos valores feitos por pessoas politicamente expostas (termo para designar agentes públicos, seus parentes e colaboradores próximos), já que um político que vive de salário público não costuma ter US$ 10 milhões. Essas leis foram completamente violadas no escândalo da Petrobras. Se um político for milionário por herança de família, precisa provar, para deixar seu dinheiro num banco suíço. Se não provar a origem legal, os bancos precisam recusar o depósito.

Após tantos escândalos e o caso SwissLeaks, não houve mudanças no sistema bancário suíço?
Por que haveria? A quem interessaria haver mudanças? Houve alguma pressão agora da União Europeia e dos EUA, por causa do SwissLeaks. Os bancos suíços organizaram evasão fiscal para americanos ricos durante 50 anos, até que o governo americano descobriu e abriu um inquérito internacional contra os bancos suíços, que tiveram que colaborar e pagar multas. Os EUA pressionaram muito e disseram que os bancos perderiam sua licença para operar na América; então eles tiveram que parar de permitir a evasão fiscal de cidadãos americanos. Também houve pressão da União Europeia, e foi criado um mecanismo de troca automática de informações. Mas a relação com Brasil, Japão, Cingapura e outros países segue a mesma. 

Não poderia haver uma pressão desse tipo do Brasil ou de um bloco da América Latina?
Acho impossível. Primeiro, porque duvido que as classes dominantes na Colômbia, por exemplo, iriam se juntar a esse tipo de movimento. Ou as classes dominantes brasileiras. Além disso, os únicos que têm os meios de pressionar são EUA e União Europeia. 

Desde que seu nome começou a aparecer no escândalo da Petrobras, Cunha se diz inocente. É possível que não tenha cometido crime?
Pergunto como é possível alegar inocência. Há US$ 2,4 milhões no nome dele e de sua mulher. Cunha poderia até dizer e provar que foi só evasão fiscal e que o dinheiro não é sujo. Poderia alegar que ganhou na loteria, não quis pagar os impostos no Brasil e mandou o dinheiro para o exterior. Mas é tolice dizer que não é verdade que o dinheiro existe. As evidências são totalmente claras. Não entendo como um homem que preside a Câmara de um dos maiores países do mundo pode tentar negar evidências como essas. É impressionante. E, se não puder provar a origem do dinheiro, então é oriundo de corrupção.
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Reportagem  por

Daniel Radcliffe: “Eu fumo e o responsável por seu filho é você”

 

"Tenho 26 e já me lembro de um mundo diferente do atual; vou ser um velho maravilhoso"

Há duas coisas que Daniel Radcliffe, o homem de 26 anos mais reconhecível do planeta, tenta fazer quando fala com um desconhecido, algo que, segundo seus cálculos, acontece em média 150 vezes por dia. Primeira estende a mão e se apresenta: “Oi, sou o Dan”. Depois, seguindo uma estratégia historicamente infalível para o povo britânico, ao qual pertence, procura alguma coisa para se desculpar. São dois gestos ilógicos e desnecessários, mas às vezes incrivelmente tranquilizadores, e buscam o mesmo resultado: convencer o interlocutor de que, apesar de ter protagonizado entre 2001 e 2011 o fenômeno geracional que foi a saga Harry Potter; apesar de ser, em consequência disso, uma das pessoas mais ricas do Reino Unido, e apesar de tudo isso acontecer desde os seus 10 anos, Daniel Jacob Radcliffe não é uma estrelinha mal-educada.

Nessa tarde, Radcliffe está se desculpando porque não lembrava que tinha essa entrevista. Chegou pontualmente ao encontro com ICON EL PAÍS no bairro de Chelsea, em Nova York, mas a desculpa nunca falta, enfiada entre as centenas de palavras que é capaz de pronunciar por minuto, entre as 20 frases que começa por cada uma que termina, geralmente com um sinal de exclamação no fim. “Lembro quando as pessoas me entrevistavam com fitas cassete”, explica, ao ver que a conversa seria gravada com um tablet. “Vi a transição dos gravadores para os iPads. Tenho 26 anos e já me lembro de um mundo diferente do de agora. Vou ser um velho maravilhoso”. Levanta um dedo e faz voz de avô: “Me lembro dos cassetes!” Essa espontaneidade é normal em Radcliffe. Ajuda a se manter sensato, mas, principalmente, sabe que se mostrar assim —intenso, falante, compulsivo, fascinado por tudo que há de estranho e inútil no mundo— é mais fácil para agradar quem estiver na sua frente. E esse é seu principal objetivo.
Na Inglaterra há pessoas que chegam a mim para dizer que não mereço isso, o que é uma forma muito inglesa de entender a fama
Pode ser sua forma de ser, ou a forma com que carrega a responsabilidade de ser ele mesmo. De ter o rosto no qual toda uma geração projetou seus sonhos durante anos. De ser uma figura que cresceu diante de tantas pessoas que muito sentem uma falsa sensação de familiaridade com ele. De ser alguém que se confessa sobrecarregado porque as dezenas de pessoas que o param na rua recordarão do encontro para sempre, e para ele são todos iguais. E o que é pior, se sentir na obrigação de ter que se afastar de tudo isso e emendar filmagem atrás de filmagem, peça de teatro atrás de peça de teatro, para demonstrar que não pensa em viver de sua fama. A ponto de estrear (em novembro nos EUA, apenas em 2016 no Brasil) Victor Frankenstein, uma versão delirante pós-moderna do clássico gótico, em que interpreta Igor junto a James McAvoy. Daniel Radcliffe concluiu que ser agradável é a forma mais simples de ser Daniel Radcliffe.

Pergunta. Não acha a enésima adaptação de Frankenstein a escolha mais chata que poderia ter feito?
Resposta. O roteiro era uma loucura tão diferente de tudo que valeu a pena. O que o roteirista, Max [Landis], fez foi pegar elementos do livro, dos filmes sobre o livro e das comédias sobre os filmes, e criou um mundo em que tudo isso pode coexistir com sentido. É uma versão muito nova que serve como carta de amor às versões anteriores.

Michael Schwartz

P. Imediatamente correu por toda Hollywood a história de que tinham colocado cabelo em você.
R. É, não deu tempo de o meu cabelo crescer de forma natural para a filmagem, então colocaram. Quatorze horas para colocar e cinco para tirar no final da filmagem. Mas no fim tornou minha vida mais fácil. Podia sair na rua e o pouco que me cobrisse ninguém me reconhecia.

P. Não nota que os fãs vão te deixando em paz?
R. Pelo contrário, a situação se intensificou desde que Potter terminou. Na época eu ficava 11 meses por ano filmando. Agora viajo e me exponho a muito mais pessoas. É tocante que a emoção continue e, em geral, as pessoas são encantadoras. Às vezes aparece um mal-educado, mas esse é o jogo. Na Inglaterra sou mais familiar às pessoas e muitas me dizem diretamente: “Você não merece isso!”, que é uma forma muito inglesa de ver a fama. E depois tem os bêbados. Ah, os bêbados. Um grupo de americanos bêbados me pede uma foto e pronto. Não tem maldade. Um grupo de ingleses, por outro lado, tenta brigar comigo porque acha engraçado.

P. O The New York Times disse que você atuava como um monarca, porque não só assumiu sua responsabilidade com o público, mas também era obsessivo com ela: você vê como um serviço público que deve realizar com o maior profissionalismo possível?
Meu pior dia em um estúdio é muitíssimo mais feliz que meu melhor dia fora dele
R. Só sinto responsabilidade com os fãs quando estão na minha frente. Não faço coisas pensando neles. Conheci famosos demais de todos os tipos para aceitar que as pessoas buscam modelos de conduta entre eles. Se você tem um filho, o modelo de conduta dele é você. Lamento. Se essa criança tem que admirar alguém que vive a milhares de quilômetros, e que nem sequer conhece, é algo que está fazendo muito errado. Digo isso porque eu fumo, e o responsável por seu filho é você. E muita gente me diz: “Cara, para”. E não. Minha única responsabilidade para com meu público é trabalhar com a maior integridade possível.

David Thewlis, que atuou em seis filmes Harry Potter, contou em uma ocasião uma piada que Radcliffe fazia quando era pequeno: que aos 18 seria internando em uma clínica de reabilitação e aos 27 estaria apresentando um concurso na televisão chamado Somos Magos!. Era o que se esperava dele: que desaparecesse com todo seu dinheiro (nem sabe quantos milhões tem, ainda que anos atrás tenha lido a cifra de 80) e seguisse o trágico destino de todo ator infantil. “Trabalho desde os 10 anos. De segunda a sexta, acordava às 7h da manhã, tinha uma hora de aula, depois cabeleireiro e maquiagem; depois filmagem até as 13h, depois comida, depois filmagem, depois uma hora de aula, mais filmagem e casa. Essa foi a minha vida durante 10 anos”, relembra de sua era Potter. Mas desde então, onde qualquer um veria sua perdição, ele acabou encontrando uma chave: “É verdade que não conheci outra coisa, mas exatamente por isso estou mais acostumado que os outros à disciplina e ao trabalho”. Já tinha rumo. O trabalha o salvaria.

Michael Schwartz

P. Logo após terminar Harry Potter, o ator Cuba Gooding Jr. te disse em um programa de televisão que você não tinha mais porque trabalhar pelo resto da sua vida. E te chateou.
R. Tenho trabalhado todos os dias da porra da minha vida e não sei fazer outra coisa. E adoro. Não vou dizer que a minha vida não teria sentido, mas sim que perderia a cabeça. É só uma suposição, mas acho que uma pessoa que consegue ficar completamente satisfeita sem fazer nada pelo resto de sua vida deve ser alguém bastante chato.

P. E ser totalmente ao contrário não é ser obsessivo?
R. Sim, sou obsessivo. Fico obcecado com o meu trabalho como fico obcecado com as pessoas de quem gosto. Não de forma possessiva, mas me preocupa que tudo aconteça bem. Também fico obcecado com as séries de televisão e o esporte.
Segue uma lista de coisas que Radcliffe consume obsessivamente: futebol americano, DVDs dos Simpson (com comentário do diretor incluído), South Park (“é claro!”), o videogame Call of Duty, Coca-Cola Light, o concurso de conhecimentos na TV Jeopardy! e o tabaco, em cigarros que ele mesmo prepara e que deixam manchas amarelas em seus dedos indicador e médio. Houve uma época em que se agarrou ao Red Bull e teve que deixá-lo; o mesmo aconteceu com o álcool no final de Potter, no que deve ser o caso de alcoolismo mais curto e sem graça de qualquer ator infantil na história.

Mas nenhum vício o agarra tanto como o trabalho. Nos últimos quatro anos protagonizou cinco filmes (dois dramas de época, uma comédia romântica, um de terror e um filme para a televisão), uma peça de teatro (The Crippled of Inishman – O coxo de Inishman), um musical da Broadway (How to Suceed in Business Without Really Trying – Como triunfar nos negócios sem se esforçar) e duas temporadas de uma série de televisão (baseada no livro de Mikhail Bulgakov, Diário de um Jovem Médico, um de seus favoritos). “Há dois anos houve um mês em que trabalhei 19 horas todos os dias”, lembra. “Gravava uma série até as 16h e depois ia fazer duas funções. De jeito nenhum volto a fazer algo assim”.
Conheci famosos demais para aceitar que eles sejam tomados como modelo de conduta. Eu fumo e o responsável pelo seu filho é você
Nesse momento, no estúdio em que se realizava nossa sessão de fotos, alguém deixa cair uma barra de metal que bate no piso de concreto e provoca um tremendo estrondo metálico.

P. Sabe, meu eu do futuro, que será o que vai transcrever essa entrevista com os fones a todo volume, vai odiar esse momento.
R. É verdade. [Dirige-se ao gravador] Sinto muito, jornalista do futuro! Gostaria de poder ter feito um alerta. Agora me perdi. Do que estávamos falando?

P. De como você é obsessivo.
R. Ah, sim. Olha, não me faça ficar como um louco. Não estou ruim da cabeça. No ano passado me dei duas semanas de férias, as primeiras da minha vida. Fui com minha namorada para o Caribe e fiquei em uma praia, mergulhei, andei de tirolesa, e ainda tinha a noite toda para ver filmes e fumar. Nunca tinha feito nada parecido antes. Isso, de vez em quando, não é ruim.

Radcliffe é caracterizado pelas sobrancelhas, esses acentos circunflexos que lhe conferem certa beleza gótica, arrematadas pela finura do queixo e das bochechas; os olhos, de cor azul hipnótica, e a forma com que fala. É estranhamente eloquente para alguém que mantém hábitos de adolescente, como uma dieta a base de pizzas e hambúrgueres (hoje está comendo biscoitos de pasta de amendoim). Na conversa, sempre volta à literatura. No cinema também: quando não adapta clássicos russos ou ingleses (A Mulher de Preto), interpreta o poeta beatnik Allen Ginsberg (Versos de um Crime) ou encarna o filho de Rudyard Kipling (My Boy Jack – Meu filho Jack). Se a brincadeira fácil e recorrente é que os filmes de Radcliffe têm em comum que em alguma cena ele inevitavelmente aparece nu, a realidade é que tudo tem a ver com os livros.

P. Victor Frankenstein também tem esse componente literário.
R. Não é algo que eu busque. Mas, sim, meu pai era um agente literário e minha mãe lia o tempo todo. Algo tinha que ficar em mim, naturalmente. No caso de Victor Frankenstein, eu gostava da ideia de revirar um clássico literário.

P. Considera-se um intelectual?
R. [Ri] Céus, não! Nem pense em colocar isso. Se eu abandonei os estudos!

P. Mas quando você completou 21 anos, se presenteou com uma viagem a Smolensk, o povoado em que Mikhail Bulgakov exerceu a medicina, para depois contar isso em Diário de um Jovem Médico.
R. Bom, sim.

P. Sabe o que os demais fazem aos 21 anos? Não leem Bulgakov.
R. É que tive sorte. A partir dos 16 anos tive, no set de Potter, um professor que me estimulou muito durante os quatro anos seguintes. Eu o via uma ou duas vezes por semana. Líamos livros e obras de teatro, e os comentávamos sem a pressão de eu ter de passar por um exame. Esse foi um dos privilégios de fazer Potter.

P. Suas inquietações vêm daqueles que te rodeiam?
R. Vamos ver, acho que sou inteligente. Bobo não sou. Mas fiz contato, e ainda mantenho, com um grupo de pessoas muitíssimo mais inteligentes que eu. Meu melhor amigo [um dos encarregados do vestuário de Harry Potter, 40 anos, pai de três filhas] é um gênio. Em me comparo com eles e lhe digo que não sou intelectual.

P. Seus personagens têm uma coisa em comum: todos anseiam tanto uma coisa concreta que o desejo acaba se transformando em realidade. E eles anseiam por morfina, uma garota que amam, um rapaz que desejam sexualmente, uma ascensão...
R. Gosto dos personagens que tenham um toque romântico. Não romântico no sentido sexual, mas na forma como olham o mundo. Essa ideia de que a felicidade é algo que está aí, que se pode conseguir. É certo que são obcecados, mas também têm uma certa pureza. São puros de coração, e isso é algo elogiável.

P. Te atrai tanto assim a ideia de que a felicidade se consegue?
R. Sim. Reflete algo da minha vida, vem do meu amor pela indústria do cinema. Colocaram-me nesse mundo aos 11 anos e não existe outro lugar no qual eu prefira estar que não seja um set de filmagem. Meu pior dia em um estúdio é muitíssimo mais feliz que meu melhor dia fora dele. Estar no centro dessa atmosfera criativa... é tão... emocionante. O cinema é algo puramente bom. Pode mudar a vida das pessoas. Pode mudar leis. Que coisa mais bonita. E se não está mudando vidas, pelo menos está dando a alguém um lugar para onde escapar durante duas horas, o que é igualmente importante.

Em seu tempo livre, Radcliffe escreve: “Adoro. Tenho um roteiro e o estou reescrevendo. Algum dia o filmarei”, anuncia. O primeiro dia em que filmou algo que não fosse Harry Potter foi também o primeiro dia em que Radcliffe, com 21 anos, foi a um estúdio sem os pais. Seu pai lhe escreveu uma carta: “Em um estúdio sempre haverá alguém que causa um atraso”, dizia. “Tente não ser você”.

Esses são os termos em que Radcliffe se move. Trabalha. Lê. Agrada. “Escrever e dirigir seria uma vida boa. Dá um enorme medo, mas acho que posso fazer isso”, prossegue. “É como quando as pessoas vinham e me diziam: ‘Mas no que você vai trabalhar depois de Potter?’ Dentro de mim eu sabia que poderia. Só tenho que me esforçar um pouco mais para conseguir, e que as pessoas não pensem em Harry Potter. Tenho que me assegurar de que o que faço me permite voltar no dia seguinte”.
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Reportagem por 
Fonte:  http://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/19/estilo/1445246248_953967.html

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

DIAGNÓSTICO POUCO RESERVAD

O terceiro livro da série que Philip Roth dedicou ao seu alter-ego Nathan Zuckerman é uma ficção sobre o fim do romancista — ou a auto-análise neurótica de um escritor em sofrimento
Livros A Lição de Anatomia

Em 1984, pouco depois de Philip Roth publicar o terceiro romance dedicado à personagem Nathan Zuckerman — o seu alter-ego —, o escritor britânico Martin Amis assinava uma crítica no The Observer alertando para o que considerava ser uma “fixação”: a do autor norte-americano com o sucesso pessoal, que explorava obsessivamente através da autobiografia ficcionada. Esse texto, e muitos dos que então se escreveram, chamava a atenção para a neurose literária de contornos cada vez mais vincados que a obra de Roth parecia materializar. No início dos anos 80, quase 15 anos depois da publicação de O Complexo de Portnoy (1969), o escritor fazia da sua biografia a matéria da sua ficção, num jogo cuja maior das virtudes parecia ser (ainda é) a manipulação da identidade. Onde começa e onde acaba Roth? Ou, de forma mais directa, quem é Roth em cada uma das personagens que cria? Continuaria a ser assim até ao dia em que anunciou que não escreveria mais, em vésperas de fazer 80 anos. Mas a auto-análise enquanto matéria literária ganhou especial evidência com a publicação de A Lição de Anatomia, o tal livro de que Amis falava com uma certa irritação.
Nathan Zuckerman aparecera pela primeira vez enquanto personagem em The Ghost Writer (1979). Era um jovem escritor natural de Newark, como Philip Roth; filho de imigrantes judeus, como Philip Roth; ambicioso e com grande consciência de si, como Philip Roth; um jovem escritor apresentado como um talento promissor e às voltas com o seu judaísmo, numa identidade feita de tensão entre a herança cultural e religiosa e as aspirações de quem se sente americano de pleno direito. Dois anos depois, em 1981, saía Zuckerman Unbound, o livro que encontrava Zuckerman em pleno momento de sucesso após a publicação de Carnovsky, o romance em que — à semelhança de Roth com o seu O Complexo de Portnoy — rompe com o seu passado e abre um confronto que lhe custa a animosidade familiar e de um povo, o judeu. Em A Lição de Anatomia, que acaba de ser publicado em Portugal em mais uma tradução de saudar de Francisco Agarez, Zuckerman tem 40 anos e está refém de uma dor que o impede de escrever, uma dor no pescoço, nos braços e nos ombros que não o deixa “percorrer mais do que alguns quarteirões ou sequer estar muito tempo de pé no mesmo sítio” — sem que haja uma explicação clínica para tal sofrimento. “Zuckerman era simplesmente um homem saudável que sofria de dor”, lê-se logo no início (p. 29), depois de o leitor ser confrontado com uma cruzada inconclusiva de consultas a médicos de várias especialidades, e da panaceia que para ele constitui a visita regular de quatro mulheres que o ajudam em tarefas rotineiras, entre as quais sexo e conversa.

É um cenário de queixas e diagnóstico difícil em que o sofrimento físico, paralisante, é mais uma vez pretexto para um longo monólogo sobre a identidade, a criação, o sucesso e o fracasso, a solidão, o sexo e a literatura. Ou seja, as grandes questões que atravessam a obra de Roth, aqui apresentadas entre doses de grande ironia e amargura e com uma nostalgia assente na impressão de que talvez o melhor da vida já terá passado, irremediavelmente, e de que o que sobra poderá não passar de uma tentativa de resgatar qualquer coisa do que ficou para trás para poder continuar a existir. A dor de Zuckerman é sustentada por uma sucessão de perdas. Depois da morte do pai, acontece a da mãe, vítima de um tumor no cérebro; seguem-se o silêncio do irmão, a falta de estímulo criativo, o medo de não conseguir repetir o sucesso, a sensação de já não pertencer a uma geografia que era muito concreta e que passou a ser vaga até se diluir. “Zuckerman ficara sem tema. Sem saúde, sem cabelo e sem tema. O que não tinha importância, porque também não conseguia ter posição para escrever. A matéria de que até então tinha feito a sua ficção era a paisagem calcinada de uma guerra racial, e as pessoas que para ele tinham sido gigantes estavam mortas. A grande batalha judaica era com os estados árabes; aqui tinha acabado e o lado da Nova Jérsia do Hudson, a Margem Ocidental de Zuckerman, estava agora ocupado por uma tribo forasteira.” Em 1973, Zuckerman é um espectador do Watergate pela televisão; está anestesiado por vodka, marijuana e analgésicos e confrontado com uma ideia de fim. “Se mãe, sem pai e sem terra natal, morria o romancista.” Resta-lhe, pensa, seguir a sua intuição: deixar Nova Iorque e ir estudar Medicina para a Universidade de Chicago. 

Tudo parece remeter para um livro insuportavelmente amargo, mas Philip Roth transforma-o num exercício de divertida e corrosiva auto-reflexão, feito no estilo despudorado de sempre, em que o patético está em Zuckerman e não no texto. Tratando-se de Roth, e do tal exercício autobiográfico permanente que é a sua obra, poder-se-á sugerir que esse patético estará também nele, Roth, e não no texto? É a questão que apaixona biógrafos e críticos e que o próprio escritor também já tratou em Os Factos, a autobiografia literária que escreveu no final dos anos 80, em reacção a um esgotamento nervoso. Nela quis falar de si sem recorrer à ficção. Mas fê-lo como numa imensa carta a Zuckerman e, em resposta, Zuckerman lembrava-lhe, nada mais, que a autobiografia não é senão a arte da manipulação. O jogo persiste. Em Roth estamos sempre em território tão sinuoso quanto o da dor de que parte esta A Lição de Anatomia.
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Fonte: http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/diagnostico-pouco-reservado-1711850

“O peronismo acabou; hoje é uma marca decadente”


Dirigente e militante peronista argentino

Entrevista com Julio Bárbaro
Dirigente peronista

Rodrigo Cavalheiro

O movimento de Perón foi um esforço de integração dos excluídos e
uma barreira contra o marxismo, 
diz ideólogo Julio Bárbaro



O peronismo acabou, garante o dirigente peronista Julio Bárbaro, de 73 anos. Decano da corrente política que governou a Argentina por 25 dos últimos 32 anos de democracia, a experiência não o fez se aproximar dos grupos guerrilheiros ligados à esquerda do movimento. "Que a ditadura seja genocida não significa que a guerrilha seja lúcida", escreveu num artigo, elogiado em uma carta de seu amigo Jorge Bergoglio, que o recebeu no Vaticano no ano passado já como [papa] Francisco. Sempre pertenceu à ala católica do movimento.

Proibido pelos médicos de dar entrevista para TVs e rádios após a colocação de um stent, ele recebeu o jornal O Estado de S. Paulo na semana passada no apartamento que aluga na Recoleta. "Sou dos poucos que não ficaram ricos e foram morar em Puerto Madero", afirma orgulhoso. Considera os Kirchners "o triunfo da esperteza e da falta de conteúdo". A essência do peronismo, que para ele nunca foi um partido, mas uma ideia de inclusão social acima das ideologias, deixou de existir. "O peronismo hoje é uma marca de hambúrguer. Posta numa almôndega, vende."

A seguir, a íntegra da entrevista.

Um decano do peronismo consegue explicar o que ele é?

Julio Bárbaro: O peronismo não foi um partido, foi a integração dos excluídos à sociedade. Perón usa essa ideia para promover a igualdade. Foi também uma barreira contra o marxismo, que fracassou em todos os lados. Fracassou na Rússia, na China, em Cuba. Esse marxismo hoje é usado pelo governo argentino para cobrir os negócios kirchneristas. O kirchnerismo, que é um capitalismo sem piedade e sem ideia de desenvolvimento, incorpora os marxistas para fazer sua defesa. Inclui o sectarismo deles, mas não a distribuição econômica. Hoje temos a decadência do peronismo.

Perón não imaginava um peronismo assim?

Bárbaro: Perón faz uma última tentativa de evitar a guerrilha. Ele diz à esquerda que a guerrilha nunca vai ganhar de um exército regular. Que a ditadura seja genocida não significa que a guerrilha seja lúcida. Recebi cartas de Jorge Bergoglio concordando comigo. A guerrilha foi um fracasso, um suicídio, mas os militares genocidas foram tão ruins que devolveram prestígio a alguém não merecia. Não temos um José Mujica, um guerreiro de verdade, que aparece e se apresenta como pacificador. Aqui somos todos falsos. O kirchnerismo e o menemismo herdam a memória, mas não as ideias. [1]

Pesquisas da própria campanha do candidato governista Daniel Scioli indicam que seu principal problema é não ser visto como um líder. Estão tentando mudar essa imagem para chegar aos 45% que lhe dariam a vitória no primeiro turno, colocando-o em encontros como estadista, ao lado de presidentes. Isso funciona?

Bárbaro: Se eu fico perto dos jovens, não perco idade. Ele tem de se apresentar como presidente, não como o comandado pela Cristina. Eu disse a ele que ninguém chega ao poder de joelhos. Se ela seguir com a humilhação a ele, não será nada. Ninguém vota em um humilhado. Isso não se resolve com uma foto com ninguém.

Em todos os discursos, ele menciona o papa Francisco. Para o papa ele é uma boa pessoa?

Bárbaro: Sim. Mas eu também, sou mais amigo que ele do papa. Que tem a ver? O papa serve na Argentina para algo mais importante. O papa é um argentino com um pensamento transcendente que a maioria dos argentinos não queria ver. Fui intermediário entre Bergoglio e Néstor Kirchner (em 2004, o presidente se ofendeu em uma missa em que o cardeal criticou a corrupção). Como era amigo dos dois, tentei reaproximá-los. Mas Néstor não queria ver ninguém que não pudesse dominar. Néstor não era um estadista, não fez nada importante. Era um esperto. Néstor é o triunfo da esperteza. É o pior que os argentinos têm como identidade. Temos um papa capaz de ir ao Muro das Lamentações com muçulmanos e judeus, mas ficamos com os vendedores de ódio.

O papa é peronista como dizem?

Bárbaro: Perón deu ideias importantes. Os fiéis de Bergoglio eram peronistas, ele não. Ele nunca apoiou a guerrilha. Fiz política toda a minha vida e nunca fui violento, sem deixar de estar no centro dos conflitos. O caminho para a justiça é a democracia, não a violência.
JUAN DOMINGO PERÓN (1895 - 1974):
Foi um militar e político.
Presidente da Argentina de 1946 a 1955 e de 1973 a 1974.

É possível um governo não peronista na Argentina?

Bárbaro: Sim, o que não se pode é governar sem assumir a realidade. Peronismo foi um pedaço da realidade, mas já não existe como tal. Sumiu com Perón. Perón lia As Vidas Paralelas de Plutarco, Cristina e Néstor nunca leram nada. Estamos falando de advogados medíocres que fazem discursos mais medíocres. Perón era um estadista.

O sr. trabalhou quatro anos com Néstor e disse que era amigo dele. Quando houve a ruptura?

Bárbaro: Quando assumiu Cristina. A partir dali eu me retirei. Eles não são capazes de falar com ninguém que não os obedeça. Sempre fui muito amigo dele. Ele vivia a quatro quadras daqui, me ligava às 22 horas e me dizia "Cristina não vem, vamos jantar". Duas vezes por semana, durante anos. Sabia os vinhos, os lugares, tudo. Quando ele vai assumir, digo que não quero trabalhar com ele. Pergunta-me por que: Porque você é autoritário e não gosto que me humilhem. Não vamos durar muito. Quando assume, diz que somos muito amigos para que eu não aceite nenhum cargo.

O que ofereceu?

Bárbaro: Disse que me daria um cargo que não dependia dele. O problema do autoritarismo é que convoca gente sem lucidez. Não entra um Mangabeira Unger, um Marco Aurélio Garcia. Aqui, se não for tosco e obediente, não chega a ministro. São pessoas que ficam aí aplaudindo como idiotas. Nunca ser ministro, senador ou deputado esteve tão em baixa como agora.

A figura de Carlos Zannini (secretário técnico do governo e vice na chapa de Scioli) é perigosa como a oposição diz?

Bárbaro: Ele é um imbecil, não é que seja perigoso. Eu o desprezo. A política tem uma parte escura, a parte do negócio. Quando essa parte se transforma em pública, é que a degradação chegou ao máximo. Eu vi algumas vezes. Ele fala de negócios, eu de política. Não tem nenhum poder, mas dá vergonha que esteja aí. E dá vergonha que Scioli o aceite. Scioli é essa parte da Argentina que não quer se responsabilizar por nada. Tudo está bem, todos somos lindos, todos nos amamos, todos nos afundamos, mas eu não vejo, não noto, me distraio. Isso não é sabedoria. É ser irresponsável.
DANIEL SCIOLI
Governador da Província de Buenos Aires - candidato da situação, ou seja, apoiado
pela atual presidente Cristina Kirchner
Ficou em 1º lugar no primeiro turno das eleições presidenciais argentinas

Pesquisas indicam que ele [Scioli – candidato de Cristina Kirchner] não perdeu votos com as últimas inundações. Por quê?

Bárbaro: Bobagem. Pesquisas não são confiáveis. Eu estava com Néstor quando o Estado decidiu dar uma grande quantia de dinheiro para as consultorias de opinião. Nem deveria dizer, mas há grande quantidade de institutos que sobem três pontos diminuem quatro. É uma piada. Eu conheço, a mim não enganam. Por baixo, 80% dos institutos são subornados. Outro dia estávamos tomando vinho com um dos mais importantes que disse essa estupidez, de que Scioli não é atingido. Eu disse "minta para eles que te pagam, não para mim". É como o amor da prostituta, dura enquanto dura o cheque. Não me fale de pesquisas, eu mesmo fiz o pagamento algumas vezes. Basta.

Acredita que [Scioli] possa ganhar em primeiro turno?

Bárbaro: Não ganhará. Não há uma grande oposição, mas estou convencido de que se houver segundo turno esse governo cai.

Essas denúncias de fraude em eleições regionais o atingem?

Bárbaro: Sim. Não se pode dizer que mais ou menos que algo. Se buscamos um fator, ficamos como a presidente, que quis explicar o nazismo pelo Tratado de Versalhes. Macri vem do empresariado. Me consulta... quer dizer, me escuta. Assim como Scioli e Massa. Mas não têm a formação de um político de raça. São pessoas que entraram na política tarde. Um era esportista, outro era empresário. Os políticos tiveram o confronto dos [anos] 70 e a corrupção dos [anos] 90. Sou dos poucos que não enriqueceram, que não vivem em Puerto Madero, alugo este apartamento. Mas não pela virtude da honestidade. Nunca me interessou o dinheiro. Esse é um problema dos argentinos, a admiração pelo rico. Isso é a decadência. É um cara que fez do egoísmo e da ambição o motivo da sua vida. O que ocorre é que esse rico não pode conduzir a sociedade. Há países onde o poder político está acima da riqueza. Mas aqui os ricos são tão grosseiros que acham que podem conduzir o país.

O próximo presidente argentino, Scioli ou Macri, será rico. É um problema?

Bárbaro: Eu falo de obcecados. Néstor [Kirchner] era um que achava que o poder... O poder que para Alfonsín estava dentro da urna, para Néstor estava na caixa-forte. A quantidade de dinheiro era poder para Néstor.

Achou estranho que Cristina não se candidatou a nada para proteger-se judicialmente, uma tese da oposição?

Bárbaro: Cristina tem tanta arrogância, que não pode estar num lugar sem mandar em alguém. Se na vida alguém não tem coerência, não é o dinheiro que a dará.
MAURICIO MACRI
Atual prefeito de Buenos Aires - candidato de oposição ao governo Cristina Kirchner
Ficou em 2º lugar no primeiro turno das eleições presidenciais argentinas

É verdade que Macri o convidou para entrar no partido dele?

Bárbaro: Porque eu sou peronista. Eu respeito Macri. Hoje parece o mais democrático deles. O mais conservador? Sim. Mas o autoritarismo está à direita do conservadorismo econômico. Macri está à esquerda de Cristina, sem dúvida.

O senhor votaria hoje em Macri?

Bárbaro: Sim, claro.

Sendo peronista?

Bárbaro: Sim, claro.

A fidelidade não é parte indissociável do peronismo?

Bárbaro: Eu tenho fidelidade às ideias, não aos homens. Fieis aos homens são os cachorros. Não sou um cachorro. O que me dói é que degradem o peronismo e convertam o peronismo nessa imundície. Era minha causa nobre e a usaram para lucrar. Meus principais inimigos são os que destroem o peronismo. Os que não são peronistas não me atingem. Hoje o peronismo é uma marca de hambúrguer. Se colocada numa almôndega, vende. Usam a memória porque não são capazes de ser eles mesmos.

Peronistas mais velhos costumam dizer que votarão em Scioli porque é o candidato peronista, não importa o que diga?

Bárbaro: Isso é um traço imbecil de quem pensa que política e futebol são o mesmo. É uma desvalorização, é perda de liberdade, não se pode tomar com seriedade. Eu voto com o que penso. Minha lealdade é a ideia. O resto é futebol. É o jogador que era do rival, é comprado pelo meu clube e hoje é meu amigo. Isso é decadência. Não há gente com vontade de transcender. A política é a construção daqueles dispostos a superar seu egoísmo por algo melhor. Não há. 
CRISTINA KIRCHNER
Julio Bárbaro diz sobre ela:
"Ela não tem nada o que dizer. O vazio dura pouco... Cristina sem o cargo não é ninguém."

Que imagem Cristina deixará?

Bárbaro: A pesquisas são pagas. Passará a história sem pena nem glória. Menem saiu por cima e depois se diluiu. Ela não tem nada o que dizer. O vazio dura pouco.

Ela poderia voltar em 2019, como se fala?

Bárbaro: Por favor... Só dizer isso é não entender nada da vida, não só da política.

Se Scioli ganha, não o permitiria?

Bárbaro: Há dois tipos de poder. O do cargo e o da consciência. Mujica sai e todos vamos entrevistá-lo, pois há um poder da consciência. Sanguinetti também. São homens que têm conteúdo. Cristina, sem o cargo, não é ninguém.

Néstor também não?

Bárbaro: Também não.

A "década ganha" então não é nada?

Bárbaro: Houve um crescimento da economia mundial. Não foram eles. O que sobrou de Menem? Eu lembro que ia à televisão representando Néstor. Se falava com carinho do menemismo, as pessoas se despedem com ternura, mas para que saiam logo. Cristina, em dois anos, não saberemos quem será. É gente que não pode viver na solidão, adoece. São a mera expressão da ambição. Muita gente é estúpida. Em todo o mundo, o que vamos fazer. A estupidez é parte da vida. Tenho um amigo que diz "Deus deve gostar muito dos imbecis, pois os reproduz em grande quantidade". O que tem a ver 2001...

Muitos dizem que passaram fome, que o país implodiu.

Bárbaro: Disso nos tiraram Duhalde e Lavagna, não Néstor. Duhalde e Néstor estiveram nessa mesa juntos. Quando chegou estava tudo consertado.

Os meios críticos ao kirchnerismo pressionam por uma aproximação entre Massa e Macri. Não é medo de que Scioli ganhe em primeiro turno?

Bárbaro: Hoje, 60% da sociedade odeia tanto o governo que para ela daria na mesma se ganhasse Macri ou Massa. A diferença entre eles é pouca, ambos são democráticos. Scioli chega perto de ser democrático, mas precisaria dizer quem é. Cristina, quando fala, me dá vergonha, ponto.

N O T A

[ 1 ] – Menemismo, kirchnerismo e peronismo:o peronismo, movimento de traços populistas, tem servido de guarda-chuva para correntes lideradas por políticos carismáticos que dominam a política argentina nas últimas décadas, no caso, Carlos Menem e Néstor Kirchner. Para saber mais sobre o kirchnerismo e a situação atual da Argentina, clique aqui.

Fonte: ESTADÃO.COM.BR – Internacional– 25 de outubro de 2015 – 03h00 – Internet: clique aqui.