domingo, 6 de setembro de 2015

A América continua a gostar deste homem branco

ANDY RYAN/ CORBIS OUTLINE
Dar entrevistas é um acto “brutal”,diz Jonathan Franzen. Ainda não encontrou a resposta para a pergunta “como se fala de um romance?”, mas começa agora a falar de Purity, o livro que se segue aos sucessos esmagadores de Correcções e Freedom. Chega a Portugal dia 8.
Jonathan Franzen começa agora a falar de Purity. Finalmente sem restrições, a não ser as que possam comprometer a leitura do livro

“Como está a tradução, o livro é divertido em português?"
A pergunta surge no fim de uma conversa feita a partir de Santa Cruz, Califórnia, onde Jonathan Franzen vive. É 16 de Agosto, no dia seguinte o escritor fará 56 anos. Mostrou-se disponível para falar do seu novo romance, Purity, antes ou depois dessa data, numa troca de e-mails em que revelou uma informalidade e um sentido de humor estranhos para um autor com fama de elitista e misantropo.

“Se o livro tiver graça em português, então a tradução é boa”, continua, alimentando um dos tópicos que mais tem sublinhado nas últimas conversas, a intenção de fazer comédia: há cerca de uma semana terminou mesmo uma entrevista ao jornal britânico The Guardian dizendo que era um “escritor cómico”. Tudo a propósito de um livro em que levanta questões complexas sobre sexualidade e género, em que critica o universo da Internet e a gestão de informação on-line, comparando-a à dos regimes totalitários; em que fala da culpa, de conflitos geracionais, da ambição individual e da obsessão ideológica. “Num romance pode-se tudo, mas é tudo sobre sedução. O século XX trouxe a noção estranha de que a literatura deveria ter pouco a ver com prazer”, declara. Bate certo com um autor que sempre preferiu o realismo ao pós-modernismo ou ao experimentalismo de alguns nomes da sua geração, como o seu grande amigo David Foster Wallace. 

É fácil ao leitor identificar-se com as personagens que Franzen criou em Correcções (2001) ou Liberdade (2010), romances que fixaram o espírito do tempo na América contemporânea e que o tornaram um dos autores norte-americanos mais internacionais de sempre, com milhões de exemplares vendidos em todo o mundo. O estatuto de Jonathan Franzen é o de uma vedeta, alimentado não apenas pela qualidade da sua literatura, como pelas polémicas em que repetidamente aparece como sexista, misantropo, “intelectualmente desonesto”. Ignora algumas, responde a outras, já assumiu publicamente ter feito em alguns casos afirmações excessivas. É este panorama que explica toda a especulação gerada desde que anunciou um novo romance para 2015.

Purity surge cinco anos depois de Liberdade. Terminado em Janeiro, tem merecido uma gestão cuidadosa por parte da editora, com silêncios e revelações sobre o enredo que pretendem manter acesa a curiosidade. O livro chegou ao mercado de língua inglesa no passado dia 1 e no próximo dia 8 conhece a edição portuguesa. Para cima de 700 páginas, de um enredo mais complexo e ambicioso do que os dos romances anteriores
Franzen começa agora a falar de Purity. Finalmente sem restrições, a não ser as que possam comprometer a leitura do livro.  

Tem-se especulado muito acerca do seu novo romance desde o momento em que ele foi anunciado. Como é que lida com tudo o que se tem escrito, incluindo as polémicas mais pessoais, como as acusações de que é misógino ou de que negligencia questões ambientais, ou as que implicam a sua posição muito crítica sobre a Internet?
Não prestando muita atenção a isso, acho. 

Consegue?
Ah, sim. Nunca leio sobre o que se escreve acerca de mim on-line. Isso ajuda. Mas tomo essa especulação como um elogio. As pessoas estão curiosas acerca do meu livro seguinte e isso significa que gostaram do anterior. Fico contente com o facto de haver especulação, mas isso não tem nada a ver comigo. Tenho de continuar a viver a minha vida privada; é dela que os meus livros vêm. Tentar antecipar o que as pessoas esperam ou o que desejam gera falsidade artística.
O romance desenvolve-se à volta de uma palavra, Purity. É o título, o tema e o nome da protagonista, para quem pureza é "a palavra mais vergonhosa de toda a língua". Adopta o diminutivo Pip e um comportamento provocatório: "Como se quisesse fugir ao peso do nome, no liceu tinha-se feito uma rapariga suja." Este romance começou pelo título, foi imediato?
Sim, foi antes de eu ter escrito o livro. Vem directamente do anterior, um curto trabalho de tradução e anotação chamado The Kraus Project (2013). Acho que não está traduzido em português: são ensaios de Karl Kraus [1874-1936, poeta e dramaturgo austríaco], e também uma memória do ano que passei em Berlim no início da década de 80. Decidi revisitar este satirista de Viena que escreveu um século antes de mim. Fui muito tocado pela escrita de Kraus quando tinha 20 e poucos anos porque que ele é moral e linguisticamente muito rigoroso, e um satirista com muita piada: uma espécie de modelo para aquilo que naquela idade eu queria ser como escritor. Comecei a traduzi-lo na altura, mas a tradução não era suficientemente boa porque ele é incrivelmente difícil. Mais recentemente, voltei à tradução, que começou a ganhar outra qualidade, e tomei consciência do quanto a minha relação com Kraus se tinha alterado. Já não o achava tão fantástico. Linguisticamente continuava muito bom, e era muito divertido, mas era uma pessoa difícil; em muitas coisas era odioso, estava absolutamente convencido da sua rectidão, nunca pedia desculpa por nada, mesmo quando estava obviamente errado, e tinha uma noção meio louca de pureza linguística, que era também uma forma de pureza moral. Foi precisamente o que me atraiu nele quando tinha 22 anos, mas agora parece-me algo de que apenas um rapaz novo pode gostar. 

A pureza?
Sim, esta pureza. Nesse livro trabalhei muito de perto com o tradutor alemão Daniel Kehlmann. Ele ajudou-me a resolver alguns problemas no livro, e a certa altura falámos do quão semelhantes eram os admiradores de Kraus em 1915 e os jovens terroristas islâmicos de hoje. Têm em comum o facto de estarem todos muito preocupados com a pureza. Por tudo isto a noção estava na minha cabeça e decidi pô-la no livro. Há um lado de acaso nisto, claro. Há tanta coisa de que falar no mundo – nos últimos três romances foi muito útil para mim escolher um título antes e depois escrever à volta dele, explorar as suas possibilidades.

Correcções, Liberdade, Purity… 
Sim, e têm quase sempre uma conotação irónica. Pouco do que há neste livro é puro, literal. Mas a noção de pureza está em todas as personagens principais quando são novas. Apenas uma continua jovem quando o livro termina. Cada uma, à sua maneira muito própria, tem um certo tipo de desejo de pureza e o livro segue as suas histórias à medida que esse idealismo encontra as águas difíceis da realidade. 

Aqui o sentido de pureza traz uma frustração, como se estivesse limitado à juventude e condenado a ser frustrado na idade adulta.
Sim, há apenas uma personagem que permanece fiel à sua ideia de pureza ao longo da vida, mas é também a personagem mais estranha do livro e parte da estranheza vem dessa perseguição da inocência.

Estamos a falar da mãe de Pip, a que lhe dá o nome.
Sim. Mas é por perseguir a ideia de pureza que ela muda de identidade e escolhe viver numa pequena cabana sem dinheiro. Atinge qualquer coisa parecida com pureza, mas com um custo tremendo. E nunca cresce realmente.

Esse sentimento de pureza surge no livro colado a uma ideia de obsessão.
Sim, uma obsessão. Quando em adultos olhamos o mundo conseguimos ver como a vida é suja. E muitas vezes quando imaginamos que podemos fazer um mundo melhor é quase sempre retirando parte do que a vida adulta cria. Há muitos exemplos, mas aqui interessa-me falar da tal intenção tecnológica. Lugares como Silicon Valey: o mantra de Silicon Valley é fazer do mundo um lugar melhor e acho que muito desse desejo de tornar tudo muito eficiente, como uma máquina, tem implícita a ideia de um mundo mais limpo. Infelizmente, quando se chega a adulto percebe-se que é quase impossível mantermo-nos limpos. 

Voltamos aqui à provocação, ao modo como confronta conceitos como pureza e transparência, por exemplo a propósito do papel do jornalismo de investigação e de organizações como a WikiLeaks. Quis denunciar o Novo Regime, uma nova forma de totalitarismo, de vigilância?
[Pausa] As pessoas consideram os leakers, ou denunciantes, heróis por defenderem a ideia de que a transparência é uma coisa boa, de que devemos saber tudo sobre toda a gente, de que tudo deve ser livre. São as duas pedras angulares da filosofia desse mundo tecnológico. Julian Assange nem sequer lia o que publicava, simplesmente achava que era boa ideia expor. Talvez deva ser assim, talvez não. Muita gente pode discordar da utilidade das suas denúncias, e qualquer adulto pode perceber que a total transparência não faz um mundo melhor. Não se consegue ter uma relação íntima se se souber absolutamente tudo sobre a outra pessoa, não se fazem negócios sem segredos, não se pode conduzir diplomacia sem secretismo. Tudo o que se consegue fazer no mundo real requer protecção, argumentos contra a transparência total. Isso estende-se a quase toda a sociedade. Por exemplo, a ideia de que não se deve pagar por nada, de que todas as coisas fantásticas que nos chegam pela Internet devem ser livres e grátis: há um quase horror ao dinheiro em tudo isto. Escrever é uma profissão, mas espera-se que os escritores, ou quem escreve nesse universo da Internet, o façam de forma aberta e gratuita – como se esperarmos ser pagos nos fizesse menores, como se os verdadeiros escritores fossem os que o fazem de graça. Isso é louco. A Apple não disponibiliza o seu sistema operativo IOS de graça, porque é que quem escreve tem de o fazer? Mas parece que a expectativa é essa. 

Purity tem um enredo muito mais complexo do que os seus dois romances anteriores, que lhe deram uma dimensão mundial. Foi uma intenção deliberada, não repetir uma fórmula?
Não sei. Os meus primeiros dois romances têm uma trama bastante mais complexa. O primeiro, em particular, era um romance de conspiração e tinha um enredo complicado (The Twenty-Seventh City, 1988). O segundo (Strong Motion, 1992) era também um romance de conspiração e seguia a mesma espécie de trama intrincada. Afastei-me disso em Correcções, mas sempre gostei de fazer enredos complexos, só que na altura era demasiado novo para o fazer bem. O jovem que escreveu aqueles dois primeiros livros tinha a ideia de que o bem e o mal eram facilmente identificáveis, separáveis. Em particular no segundo romance, o conspirador financeiro pertence à categoria das pessoas más e os jovens são apenas boas pessoas. Desta vez queria ter uma conspiração em que que a motivação fosse pessoal e não mecânica, irracional e não racional. Estou mais velho, já não acredito que seja fácil separar o que é bom do que é mau.

Diz que enquanto escritor tenta encontrar o que há de universal no seu mundo pessoal, ou o que há de inconfessavelmente universal no privado. Parece uma frase boa para citar, mas o que quer dizer?
Essa ideia pode sugerir que olho o mundo à procura de assuntos importantes para depois escrever um romance sobre eles, que vou pelos aspectos gerais para depois me deter nos detalhes e que construo personagens baseado nessas ideias. Depois de Correcções mudei isso. Comecei pelas personagens, e as personagens são tudo o que interessa. O mundo é tão complicado que é impossível criar uma história que contemple tudo o que importa. Podemos tentar essa complexidade a partir do pessoal, tocar muitos aspectos dessa complexidade a partir de uma única personagem e do modo como o mundo se reflecte nela, chegar ao mundo a partir da atenção ao indivíduo. E claro que todas as minhas personagens têm algo do meu universo no sentido em que saem dessa atenção que presto a mim mesmo.

Falou há pouco da sua experiência em Berlim nos anos 80, que parece ter inspirado parte deste romance: o fim do comunismo, a Stasi, a reunificação... Há um homem "fora da lei da Internet" que vem dessa Alemanha totalitária com a ambição de mostrar a sua excepção à escala global – Andreas Wolf, um rival de Julian Assange. O que há aqui da sua vivência?   
Comecei a pensar nesse tempo quando estava a escrever o livro sobre Karl Kraus. Já em 1992 ouvira falar em dissidentes de Leste e há muitos anos que tinha vontade de escrever sobre um deles. Sempre quis escrever um romance em que houvesse um alemão e todas as personagens fossem culpadas. Finalmente escrevi. É interessante que em alemão o livro se chame Unschuld, que é inocente, sem culpa. Acontece que todos os protagonistas em Purity têm razões para se sentir culpados.

Andreas Wolf é comparado e compara-se a Hamlet, “considerava-se a rosa e a esperança do estado esplêndido”…
Andreas também tem a ilusão de grandeza, uma espécie de jovem megalomania. A mãe dele ensina Shakespeare na antiga República Democrática Alemã e ele é desde muito cedo exposto a Shakespeare; desde o momento em que suspeita que a mãe foi infiel ao pai, identifica-se naturalmente com Hamlet. Tem o mesmo sentido de destino. Andreas é tão privilegiado que tem um forte sentido de identificação com Hamlet.

E Shakespeare inspira-o a falar de ambição e culpa, o outro sentimento que atravessa todo o romance e parece ser tão relevante quanto o de pureza.
Sim, pelo menos foi também essa a leitura do tradutor e do editor alemães. Eu teria chamado ao romance Reinheit, que é pureza em alemão. Mas é interessante porque quando se pensa em culpado rapidamente surge a Alemanha.  

Teve consciência dessa culpa colectiva quando esteve em Berlim?
Não. Eu estava demasiado zangado, nunca me ocorreu que pudesse também ser culpado [risos]. Acho que poderia sentir-me culpado quando tentava enganar a minha namorada, mas isso era muito pessoal e específico. E também não estava a pensar assim tanto na culpa alemã. Acho que não há um país na História do mundo com um trabalho tão intenso sobre a culpa, mas isso não estava na minha mente em Berlim. Passava os dias no meu quarto a fumar cigarros e a escrever. Quase não tinha amigos, escrevia cartas intermináveis à minha noiva, acho que às tantas estava um pouco louco. Foi uma experiência muito estranha. Tinha acabado de sair da universidade e era incrivelmente ambicioso, queria mudar a literatura americana, resgatá-la, e tinha imensas ilusões de grandeza. Iria ser capaz? Foi um tempo bizarro, muito esquisito, mas fiquei a conhecer alguns alemães e uma mulher americana que estava a estudar os dissidentes e tinha contacto diário com Berlim Leste. Apercebi-me de muitas das coisas sobre as quais escrevo neste romance, como as perseguições, os serviços secretos, a consciência política que sustentava aquele regime. Acho que ninguém conhecia inteiramente a extensão do que a Stasi fazia até 1989, quando o Muro caiu. Sabia-se que era preciso ter muito cuidado quando se contactava o Leste, que a Stasi era activa, que nos iria perseguir, que tentaria pôr o telefone sob escuta, mas não sabíamos a extensão incrível da espionagem da Stasi. 

Como nos seus livros anteriores, mas creio que mais neste, há muito factos, muitos nomes reais a interagirem com a ficção. A Alemanha nos anos 80, a Bolívia de Evo Morales, a América das últimas décadas com protagonistas específicos...  
Sou fundamentalmente um escritor realista, tento criar um sonho que pareça persuasivo. Podemos sonhar ter um almoço com Bill Clinton – e então aí a única coisa que não é sonho é o próprio Bill Clinton. Parece-me que estou a jogar limpo se puser Bill Clinton nesse sonho, ou num romance. Não encontro melhor maneira de descrever um romance a não ser que é um sonho deliberado, e se há uma coisa convincente nos sonhos é o facto de eles parecerem familiares. Há coisas a acontecer que são totalmente irreais, mas surgem num cenário real. Por isso, nada mais natural do que referir-me a lugares reais e a pessoas reais na ficção.

Temos cinco protagonistas, dois homens e duas mulheres. Quatro pertencem à mesma geração e todos falam na primeira pessoa.
Tentei escrever na terceira pessoa, mas era tão áspero, soava tão duro converter o íntimo, o eu, o acesso a uma identidade particular, à vida pessoal, que me apeteceu voltar atrás. Pareceu-me mais natural optar por um narrador na primeira pessoa e surgiu-me a ideia de tudo aquilo ser um documento escrito por alguém. A questão que surge a seguir é saber quem o lerá, e então começam a acontecer coisas interessantes. Ter personagens masculinas e femininas envolvidas não é novidade para mim, sempre fiz isso nos meus livros: a raça humana consiste mais ou menos em 50% de homens e 50% de mulheres e tento que essa percentagem esteja reflectida nos meus romances.

Isso parece demasiado estatístico.
Seria, mas não o posso fazer de qualquer maneira. É difícil criar uma personagem sem ter amado alguém que nos ligue a ela ou nos faça lembrá-la. Na minha vida não existe ninguém com herança hispânica, nunca amei uma mexicana – para mim seria complicado habitar totalmente numa personagem que fosse mexicana simplesmente porque não tenho o conhecimento do que é ser-se mexicano. Por isso é que apesar de haver muitos mexicanos nos EUA eles estão sub-representados na minha ficção, do mesmo modo que todos os latino-americanos. Tenho algum conhecimento e alguns contactos com negros, mas nenhum é meu amigo íntimo, e se nunca me casei ou namorei com uma mulher negra também me é difícil pôr-me no seu lugar. Mas escrever sobre mulheres ou enquanto mulher não é. As mulheres rodearam-me toda a minha vida, cresci entre elas, já amei muitas, como também amei muitos homens.

Mas da mesma forma que lhe é difícil escrever enquanto hispânico não o sendo ou não tendo conhecido intimamente nenhum, não estará a pôr-se no lugar de uma mulher segundo a perspectiva de um homem?
Durante muitos anos, muitas décadas, o difícil para mim foi pensar como um homem. 

Porquê?
A minha mãe não estava bem e eu estava sempre tão preocupado com ela que tentava permanentemente ver as coisas do ponto de vista dela em vez de as ver do meu. O mesmo se passou com o meu casamento, estava tão preocupado em tentar apoiar a minha mulher que quase me esqueci de mim. Isso é muito natural para mim, ver pelos olhos de uma mulher. 

A literatura enquanto tema não lhe ocupa muito espaço aqui, mas há uma crítica feita através da figura de um escritor meio amargo que aspira a escrever uma grande obra, Charles Blenheim. Ele diz: “Tantos Jonathans. Uma praga de Jonathans literários. Quem só lesse a New York Times Book Review iria pensar que é o nome masculino mais comum na América. Sinónimo de talento, de excelência. Ambição, vitalidade.”
Ahaha… sim.

Há aqui uma auto-crítica? Contou que enquanto jovem tinha a intenção de resgatar a literatura americana. Passou algum tempo, como é que se vê agora a si e às suas expectativas?
Bom… As coisas mudaram bastante desde os meus 21 anos. Não falo apenas pessoalmente, mas no que se considerava importante na literatura americana, que era então feita sobretudo por escritores brancos do sexo masculino. Agora temos um grupo de vozes bastante mais diversificado. Isso é  muito bom. Quando penso no que mudou mais nestes 35 anos é o que me ocorre de imediato. Muita gente hoje considera Toni Morrison a grande romancista americana e isso simplesmente não acontecia em 1991. Nessa altura Thomas Pynchon era o grande romancista americano, ou William Gaddis, ou Norman Mailer, ou Joseph Heller, ou John Updike. Esses homens brancos continuam a ser admirados e também parece que a América continua a gostar deste homem branco: eu. Para mim essa condição é hoje menos embaraçosa do que era há 30 anos. Antes eu seria apenas mais um autor branco entre muitos, agora sou um escritor branco num grupo muito diverso. Temos fantásticos escritores índios norte-americanos, temos um crescendo de qualidade de escritores hispânicos, temos vozes negras, desde Toni Morrison a Teju Cole. Estou muito feliz por estar entre este grupo imenso de escritores. Neste momento não tenho de me sentir culpado por ser mais um escritor branco. Mas continuam a existir muitas vantagens para mim pelo facto de ser um homem branco a escrever. Os homens brancos, para o bem e para o mal, continuam a comandar o mundo, pelo menos o mundo ocidental.
A certa altura no livro, Charles Blenheim alude à necessidade de escrever muito. “Noutros tempos havia bastado escrever O Som e a Fúria ou O Sol Nasce Sempre (Fiesta). Mas agora a grandeza era essencial. A espessura, a extensão.” Estamos a falar do que se esperava e do que se espera agora de um escritor. Também procura a grande obra?  
Algures depois da Segunda Guerra Mundial, sobretudo sob a influência de James Joyce, havia a ideia de que era preciso escrever um grande livro, uma grande obra. Essa ideia continua a existir. David Foster Wallace ficou famoso por causa do seu imenso livro A Piada Infinita [1996] e Don DeLillo, que escreveu grandes romances, não apareceu no radar dos grandes escritores até ter publicado o tremendo Submundo [1997]. Continua este arrastar, esta persistência em perseguir a grande obra. Pessoalmente, não procuro isso, não sou uma pessoa extremada.

Está a começar a fazer a promoção de Purity. Nada disto é novidade para si, como é que gere este tempo?
Felizmente não tenho de dar tantas entrevistas como no passado, nos meus primeiros romances. Já não sou capaz e está tudo bem com isso. Muita da promoção faz-se on-line. É um alívio. Normalmente acho as entrevistas tremendamente cansativas.

Pela repetição?
Sim, porque são quase sempre repetitivas, não se aprende nada e o escritor está em grande desvantagem. Como é que se fala de um romance? Um romance é uma experiência. Se eu tivesse escrito uma biografia de Andreas Wolf seria fácil: falaria de todas as coisas que tinha descoberto sobre Andreas Wolf durante uma hora e a entrevista estaria feita. Não seria assim tão doloroso dar a mesma entrevista uma e outra vez, porque saberia o que queria dizer e seria interessante, novo. Mas não há nada de novo para dizer sobre um romance porque o romancista não traz notícias, o romancista fornece uma experiência, portanto é realmente brutal para mim dar entrevistas. 

É capaz de escrever quando anda a falar de outro livro?
Muito pouco. Escrevi uns textos pequenos este Verão, mas é difícil. Estou a ler muitas das coisas que não consegui ler enquanto escrevia o livro, a responder a muitos e-mails de leitores, a ver os livros que me enviaram. Todas as coisas que não consegui fazer nos últimos dois anos.

E o que é que lê?
Estive a ler Thomas Hardy [1840-1928]. Por causa de uma experiência traumática com um dos seus romances na faculdade, nunca mais tinha lido nada e não fazia ideia de como é maravilhoso. Acabei de ler toda a saga Melrose, de Edward St. Aubyn. Comecei a ler uma biografia de Hemingway, muito boa, li um livro de uma crítica de tecnologia, Sherry Turkle...

É um universo de que é muito crítico, de que diz muitas vezes querer manter-se afastado. Houve algum aproximação à tecnologia depois deste romance onde ela é central?
Nem por isso, mas quis ler quem tem alguma relevância na matéria, como Turkle, Evgeny Morosov, pessoas que tentam injectar por um pouco de objectividade ao discurso confuso à volta da tecnologia.

Continua a isolar-se sempre que escreve?
Sim. Gosto de uma sala silenciosa, fresca, escura e sem Internet enquanto escrevo. Com um telefone que quase nunca toca.

E qual é o seu ritmo?
Quando estou a escrever um romance, sete dias por semana. Consigo fazer isso meses seguidos e depois paro, faço uma pausa. Mas só me isolo seis horas por dia, desde que me levanto, cedo, até ao início da tarde. Depois vou para casa, respondo e envio e-mails durante duas horas, leio o jornal, livros, vejo um pouco de televisão, estou com amigos. Não estou assim tão isolado. É como estender as minhas oito horas de sono a seis horas de escritório, ou seja, estou isolado 14 horas por dia. Ainda me sobram dez, não é assim tão mau. 
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Fonte: Site de Portugal O Público online, acesso 06/09/2015

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