quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Muito além da exploração da fé no documentário “O Capital da Fé”

 
"O Capital da Fé teria tudo para repetir esses temas, mas foi além: máquinas Cielo de cartão de crédito passadas entre os fiéis nos cultos, a construção de gigantescos templos, cultos que são verdadeiros shows de stand ups e as gigantescas marchas por Jesus seriam apenas a fachada mais aparente da consolidação de um gigantesco plano de negócio – lavagem de dinheiro e a conquista da hegemonia política parlamentar", comenta Wilson Ferreira, em artigo publicado pelo blog Cinegnose e reproduzido por Portal Fórum, 28-09-2015.

Eis o artigo. 

Pastores retirando sacos de dinheiro dos templos ou maquininhas de cartão de crédito passando pelos fiéis nos cultos tornaram-se imagens habituais nas críticas às novas igrejas neopentecostais. Mas o documentário “O Capital da Fé” (Gabriel Santos e Renan Silbar, 2013) vai muito além disso, ao mostrar que, paradoxalmente, essas críticas alimentam um mito que apenas dá força a um gigantesco negócio que está sendo montado: capital e fé unidos não apenas pela exploração da fé de pessoas simples, mas pela financeirização e liquidez que lava tão branco quanto paraísos fiscais e que constrói lentamente uma forte sustentação política parlamentar que quer chegar ao Poder. As novas igrejas há muito tempo abandonaram o clichê do Tio Patinhas. Hoje estão confortáveis no mundo pós-moderno da liquidez.

Ao som da ópera Carmina Burana, e com cortes ao ritmo da música, assistimos a um verdadeiro vídeo clipe de socos, chutes, sangue e fraturas dos combates do MMA de Jesus – um evento chamado Reborn Strike Fight 5 promovido pela Igreja Renascer. Lutadores clamam em nome de Cristo pela vitória.

Essas são as cenas iniciais de O Capital da Fé, documentário de curta metragem que aborda a nova Igreja Evangélica brasileira, suas contradições, a espetacularização da fé com inusitadas cristianizações de coisas como micaretas e esportes de luta, assim como as ambições políticas de seus dirigentes – assista ao documentário abaixo.

A espetacularização da fé e a exploração financeira praticadas pelas igrejas evangélicas são denúncias sem nenhuma novidade, recorrentes desde nos anos 1990 quando a TV Globo comprou briga com a Igreja Universal com uma série de matérias sobre a exploração dos dízimos dos fiéis. E o bispo Edir Macedo ameaçou em represália colocar no ar o documentário proibido sobre a Rede Globo Muito Além do Cidadão Kane na sua emissora, a TV Record.

O Capital da Fé teria tudo para repetir esses temas, mas foi além: máquinas Cielo de cartão de crédito passadas entre os fiéis nos cultos, a construção de gigantescos templos, cultos que são verdadeiros shows de stand ups e as gigantescas marchas por Jesus seriam apenas a fachada mais aparente da consolidação de um gigantesco plano de negócio – lavagem de dinheiro e a conquista da hegemonia política parlamentar.

O Documentário
Os diretores Gabriel Santos e Renan Silbar pareciam saber que estavam lidando com um tema já diversas vezes revisitado, mas que sempre foi tratado de uma forma moralista que sempre martela na mesma tecla: o povo que é enganado na sua fé e é explorado por pastores mentirosos e oportunistas que pensam somente em enriquecer.

Mas o documentário quer ir além desse lugar comum, e por isso deve conduzir o espectador aos poucos até chegar ao ponto pretendido. Na primeira metade o documentário revisita as denúncias clássicas contra as igrejas neopentecostais: a cristianização generalizada de esportes de luta, micaretas e lambadas como formas de propaganda, a precária formação teológica dos seus pastores (invariavelmente formados em Teologia em cursos ministrados pela própria igreja), a espetacularização da fé, o foco na teologia da prosperidade e o incentivo do consumismo no interior dos cultos como forma de propagar a glória de Deus – o sucesso pessoal do crente.

Formas de cristianismo corporativo cuja fórmula é emprestada de empresas de marketing de rede como Herbalife ou Tupperware que transformam os seus produtos em religião cujos ícones exteriores do sucesso econômico dos seus vendedores (o carro, a casa etc.) passam a ser a propaganda da própria marca.
Dos verdadeiros shows de stand up que os pastores promovem nos cultos ou nos estúdios de TV evangélica às imagens do dízimo sendo recolhido nas igrejas por meio de máquinas de cartão da Cielo (“preferimos cartões de crédito”, ouve-se a certa altura), aos poucos o documentário vai conduzindo o espectador ao tema mais explosivo: o engajamento dessas igrejas não busca apenas supostas salvações, curas e libertações de um rebanho sofrido e carente. Atualmente o engajamento modificou-se – incita-se os fiéis com o lema “irmão vota em irmão” com o evidente propósito de uma ação política.

De onde vem o dinheiro?
Vemos imagens das Marchas com Jesus que se transformaram em eventos de demonstração de força política com a presença de deputados da bancada evangélica que incitam nos fiéis o ódio aos seus críticos, além da presença de autoridades laicas – aparecem imagens do governador de São Paulo Geraldo Alckmin em um desses eventos.

Construções faraônicas como o Templo de Salomão em São Paulo (com pedras trazidas de lugares tidos como sagrados em Israel) a aquisição de canais de TV e a demonstração de força das Marchas com Jesus são reivindicadas como “Vitórias de Cristo”.

Aos poucos, O Capital da Fé vai chegando a uma questão simples e óbvia que o viés mais moralista da questão parece ignorar: mas tudo isso é pago apenas com o dinheiro dos dízimos e contribuições espontâneas de fiéis? Por que essas igrejas querem tanto explicitar esse suposto engajamento financeiro dos crentes?

No documentário vemos duas declarações de Ricardo Gondim, pastor da Igreja Betesda, supeitando que o funcionamento desse tipo de negócio é muito mais complexo: “Morei nos EUA, lidei com igrejas ricas (batistas e presbiterianas), mas lá não existe essa quantidade de dinheiro que corre aqui no Brasil” e “A minha experiência como pastor diz o seguinte: essa dinheirama toda que banca canais de TV, mega-construções e frotas de aviões, essa dinheirama não existe no bolso dos crentes… o povo brasileiro é pobre”.

Assista ao documentário : https://www.youtube.com/watch?v=9QXPo33PXZc 
-----------
FONTE: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/547451-muito-alem-da-exploracao-da-fe-no-documentario-o-capital-da-fe
Imagem da Internet

QUEM É SÉRGIO MORO?


Resultado de imagem para FOTOS DE SERGIO MORO
 
 Não dá entrevista, nem posa para fotos. 
Dispensa privilégios. 
Vai para o trabalho todos os dias 
a bordo de um velho Fiat Idea 2005, prata, 
bastante sujo e repleto de livros jurídicos 
empilhados no banco de trás. 
Antes, chegou a
 ir de bicicleta.
 
Dono de estilo reservado, caráter ilibado, honestidade implacável e hábitos simples, o JUIZ da Vara Federal de Curitiba-PR entrou para a história do nosso país ao levar EXECUTIVOS PODEROSOS ligados ao PT de EMPREITEIRAS FAMOSAS para a CADEIA e se mostrar implacável no combate à CORRUPÇÃO da PETROBRÁS e da POLITICA brasileira.Sempre que alguém o compara com Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Sérgio Moro desconversa. Ou melhor, silencia.

 
O juiz da 13ª federal criminal de Curitiba, que ganhou notoriedade à frente das investigações da Operação Lava-Jato, não gosta desse tipo de comparação nem de especulações sobre o seu futuro. 

Há alguns anos, rejeitou sondagens para se tornar desembargador, o que para muitos é degrau natural para galgar a última instância do Judiciário. Moro afastou-se da oferta por desconfiar de tentativa de cooptação por parte de um figurão da política nacional que temia virar réu num inquérito que chegou à sua mesa. Não fosse isso, ele daria outro jeito de recusar a oferta por acreditar que ainda há muito o que fazer na primeira instância. 


Eleito pela REVISTA  “ISTO É” o "BRASILEIRO do ANO", SÉRGIO MORO não mostra sedução pelo poder da toga. 


De hábitos simples, ele faz parte de uma rara safra de juízes que encararam a magistratura como profissão de fé.
 
Não dá entrevista, nem posa para fotos. Dispensa privilégios. Vai para o trabalho todos os dias a bordo de um velho Fiat Idea 2005, prata, bastante sujo e repleto de livros jurídicos empilhados no banco de trás. Antes, chegou a ir de bicicleta.

"Quando eu chego aos lugares, ninguém imagina que é o Sérgio Moro", conta, sorrindo. 


Apesar de ter se tornado o inimigo número 1 de poderosos, prefere andar sem guarda-costas. 

Quem sempre reclama é a esposa, a advogada Rosângela Wolff de Quadros Moro, procuradora jurídica da Federação Nacional das Apaes, instituição dedicada à inclusão social de pessoas com deficiência. A "Sra. Moro" teme pela segurança do marido, e dela mesma, afinal o magistrado se mostrou implacável com a corrupção ao encurralar integrantes do governo do PT e levar, numa ação inédita, executivos das maiores empreiteiras do País à cadeia.

Antes de ingressar na Magistratura, seguiu os passos do pai. 
Integrou o mesmo Departamento de Geografia da UEM e também deu aula nos colégios Papa João XIII e Dr. Gastão Vidigal. 

Obteve os títulos de 
MESTRE e DOUTOR em DIREITO do Estado pela Universidade Federal do Paraná. Seu orientador foi Marçal Justen Filho, um dos mais conceituados especialistas em licita ções e contratos. 
 
Cursou o Program of Instruction for Lawyers na prestigiada Harvard Law School e participou de programas de estudos sobre lavagem de dinheiro no International Visitors Program, promovido pelo Departamento de Estado americano. 

Sérgio Moro criou varas especializadas em crimes financeiros na Justiça Federal e traz no currículo outras operações de peso. Presidiu o inquérito da operação Farol da Colina, que desmontou uma rede de 60 doleiros, entre eles Alberto Youssef. 

A investigação fora um desdobramento do caso Banestado, que apurou a evasão de US$ 30 bilhões de políticos por meio das chamadas contas CC5.

Ciente de que os mecanismos de lavagem de dinheiro evoluem e se tornam cada vez mais complexos, Moro não para de estudar. 

É um aficionado pela histórica "Operação Mãos Limpas". Quando a compara com a Lava Jato, não tem dúvidas: "É apenas o começo". 


O caso que marcou para sempre a política italiana foi deflagrado por um acordo de delação, mecanismo inaugurado anos antes nos processos contra a máfia. Após dois anos de investigações, a Justiça italiana havia expedido 2.993 mandados de prisão contra empresários e centenas de parlamentares, dentre os quais quatro ex-premiês. 


Num artigo sobre o caso italiano em 2004, Moro exalta os chamados "pretori d'assalto", ou "juízes de ataque", geração de magistrados dos anos 1970 na Itália que ganharam espécie e legitimidade ao usar a lei para "reduzir a injustiça social", tomar "posturas antigovernamentais" e muitas vezes agir "em substituição a um poder político impotente". 


O juiz SÉRGIO MORO se identifica com essa geração e vê no Brasil de hoje um cenário semelhante e propício ao combate à CORRUPÇÃO.
-------------
FONTE:  http://dimitriganzelevitch.blogspot.com.br/2015/09/quem-e-sergio-moro.html?
 

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

ROBERT DE NIRO - Entrevista

'Um Senhor Estagiário' (2015) 
 116'Um Senhor Estagiário' (2015) (Foto: VEJA.com/Reprodução)

'A idade limita a atuação'

Aos 70 anos, um dos grandes de Hollywood vive um aposentado que se aventura como estagiário depois de viúvo, e fala sobre as dificuldades de atuar trazidas pelo envelhecimento

  •  
    Robert De Niro é um dos grandes atores de todos os tempos, ganhador do Oscar de coadjuvante por O Poderoso Chefão 2 (1974), de Francis Ford Coppola, e na categoria principal por Touro Indomável (1980), de Martin Scorsese. É merecedor de muitos outros. O ator de 72 anos também é famoso por não gostar de falar com jornalistas. Nos últimos dias, frequentou o noticiário por ter interrompido uma entrevista com a revista britânica Radio Times. Não foi a experiência da reportagem do site de VEJA na conversa sobre o filme Um Senhor Estagiário, de Nancy Meyers. Ele pode ser monossilábico. Se tiver a chance, responde com um "sim" ou "não". Mas não parece mal humorado, dá risada com frequência e não tem nada de intimidante como seus personagens em Taxi Driver - Motorista de Táxi (1976) e Cabo do Medo (1991), ambos de Martin Scorsese.
    Em seu novo longa, interpreta Ben Whittaker, um viúvo aposentado que resolve entrar em um programa de estagiários septuagenários da empresa de e-commerce de moda de Jules Ostin (Anne Hathaway). De Niro tem sido coadjuvante em um bocado de comédias nos últimos anos, a maior parte de consumo fácil. Um Senhor Estagiário está mais para uma comédia dramática, mas ele sabe que não vai ganhar o Oscar por sua atuação.

    "Não tive muito o que pensar", disse. "Foi um dos melhores papéis que apareceram para mim. Nancy Meyers queria que eu fizesse. Fiquei lisonjeado. Recebi o roteiro, li e gostei. Foi simples assim." Sua maior preocupação é manter-se ocupado. Depois de lançar quatro longas em 2012 e cinco em 2013, neste ano tem outras duas estreias, inclusive Joy: O Nome do Sucesso, de David O. Russell, com quem já fez O Lado Bom da Vida (2012) e Trapaça (2013). Indagado sobre o motivo de continuar tão ativo, responde: "Por que não trabalharia? Iria fazer o quê, se não trabalhasse?". Como seu personagem em Um Senhor Estagiário, ficar em casa lendo jornal não está em seus planos no momento.

    Muitos dos seus contemporâneos, como Gene Hackman e Jack Nicholson, aposentaram-se. A sua lista de próximos projetos é imensa. Ainda se diverte atuando? Eu me divirto, verdade. Mas Gene Hackman e Jack Nicholson são um pouco mais velhos que eu. Seis anos ou mais. Não sei como vou me sentir quando tiver essa idade. Espero ainda estar na ativa. Às vezes, você simplesmente não tem mais vontade de fazer, eu entendo. Mas não cheguei a esse ponto ainda.

    É difícil interpretar um personagem normal? Não é difícil. Mas rodamos por um longo período, então, demanda esforço físico. Eu tenho consciência de que, conforme fico mais velho, preciso pensar se quero fazer de novo um personagem duro, ou se quero me poupar, economizar energia.

    É que você fez papéis que parecem muito difíceis, como em Touro Indomável. Um Senhor Estagiário parece mais simples. É uma performance mais invisível, talvez. Mais invisível é exatamente o que é, porque, se você fizer mais do que tem de ser, vai ficar ruim. O mais importante é ser fiel ao que o material requer e ao que o diretor deseja.

    Tem feito muitas comédias ultimamente. É algo que procura? Apenas aconteceu assim, na verdade.

    Como foi trabalhar com a Anne Hathaway? Ela foi ótima. Nós nos divertimos muito. Tivemos uma ótima relação. Temos uma ótima relação. Ela é muito mais jovem do que eu, está apenas começando. Fiquei muito impressionado porque pode cantar e dançar inacreditavelmente bem. Eu não consigo fazer isso!

     "Sou feliz com a idade que tenho. 
    É a vida, é quem eu sou, é o que é. 
    Se você não aceita isso e aproveita o melhor, 
    não sei como faz."

    Acha que gostaria de trabalhar tendo Jules como sua chefe? Sim, seria bom. Meu personagem quer ser necessário, fazer parte de alguma coisa, não ser apenas um aposentado que anda pelo bairro, senta-se em um café para ler o jornal.

    Você recebe muitos roteiros. Por que este? Recebo alguns. Mas o bom neste caso é que se tratava de um protagonista, não o único, porque é divido com a Anne Hathaway. Eu leio outras coisas, mas nem tudo é bom como este.

    Acha um tema importante a discriminação contra idosos? Sim. Envelhecer faz parte da vida. É preciso aceitar isso. Se bem que já participei de filmes em que eles fazem um rejuvenescimento digital, então, pode ser que tenha mais uns 30 anos de carreira (risos).

    Se chegassem para você e dissessem que podem torná-lo 30 anos mais jovem, aceitaria? Claro!
    Isso significa que não gosta de ter mais de 70? Não, sou feliz com a idade que tenho. É a vida, é quem eu sou, é o que é. Se você não aceita isso e aproveita o melhor, não sei como faz.

    Como responde à pergunta que fazem a seu personagem na entrevista: "Onde se vê em dez anos"? Eu respondo: Quando tiver 80 anos? (a mesma resposta de seu personagem). É uma boa pergunta. Não sei! (risos) A cena é boa.

    Você é um ícone para os atores mais jovens. Como lida com isso? Gosto de estar com gente mais jovem. Se eles me admiram, legal, como posso ajudar? Que tipo de conselho precisa?

    Seu personagem é um cavalheiro à moda antiga. O que é ser um cavalheiro? É ser atencioso, gentil. Tratar os outros como gostaria de ser tratado.

    Você é conhecido por não gostar de fazer entrevistas. Como é esse processo? É bacana falar com todo mundo aqui. É OK. Faço de vez em quando, tento ajudar o filme. Tudo bem.

    Não parece que você tem muito tempo livre para ficar entediado como Ben. Não. Tento me manter ocupado.

    Costuma comprar coisas online? Qual foi sua última compra na internet? Alguém do meu escritório comprou um livro para mim. Estou lendo sobre o Bernard Madoff porque vou interpretá-lo em um filme da HBO que vai começar agora. Queria ler um livro escrito por uma de suas noras. Era em papel. Mas eu leio no Kindle, sim.

    Você está no Facebook? Não! (risos) Todo mundo usa, sempre acho que preciso saber como funciona. Mas, mesmo a Anne Hathaway tendo me explicado tudo no filme, eu não entendo! (risos) Deve ser simples! Eu nunca tentei.

    Se tivesse a oportunidade de ser estagiário de uma companhia, qual seria? Alguma coisa a ver com o futuro, com viagens espaciais. Ou na empresa de um cara como Elon Musk (co-fundador da PayPal, de pagamentos online, e da Tesla Motors, que faz carros elétricos e pesquisa energia), seria legal. Quem sabe, talvez ele esteja neste exato momento pensando que queria ser ator! (risos)
    ------------------
    Reportagem por  Por: Mariane Morisawa, de Nova York

    LUC FERRY - entrevista

     
    Para o filósofo Luc Ferry, se ficamos tão chocados com casos como o da menina Isabella, é porque amar a família é uma novidade radical na nossa história

    Rita Loiola
     
    O filósofo Luc Ferry é o oposto do que geralmente se associa a um intelectual francês. Seus livros são fáceis de ler – estão sempre na lista dos 10 mais vendidos na França. Os títulos lembram a auto-ajuda (Aprender a Viver, O Que É uma Vida Bem-Sucedida ou Famílias, Amo Vocês), mas tratam apenas de questões-chave da história da filosofia. “Minha questão é saber como o ser humano pode viver melhor, e isso só a filosofia é capaz de responder”, diz. Além de escrever best sellers, Luc Ferry milita na direita francesa, ao contrário de muitos dos seus colegas intelectuais. Membro do atual governo do presidente Nicolas Sarkozy, ele era ministro da Educação em 2004, quando a França criou polêmica ao proibir que as crianças usassem símbolos religiosos na escola – lei que afetou sobretudo jovens muçulmanas que usavam véu. Ele também não é um intelectual pessimista, mas um entusiasta da maneira de viver e pensar do Ocidente. Se o Brasil e o mundo ficam escandalizados com a morte da menina Isabella ou o caso do austríaco que praticou incesto com a filha durante 28 anos, Ferry diz que nunca amamos tanto nossa família. Numa tarde quente de primavera em Paris, o filósofo explicou por que o amor à família é a novidade na história que define o mundo de hoje.
     
    No livro Famílias, Amo Vocês, lançado este mês no Brasil, você diz que os pais nunca amaram tanto os filhos. No entanto, estamos todos chocados com o caso de uma menina que foi jogada pela janela do 6º andar. E, na Áustria, veio à tona um caso de incesto que durou 28 anos. Esses episódios não o contradizem?
    Não. Já ouvi falar dezenas de vezes desse caso da garota Isabella, e estamos todos chocados, tanto quanto com o caso de incesto da Áustria. O importante é que, hoje, esses episódios deixam a maior parte da população escandalizada. Analisando historicamente, percebemos que nem sempre as pessoas ficaram chocadas com histórias como essas. Até o século 18, antes do nascimento da família moderna, cerca de 30% das crianças eram abandonadas. No norte da França, as mortes chegavam a 90% no primeiro ano de vida. Na Idade Média, a morte de uma criança era menos importante que a perda de um cavalo. Existiam diferenças em relação ao primogênito, mas, em geral, as crianças simplesmente eram abandonadas para morrer. A situação mudou completamente. E, no futuro, a família deve se tornar ainda mais importante.
     
    Por quê?
    Porque o ser humano é uma das últimas coisas sagradas hoje em dia. Na história, o sagrado (aquilo pelo qual somos capazes de arriscar nossa vida) mudou muito. Os europeus já morreram por 3 grandes motivos: Deus, a pátria e a revolução. Nos últimos séculos, houve mortes maciças em guerras de religião, nacionalistas e guerras revolucionárias. Esses motivos desapareceram. Os jovens ocidentais de hoje não são capazes de morrer nem pela pátria, nem por Deus, nem pela revolução. Acabou.
     
    Mas ainda existe quem morreria por um ideal, como os homens-bomba ou os terroristas bascos. Não?
    Existem os extremismos políticos, mas acredito que, entre os ocidentais, nem mesmo os 5% de extrema direita ou esquerda morreriam por um ideal. No entanto, os únicos seres pelos quais seríamos capazes de arriscar nossa vida são os outros seres humanos – nossos filhos, nossos amigos ou mesmo pessoas que passam por situações graves de miséria, como os famintos da África e os movimentos humanitários que tentam salvá-los. O sagrado não desapareceu, ele só mudou de lugar e se encarnou na humanidade. Passamos da transcendência vertical – Deus, pátria, as grandes utopias – para a transcendência horizontal – os homens. Na minha opinião, trata-se de uma grande mudança. É uma maravilha não morrer por motivos estúpidos, e sim para salvar outros seres humanos. Muita gente acha que o fim das utopias é uma tragédia. Para mim, é uma coisa formidável.
     
    Como o fim dos ideais influencia a política hoje?
    No Ocidente, faz com que a política, em vez de ser um fim em si mesma, seja um auxílio para a vida privada. Hoje em dia, as pessoas pedem que nós, políticos, sejamos um instrumento do desenvolvimento da família. Não trabalhamos a serviço da glória do país ou da revolução, mas a serviço dos cidadãos. É uma mudança de foco imensa. Com ela, surgem problemas novos, como a preocupação com as gerações futuras. Vem daí o interesse pela ecologia e também pela dívida pública – questões para resolvermos a longo prazo. Temos que dar conta desses problemas não para contribuir para a grandeza do país, mas porque não queremos deixar um mundo pior para nossos filhos.
     
    Essa preocupação com a família é um dos aspectos do que você chama de “novo humanismo” do mundo moderno ou “sabedoria do amor”?
    Exatamente. O mundo de hoje é marcado por relações amorosas que têm uma origem muito recente. Antes do capitalismo, as pessoas se casavam à força e nunca por amor. O casamento tinha duas funções: manter a linhagem familiar e tocar a vida rural – fazer a roça, construir cercas para os animais, preparar a comida e até fazer as próprias roupas. Com o capitalismo, surge o povo assalariado e o mercado de trabalho. As mulheres saem da roça para trabalhar nas cidades, vão ser operárias, domésticas em casas burguesas e se descobrem como indivíduos. Largam a bolha em que viviam e descobrem duas liberdades: o anonimato – ninguém mais as vigia – e o salário, um pouco de dinheiro que significa a autonomia material. Coloque-se no lugar dessa moça que escapa do olhar da família e do padre da vila: é uma liberdade formidável! Essa mulher passa a se recusar a ser casada à força. Ela vai querer “se” casar – e com alguém de quem ela goste. Surge assim o casamento por amor, e desse casamento vem o amor pelos filhos e depois a sacralização das pessoas. Foi assim que o amor familiar virou um grande traço que nos define hoje em dia.
     
    Então é o amor que dá sentido à vida hoje?
    Sim. O amor é uma das poucas coisas absolutas, indiscutíveis hoje em dia. E a única coisa capaz de dar sentido à vida é o absoluto. Antigamente, o valor absoluto era uma coisa transcendente, ou seja, superior a nós, como Deus e a eternidade. O valor absoluto caía do céu. Mas agora ele está em nós, o que eu chamo de uma “transcendência na imanência”. É mais ou menos como quando alguém se apaixona: ele descobre a transcendência do outro, mas consciente de que o sentimento foi criado dentro de si. A verdade não é mais descoberta hoje sob argumentos autoritários, superiores, mas na sua parte mais íntima – o coração.
     
    Alguns psicólogos dizem que estamos obcecados pela felicidade e pela realização pessoal. Essa busca por felicidade do mundo moderno pode nos levar a mais decontentamento?
    Bem, você gostaria de voltar aos séculos passados onde essa felicidade não existia? Se não gostaria, é preciso aceitar que a vida moderna, democrática e livre tem um custo, que é fazer e até mesmo inventar a vida sozinho, arranjar um sentido para a própria vida. Certamente não devemos pensar que a vida deve ser sempre feliz e despreocupada. Pessoas que tentam viver como se a vida pudesse ter nenhum sofrimento lembram um animal – digamos, um coelho – que vive sem imaginar que há um caçador por perto para estragar a festa. Kant, o filósofo alemão, diz que se a Providência quisesse que fôssemos felizes não teria nos dado a inteligência. Nunca conseguiremos ter uma vida totalmente despreocupada. O ser humano tem problemas, tem medos que o fazem diferente de um coelho que brinca inocentemente.
     
    Os títulos de seus últimos livros parecem tirados de manuais de auto-ajuda, mas falam somente sobre questões filosóficas cruciais. A filosofia pode nos ajudar a viver melhor?
    Sim. Quando a filosofia surgiu, na Grécia, era uma “aprendizagem sobre a vida”, e não um discurso chato, como hoje. Naquela época, as escolas de filosofia passavam como lição de casa exercícios para os alunos viverem melhor e mais livres. Por isso, um dos meus livros têm o título Aprender a Viver, que é uma frase de Sêneca, o filósofo estóico grego. Só depois da vitória do cristianismo sobre a cultura grega que a filosofia vira questão religiosa e acadêmica. Quando a religião cristã se sobrepõe à filosofia, principalmente a partir da Idade Média, e toma para si a questão da “aprendizagem da vida” ou do “saber viver”, a filosofia fica esvaziada de seu objetivo principal e se transforma em um estudo abstrato e puramente teórico. Apesar de a vida na Grécia e no século 21 serem bem diferentes, os problemas do ser humano são parecidos. Como os gregos, nós hoje achamos que uma vida mortal bem-sucedida é melhor que ter uma imortalidade fracassada, uma vida infinita e sem sentido. Buscamos uma vida boa para quem aceita lucidamente a morte sem a ajuda de uma força superior.
     
    Mas atualmente ajudar a viver melhor não é papel da psicologia?
    O projeto da filosofia e da psicologia é igual – salvar o ser humano dos seus medos. Mas os caminhos são bem diferentes. Acho que a psicologia nos diz “como” e a filosofia responde “por que”. A psicologia acalma e a filosofia mostra o sentido.

    A escola e a religião

    Na breve passagem de Luc Ferry pela política,como ministro da Educação, entre 2002 e 2004, seu ato mais polêmico foi proibir que os alunos usassem símbolos religiosos nas escolas. A lei valia para todas as religiões, mas provocou a ira de muçulmanos residentes na França que obrigam as filhas a usar lenços na cabeça. Os críticos afirmaram que a “lei do véu” era um atentado à livre expressão religiosa. Já quem apoiou a proibição a considerou uma proteção aos direitos humanos do Ocidente. Para Luc Ferry, o fato por trás da polêmica do véu é a ausência de deveres na sociedade. “O homem de hoje está convencido de que tem muitos direitos, mas é inconsciente de seus deveres. Isso fica bem visível no sistema educacional. Se a escola é laica, não há por que utilizar símbolos religiosos ostensivos”, diz ele. Mas o Estado laico não permite liberdade religiosa? Ferry prefere fugir dessa pergunta e explicar o conflito de etnias da França. “Temos em nosso território a comunidade muçulmana mais importante da Europa e o 3º maior grupo judeu do mundo (depois de Israel e dos EUA). Depois da 2ª Intifada, em 2001, as crianças das duas comunidades começaram a brigar. Houve, entre 2001 e 2004, um aumento de 200% de ações anti-semitas na França. O governo decidiu, então, proibir não os símbolos religiosos discretos, mas os agressivos, militantes”, diz ele.

    Luc Ferry

    • Tem 57 anos e 3 filhos.
    • Preside o Conselho de Análises da Sociedade, órgão ligado à Presidência da França.
    • Gosta de jogar tênis e viajar. No ano passado, visitou o Brasil e ficou fascinado pela cidade de Salvador (BA).
    • Seu escritório se destaca pela bagunça: a mesa do computador e a da sala de reuniões são repletas de livros e folhas espalhadas.
    Fonte: http://dimitriganzelevitch.blogspot.com.br/2015/09/entrevista-com-luc-ferry.html 
    Imagem da Internet

    domingo, 27 de setembro de 2015

    O PEREGRINO

    Mauro Santayana*
     


    O Papa Francisco teve uma semana movimentada. Passou por Cuba, onde rezou em Havana, na Praça da Revolução, para dezenas de milhares de fiéis católicos, e visitou Holguin e Santiago, depois de se encontrar com Fidel Castro, a quem tratou com atenção e simpatia.

    De lá, voou para os Estados Unidos, onde foi recebido por Barrack Obama, rezou em frente à Casa Branca, para uma multidão de fiéis, e discursou, durante uma hora, sendo várias vezes interrompido por aplausos, no Congresso norte-americano.

    Falou também em Nova York, na tribuna das Nações Unidas, denunciando a "asfixia" imposta pelo sistema financeiro internacional, e no Marco Zero das Torres Gêmeas, reverenciando as vítimas do 11 de setembro, lembrando,  no entanto, ao lado de sacerdotes judeus e muçulmanos, que "a vida está sempre destinada a triunfar sobre os profetas da destruição", que devemos ser “forças da reconciliação, da paz e da justiça", e que é preciso se "livrar dos sentimentos de ódio, vingança e rancor" para alcançar "a paz, neste mundo vasto que Deus nos deu como casa de todos e para todos".  
    Não foi apenas pela proximidade geográfica que o Papa fez questão de ir a Cuba e aos EUA, em um único périplo.

    Ao escolher visitar, praticamente ao mesmo tempo, o país mais bem armado do mundo, e a pequena ilha do Caribe, que sobrevive, há décadas, em frente à costa dos Estados Unidos, com um projeto alternativo, que não segue a cartilha do "American Way of Life", o Papa quis mostrar que não existem países mais importantes que os outros, e que todas as nações têm direito a buscar seu próprio caminho para o desenvolvimento, que pode estar simbolizado tanto por grandes foguetes e naves espaciais, como pela eliminação do analfabetismo, uma medicina de qualidade, o aumento da expectativa de vida de seus habitantes, ou um dos mais baixos índices de mortalidade infantil do mundo.     

    É esse desejo, de paz na diversidade, tão presente na viagem do Papa, que fez com que Francisco tenha participado ativamente do processo de reaproximação diplomática entre os Estados Unidos e Cuba, concretizado com a recente reabertura da embaixada dos EUA, com a presença do Vice-presidente norte-americano, Joe Biden, em Havana.

    O seu protagonismo foi reconhecido em discurso, nos jardins da Casa Branca, pelo próprio presidente dos Estados Unidos, que agradeceu a contribuição do Papa nesses acordos, que representam  um dos momentos mais marcantes da história recente.

    O Papa Francisco também está por trás - por seu reiterado e decidido apoio - de outro episódio inédito, de grande importância para o continente, ocorrido em Havana, apenas um dia após a sua partida: o aperto de mão, na presença do Presidente cubano Raul Castro como mediador,  entre o Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, e o líder guerrilheiro e comandante das FARC - Forças Armadas Revolucionárias, Rodrigo Londoño, também conhecido como Timoshenko,  que sela a contagem regressiva para a conquista de uma paz definitiva, depois de mais de 50 anos de guerra civil, em um dos principais países latino-americanos.

    É claro que os dois fatos - a reaproximação entre Cuba e os EUA e entre o governo colombiano e as FARC - não podem agradar aos babosos, ignorantes e hipócritas anticomunistas de sempre, que, movidos por outros interesses, como a permanente gigolagem de fantasmas da Guerra Fria, prefeririam ver os Estados Unidos tentando outra frustrada invasão da ilha, quem sabe armando grupelhos radicais de vetustos, obtusos e anacrônicos anticastristas de Miami, ou aumentando sua presença militar na Colômbia, transformando  aquela nação em uma espécie de Vietnam sul-americano.     

    Daí, por isso, o ódio dos conservadores, fundamentalistas e tradicionalistas católicos contra Francisco, um latino-americano tão independente com relação aos EUA, que nunca tinha pisado o território norte-americano antes desta semana, e que, mesmo assim, teve a honra de ser primeiro pontífice a ser recebido e a falar diretamente, como líder estrangeiro de uma religião que não é a mais importante nos EUA, para dezenas de deputados e senadores, dentro  do edifício do Capitólio.   

    Em um mundo em que países que alegam defender a democracia bombardeiam e destroem outras nações, metendo-se em seus assuntos internos, armando mercenários e terroristas para derrubar governos que consideram hostis, sem levar em conta o terrível balanço de suas ações, em mortes, torturas, estupros e na "produção" de milhões de refugiados; em que esses mesmos refugiados morrem sem ter para onde ir, em desertos, montanhas, fronteiras ou mares como o Mediterrâneo, e são recebidos, muitas vezes, a patadas por onde chegam, ou  mantidos em cercados disputando no braço um naco de pão para seus filhos, que a polícia lhes atira, com luvas de borracha, como se fossem cães; em que o egoísmo, o fascismo, a arrogância, o ódio, a hipocrisia, a mentira, renascem com renovada força, e muitos não tem mais vergonha de pregar o individualismo, o consumismo, uma pseudo "meritocracia" como doutrina a justificar a exclusão, na busca enriquecimento individual e material a qualquer preço - como se o destino de cada um dependesse apenas de si mesmo, e em nada do meio que o cerca ou das forças terrenas que o governam, explorando-o ou enganando-o, de forma permanente, e a humanidade não fosse uma construção coletiva, fruto de centenas de gerações que nos antecederam - Francisco, que une no lugar de dividir, que ri, em vez de  fazer cara feia, que prega a paz e a solidariedade no lugar do ódio, da vingança e da cobiça, é um farol a iluminar o que resta de sensatez na espécie humana - uma bússola para indicar o caminho nestes tempos sombrios, em que as forças do ódio e do atraso insistem em tentar impedir que amanheça, neste novo Século, um novo dia.

    Que seu pontificado dure muitos e muitos anos, já que o mundo e a História poucas vezes precisaram tanto, diante de tanto preconceito e ignorância, de um Papa como ele à frente da Igreja Apostólica Romana.

    O diabo, se existir, deve estar espumando pela boca, e esbravejando impropérios  que só ele conhece, pelos nove círculos do Inferno.

    De nada adiantou que, eventualmente, tenha tentado cardeais ou soprado segredos e sortilégios no ouvido daqueles que votaram no último Conclave.

    Francisco está onde está - no lugar em que o Mal não queria ver, nunca, um homem como ele:

    À frente do Vaticano, no trono de São Pedro, com a Estola, o Anel do Pescador e o Báculo que o sustenta quando se move, com a certeza de que Deus caminha a seu lado, Peregrino da Paz, contra a insanidade do mundo.
    ----------------- 
    * Jornalista
    Fonte: http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2015/09/25/o-peregrino/

    Singer: ‘Política de Dilma está ameaçando legado lulista’



    Porta-voz no governo Lula, ele considera um erro escolha de Levy para ministério


    SÃO PAULO - Ex-porta-voz de Lula e autor da tese de que o lulismo foi sustentado eleitoralmente pelos mais pobres, o cientista político da USP André Singer, de 57 anos, afirma que essa “base fundamental despencou” na esteira da crise econômica. Segundo Singer, o PT enfrenta uma contradição essencial ao apoiar um governo que não o consulta e cujas políticas atentam contra os trabalhadores. O cientista político defendeu que Dilma se sente com Fernando Henrique Cardoso e Lula para costurar um acordo nacional. Em sua casa na capital paulista, Singer afirmou que o PT está no pior momento em 35 anos de existência. A camiseta puída e manchada do partido que a empregada doméstica de Singer vestia na última sexta-feira, durante a entrevista, parecia metáfora do cenário difícil descrito pelo pensador para a legenda. Ele acaba de publicar o artigo “Cutucando onças com varas curtas”, na revista “Novos Estudos”.

    Por que o artigo chama “Cutucando onças com varas curtas”?A ideia do artigo é mostrar a corajosa ofensiva desenvolvimentista de Dilma no primeiro mandato. Ela optou por uma estratégia diferente daquela que o ex-presidente Lula tinha mantido até então e explicitou um confronto com o setor financeiro. A minha tentativa no artigo é de resgatar essa história para mostrar que ao final do percurso, ao chamar o ministro Joaquim Levy para a pasta da Fazenda, ela entregou todos os pontos para aqueles que ela procurou confrontar no primeiro mandato. Nesse sentido, ela foi vencida e acabou tendo que desmentir tudo o que havia dito até então, uma posição humilhante.

    Dilma ganhou a eleição prometendo manter direitos trabalhistas e aumentar programas sociais mas agora promove ajuste fiscal. Ela mentiu na campanha?
    Não sei se mentiu, mas adotou uma conduta de campanha errada. Eu suponho que Dilma tivesse uma visão geral sobre a situação do país e as condutas que ela teria que tomar no segundo mandato. Embora isso evidentemente fosse cobrar um preço eleitoral, teria sido melhor que ela tivesse explicitado a situação na campanha. Dizer que vai fazer uma coisa e fazer o contrário, que é o que está acontecendo agora, cobra um preço muito alto, porque uma parte dos eleitores não perdoa esse tipo de virada. Isso já aconteceu na gestão do ex- presidente Sarney e na reeleição do ex-presidente Fernando Henrique. Dilma não deveria ter feito isso. Ela e o PT estão pagando um preço.

    O PT está escanteado?
    O PT não tem sido ouvido pelo governo, não foi ouvido quando foi decidida essa política e continua não sendo ouvido. Considero um erro sério.

    Como explicar que Levy, que o PT critica, dite a política econômica?
    Acho que a presidente fez um movimento para recuperar a confiança da burguesia brasileira e do capital internacional. Foi um erro, mas talvez seja impossível gerenciar a economia de um país sem pontes com ao menos parte do empresariado. Mas, como resultado, estamos na maior recessão dos últimos 20 anos, o custo social é imenso.

    Como vê o futuro do PT?
    O PT não vai acabar, é uma estrutura muito sólida, enraizada na sociedade brasileira e vai continuar a ser um partido importante. No entanto, está no momento mais difícil em 35 anos de história pela combinação de dois fatores. Primeiro por estar sendo obrigado a apoiar um programa de governo contra os trabalhadores. Como o próprio nome diz, o partido foi fundado para representar os trabalhadores, não para prejudicá-los. Em segundo lugar, a Operação Lava-Jato está revelando cifras de desvios assombrosas. Não obstante os reparos que possam ser feitos à Operação, uma vez que determinadas denúncias vem à tona, o partido precisa responder a essas denúncias de maneira convincente. É preciso oferecer uma narrativa do que aconteceu ao eleitorado. E, se for o caso, afastar ao menos temporariamente aqueles que estão sendo denunciados, até que tudo se esclareça.

    Como isso afeta o partido?
    O lulismo está ameaçado de perder a sua base eleitoral fundamental, o subproletariado. As pesquisas mostram que a faixa de renda até dois salários mínimos familiares aprovava o governo Dilma em 50% em dezembro de 2014. Essa taxa caiu para 10% em agosto de 2015. Quarenta pontos percentuais é uma enormidade. Literalmente despencou a base fundamental do lulismo. O ex-presidente Lula tem ainda um capital político importante, mas é possível que isso também seja perdido se essa situação não for interrompida. Já a base tradicional do partido, a classe trabalhadora organizada, continua firme com o partido. Mas pode perder se o partido não requalificar a sua relação com o governo. Sobre eleições, a situação muda dia a dia, mas o que se pode prever hoje são eleições municipais muito difíceis, com eventual diminuição do tamanho do partido.

    O senhor acha que Dilma está dilapidando o legado lulista?
    Não acho que ela esteja dilapidando, mas a política que foi adotada (por Dilma) está ameaçando o que foi construído no período Lula. Nesses primeiros nove meses de 2015 houve um retrocesso, mas esse retrocesso ainda pode vir a ser muito maior. É urgente interromper esse processo.

    O senhor vê elementos para um processo de impeachment?
    Não, porque não há crime praticado pela presidente. O impeachment é um elemento constitucional e a discussão é válida. Neste momento é imprevisível saber o que vai acontecer. É claro que há um movimento que busca o impeachment. Eu lamento muito, mas sou obrigado a reconhecer que já há setores do PSDB e PMDB organizados em torno da ideia, essas forças estão adotando postura golpista. É um golpe branco, porque os militares já foram retirados da cena política há tempos.

    Como Dilma pode reagir?
    Ela apresentou uma série de medidas econômicas coerentes, embora eu não seja simpático a elas. E está tentando viabilizá-las. Ela deveria tomar uma iniciativa maior, de propor um acordo nacional mais amplo, inclusive com a oposição. O Brasil é um país hiper presidencialista, Dilma deveria sentar para conversar com Fernando Henrique, Lula e Michel Temer para encontrar pontos mínimos de acordo que possam estabelecer um horizonte de médio prazo.

    Como vê a atuação de Temer?
    Não acredito que ele esteja nesse movimento golpista, mas acho que ele não poderia ter feito as declarações que fez e nem ter se retirado da articulação política.
    ----------------
    Reportagem por Mariana Sanches
    Fonte: http://oglobo.globo.com/brasil/singer-politica-de-dilma-esta-ameacando-legado-lulista-17619750 27/09/2015

    A floresta encantada e o imaginário

    Juremir Machado da Silva*

     

    Um aluno me perguntou na entrada da PUCRS: “Professor, o que é mesmo o imaginário?”

    Não hesitei: “A floresta encantada”.

    Ele fez um ar surpreso.

    Queria uma explicação.

    Não tive tempo de dar. O carro que ele esperava chegou. Não o conhecia. Dou a explicação para todos. Danielzinho, filho da minha sobrinha Cibele, neto da minha irmã mais velha, a Iara, vive em Rondonópolis, onde nasceu. Quando ele vai passear em Santana do Livramento, fica fascinado com um terreno vazio cheio de árvores, mato e taquareiras.

    - É a floresta encantada – define.

    Todo dia, ele quer ir à floresta encantada. Não se anima a entrar. Fica na beira certamente imaginando os incríveis seres que a habitam. Danielzinho gosta de histórias. Tem muita energia e quer ver gente. Quando vê todo mundo parado, solta o seu grito de guerra.

    - Bora pro Dico.

    Dico é o meu tio Odir, que já deve andar encostando nos 70 anos de idade. Dico mora ao lado da “floresta encantada”. Quando eu era criança, Dico era uma referência para mim. Na Florentina, ele sempre tinha um cavalo, que alimentava com milho, cobria com uma capa, guardava numa estrebaria e cuidava para uma carreira que nunca chegava. Dico ia à cidade. Quando estava voltando, vendo ao longe a sua figura, meus avós sempre exclamavam:

    - Lá vem o Dico. Vem da cidade.

    Dico fazia parte de uma “floresta encantada”. Que novidades ele traria da cidade? O que teria visto? O que contaria? Eu passava dias olhando por cima do mato, com o cerro de Palomas ao fundo, esperando enxergar o Dico vindo da cidade cheio de mistérios e histórias. Danielzinho gosta do Dico e deslumbra-se com a “floresta encantada”. Os adultos contam essa história, como me contaram ainda outro dia, encantados com o encanto do Danielzinho.

    - Não tem nada lá na floresta encantada – dizem.

    Riem. Depois, ficam, por um longo segundo, sérios. Ou eu é que acho isso.

    - É só o terreno da Lurdes – falam.

    Já não sei quem é a Lurdes. Depois de ouvir essa história, fiquei, do pátio da casa da Iara, olhando para o verde da “floresta encantada”. Senti uma inveja boa do Danielzinho. Cheguei a ver um ser estranho em meio ao verde da “floresta encantada”. Depois, sorri. Compreendi que ali estava a tão procurada definição de imaginário. Uma aura. O imaginário é essa floresta encantada que só a infância percebe. O imaginário é infância que permanece no adulto. O homem que não sabe jogar cai em depressão. O jogo de muitos é o trabalho. Edgar Morin diz que o homem é faber (trabalho), ludens (jogo) e demens (loucura). Eu me permito dizer que o homem é um ser imaginário. Depois que a infância passa, cada um precisa saber inventar uma nova floresta encantada onde possa brincar de ser novamente criança.

    - Bora pro Dico.
    ------------------
    * Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Tradutor. Jornalista.
    Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=7641
    Imagem da Internet

    “O gasto militar é a melhor forma de perpetuar a pobreza”

    Oscar Arias cresceu em um país sem soldados. Em 1948, quando tinha oito anos, a Costa Rica dissolveu suas forças militares e a simbologia do pacifismo se incorporou à identidade nacional: em vez de gastar em armas, investe em saúde e educação.

    Como presidente (1986-1990 e 2006-2010), Arias se transformou no maior porta-voz dessa credencial histórica. Herdeiro de uma família tradicional na política costa-riquenha, elaborou um plano que comprometeu, em agosto de 1987, Costa Rica, El Salvador, Nicarágua, Guatemala e Honduras com a democracia e o respeito aos direitos humanos. Esvaziou, assim, o discurso das grandes potências, que faziam da região um dos últimos focos de tensão da guerra fria. PELA MEDIAÇÃO NOS CONFLITOS ARMADOS NA AMÉRICA CENTRAL, RECEBEU O NOBEL DA PAZ, em 1987.

    Desde então, passou a se dedicar à defesa da redução dos gastos militares no mundo e redigiu, nos anos 1990, o primeiro rascunho do tratado sobre o comércio de armas da Organização das Nações Unidas (ONU), que entrou em vigor no fim do ano passado. Em 2006, o líder social-democrata marcou seu segundo governo por reformas desestatizantes e por um tratado de livre comércio com os EUA.

    Em entrevista a ZH, Arias criticou o aumento dos gastos do Brasil com armamentos e o silêncio do governo brasileiro diante da deterioração política da Venezuela.

    Como a Costa Rica construiu as bases para o acordo de paz em 1987?
    Quando meu partido me escolheu como candidato para a presidência nas eleições de fevereiro de 1986, o principal tema da minha campanha foi buscar uma saída diplomática ao conflito armado que vivia a região centro-americana. Existia uma iniciativa de paz latino-americana, de Contadora, uma ilha no Panamá onde vários governos elaboraram essa iniciativa. Impulsionaram-na até que fracassou porque não conseguiram chegar a um acordo. Depois de visitar o presidente Ronald Reagan (governou os EUA entre 1980 e 1989), em dezembro de 1986, me dei conta de que a obsessão dele era tirar a tiros o governo sandinista de Manágua (Nicarágua). Havia sido criada uma força militar de oposição aos sandinistas (chamada os Contras). Em algum momento, Reagan disse que era um “contra” também. Ele estava obcecado por uma vitória militar na Nicarágua. Quando me dei conta, disse: “Tenho de introduzir um plano de paz”, porque minha preocupação era de que a Costa Rica também se visse envolvida. Costa Rica é um país indefeso e os Contras estavam utilizando parte do território costa-riquenho.

    Como conseguiu costurá-lo?
    Quando cheguei ao governo, terminei com a facilitação do território costa-riquenho pelos Contras e expulsei os líderes do grupo. No entanto, não havia nada sobre a mesa para negociar uma saída diplomática. Preparei, em janeiro de 1987, um plano de paz. Me dediquei a pedir apoio internacional, na América Latina, na Europa, em todos os países. E todo mundo estava a favor do plano de paz, exceto Mikhail Gorbachev (último líder da então União Soviética, entre 1985 e 1991), Reagan e Fidel Castro (líder cubano). A imprensa de quase todo o mundo também estava a favor, exceto o Wall Street Journal e outros jornais dos EUA.

    O que o senhor fez para contornar isso?
    Viajei por diferentes países para apresentar o plano. Governos como o de Brian Mulroney (primeiro-ministro do Canadá de 1984 a 1993), conservador, amigo de Reagan, me apoiaram. Margaret Thatcher (primeira-ministra britânica entre 1979 e 1990), conservadora, amiga de Reagan, me apoiou. Fomos isolando Washington e Moscou, que ficaram sós buscando uma saída militar ao conflito.

    Havia muita pressão?
    A pressão que Washington exerceu sobre meus colegas centro-americanos foi grande, sobretudo sobre o presidente Napoleón Duarte, em El Salvador, e o presidente Azcona (José Azcona del Hoyo), de Honduras. Chegamos à Cidade da Guatemala, local da reunião, e eu disse: “Temos em nossas mãos o futuro de 40 milhões de centro-americanos, os quais não podemos decepcionar”. Sem acordo, era a continuação da guerra.

    Qual foi sua estratégia?
    Nos fechamos num quarto, tranquei a porta e disse: “Daqui não saímos até que cheguemos a um acordo”. Foi uma surpresa porque todo mundo pensava que seria quase impossível que chegássemos a um entendimento. As diferenças eram muito grandes. Napoleón Duarte cobrava que Daniel Ortega (presidente da Nicarágua) estava apoiando a guerrilha em El Salvador, e Ortega cobrava que El Salvador estava apoiando os Contras, mas chegamos a um acordo. Tínhamos uma obrigação com nossos jovens que estavam brigando em vez de estarem no colégio ou na universidade.

    Quais foram as consequências dos conflitos?
    Nasceu uma geração perdida, que está na origem das maras (las maras, gangues juvenis). Explica a violência que temos na Guatemala, em El Salvador e em Honduras. É a consequência de uma geração, de ambos os lados, que andava com uma metralhadora no ombro em vez de estudar. Isso é o que explica a imigração ilegal aos EUA de toda essa juventude.

    Que lições se poderia resgatar desse processo de paz para aplicar em conflitos atuais?
    No mundo, são poucos os casos de conflitos que se resolvem em mesa de negociação. Irlanda do Norte conseguiu. Jimmy Carter (presidente dos EUA de 1977 a 1981) conseguiu em Camp David a paz entre Egito e Israel. Mas, veja o caso de Israel e Palestina hoje em dia. Todas as tentativas fracassaram. A história da humanidade é uma história de guerras, não de paz. Os momentos de paz são instantes pequenos, curtos. O desafio mais importante agora é introduzir novos valores. Temos de entender que alguém não pode tentar resolver os conflitos utilizando a força militar. É preciso dar oportunidade à negociação, à mesa diplomática.

    Qual a sua avaliação sobre as negociações para acabar com o conflito na Colômbia?
    A negociação está muito lenta. Dura mais de dois anos. Tem uma agenda muito ampla, que cobre temas diversos. Para mim, um erro da Colômbia foi que não se aceitou um cessar-fogo bilateral para poder negociar. Então, com muita frequência, vemos que as Farc (grupo armado contrário a sucessivos governos) matam soldados do exército ou que o exército mata guerrilheiros das Farc e isso causa hostilidade que não ajuda na paz. Em toda negociação, se consegue o que se pode, não o que se quer. E, para negociar, é preciso estar preparado para ceder, para transigir. É preciso vontade para se alcançar a paz, o que não se tem na Colômbia. (o governo e as Farc anunciaram na semana passada acerto para criação de tribunal especial, mas o presidente Juan Manuel Santos projetou que um acordo final de paz deve levar mais seis meses).

    No caso de Israel e palestinos, o senhor propôs que se comece pelo mais difícil, como o tema dos assentamentos e a divisão de Jerusalém. Como isso seria possível?
    Cada vez que falo com autoridades israelenses, me dizem que os temas mais complexos ficam para o final. Em Camp David (no ano 2000), houve concordância sobre 95% dos temas, mas sempre se deixou os 5% mais difíceis para o final. E Bill Clinton (então presidente americano) não fechou os negociadores palestinos e israelenses como fiz com colegas presidentes na América Central. De tal maneira que abandonaram a negociação antes de se chegar a um acordo. O tempo mostra que, a cada dia, fica mais complicado lograr esse acordo. Imagine o que seria do mundo se houvesse paz entre israelenses e palestinos. Imagine como cairia o comércio de armas se a Arábia Saudita não comprasse US$ 25 bilhões, como acaba de gastar em armas, somente por problemas que está vivendo o mundo árabe, o Estado Islâmico. Imagine o que seria se Israel não tivesse de gastar o que gasta em aquisição de armas e também o mundo árabe. Se em vez de israelenses e palestinos trocarem mísseis, trocassem mercadorias.

    O senhor é um dos promotores do tratado internacional que regula o comércio de armas e um forte crítico de gastos militares. Como reduzir gastos com armamentos diante de novas ameaças, como o Estado Islâmico?
    Haverá países e haverá regiões onde se pode reduzir os gastos militares. Por exemplo, é inconcebível que a América Latina seja uma das regiões onde mais se aumentou o gasto militar no ano passado, quando não temos inimigos. Ninguém vai invadir o Brasil. Por que Brasil gasta US$ 5 bilhões comprando armas? Quem vai invadir o Brasil? Chile? Argentina? EUA? Rússia? Ninguém. Para que precisa de armas quando os inimigos do Brasil são a desigualdade, a pobreza? O Brasil precisa preservar a riqueza natural que tem, terminar com as favelas, construir infraestrutura para ser mais competitivo. O Brasil, com uma economia estancada, gastando em armas. É absolutamente incompreensível.

    E além do Brasil?
    Então, há regiões que permitem reduzir o gasto militar, como a América Latina. Há regiões que não, como o Oriente Médio, é impossível. Mas há governos na África que, sim, poderiam, e em outras partes do mundo. Há um jornalista muito influente nos EUA que se chama Fareed Zakaria (apresentador da CNN e colunista do jornal Washington Post) que critica a Inglaterra por estar diminuindo seu gasto militar e que, por isso, o Reino Unido está perdendo importância diante do mundo. O raciocínio de que o país para que seja uma potência importante tenha de ter um gasto importante no campo militar é errôneo. O Reino Unido está fazendo o correto, reduzindo o gasto militar para gastar em infraestrutura, em educação. O que deverá pensar Zakaria sobre a Costa Rica, que não tem um soldado? Então, é o mindset (mentalidade, em inglês) equivocado.
    Uma das justificativas para os investimentos militares brasileiros é o combate ao narcotráfico...
    Para controlar o narcotráfico, o Brasil não necessita de um submarino. Os narcotraficantes não andam nadando pelos mares do Brasil. Há muitas desculpas para se gastar em armas. Controlar o narcotráfico é uma boa desculpa.

    Quais são suas expectativas realistas com o tratado de armas, em vigor desde dezembro?
    Comecei a pensar neste tratado nos anos 1990. Quando voltei ao governo em 2006, o apresentei às Nações Unidas. Foi aprovado em 2013 e entrou em vigência no ano passado (o acordo regula o comércio de armas em todo o mundo com o objetivo de combater o tráfico internacional). O que espero, como muita gente, é que se possa restringir o comércio de armas no mundo. Não há um gasto mais perverso que o gasto em armas e soldados. O gasto militar é a melhor maneira de perpetuar a pobreza. O gasto mundial em armas e soldados chegou a US$ 1,7 trilhão em 2014. Não posso entender como um país que tem a situação econômica da Venezuela gaste bilhões de dólares em armas. E sendo muito sincero, tampouco entendo a aquisição de armas por parte do Brasil.

    Líderes sul-americanos, entre eles Fernando Henrique Cardoso, defendem a descriminalização das drogas como forma de reduzir a violência. Qual é sua posição?
    Parece-me que isso serviria se os Estados Unidos fizessem o mesmo. Enquanto os Estados Unidos continuarem penalizando as drogas, é muito difícil para os países da América Latina legalizarem. Mas é uma opinião que respeito. Respeito e admiro muitíssimo Fernando Henrique. Creio que é um dos maiores estadistas que a América Latina já teve. Copiei de seu governo o Bolsa-Escola (o programa Avancemos subsidia famílias que se comprometerem a manter os filhos na escola). Essa ajuda condicionada aos estudantes para que não abandonem o colégio é um bom gasto. Os países deveriam diminuir o gasto militar para poder aumentar em programas desse tipo.

    O que explica as diferenças sociais entre Costa Rica e seus vizinhos?
    O fato de não precisarmos gastar em armas e podermos dedicar mais recursos para educação e saúde. Mas a Costa Rica ainda sofre de um mal generalizado na América Latina que é o Estado muito fraco. E é muito fraco porque a carga tributária é muito baixa. Esse não é o caso do Brasil. Vocês pagam bastante imposto. Mas, no restante da América Latina, a média de carga tributária sobre o PIB é ao redor de 19%, 20%, 21%, que é muito baixo (no Brasil, foi de 35,42% em 2014, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação). Na América Latina, está tudo por fazer. A competitividade dos países daqui é uma das mais baixas porque não temos uma boa infraestrutura, estradas, aeroportos, portos, porque a qualidade da educação é ruim.

    O senhor pediu que a Venezuela solte o líder de oposição Leopoldo López. Para onde caminha o governo de Nicolás Maduro?
    A solução da Venezuela é eleitoral. O mundo não aceitaria um golpe na Venezuela e em nenhum país da América Latina, como não aceitou em Honduras em 2009. A indiferença com que os governos da América Latina têm visto o que acontece na Venezuela, incluindo Brasília… Nem com Lula, nem com Dilma, não se disse nada, não se fez nada. O Brasil é uma voz autorizada para falar sobre o que acontece na Venezuela, mas nada diz. Os apoiadores de Nicolás Maduro ganharam uma eleição praticamente porque têm a maioria e utilizaram o poder para acabar com a democracia, para terminar com os limites entre os poderes dados por Montesquieu (conceito da divisão de Executivo, Legislativo e Judiciário), para terminar com as liberdades individuais, para expropriar a imprensa e não permitir que haja crítica nos meios de comunicação, para encarcerar um opositor. Se o democrata não tiver oposição, deve criá-la e não colocar em uma prisão o seu adversário político. Diante de tudo isso, ninguém disse nada.

    Qual a saída?
    Minha modesta sugestão é que deveríamos nos enfocar em exigir do governo que estabeleça um tribunal eleitoral livre, autônomo, que garanta eleições transparentes, democráticas, limpas. Coisa que hoje não acontece. O governo de Maduro tem um respaldo popular de 20% da população. E com 20% da população, ninguém ganha eleições, exceto na Venezuela. E isso não é justo para os venezuelanos e não é justo para a América Latina.

    Qual o resultado de mais de uma década da chamada “maré rosa” latino-americana, de governos de partidos de esquerda?
    Pela primeira vez, chegou um partido de esquerda ao governo do meu país, aliado com os comunistas. Gostaria de estar equivocado, mas penso que, ao final do mandato, a Costa Rica vai ter maior índice de pobreza e o coeficiente de Gini (índice que afere a desigualdade econômica) terá se deteriorado. Neste momento, temos cerca de 10% de desemprego e penso que pode aumentar. Então, a experiência pode ser que não seja boa. Para governar, é preciso gerar confiança.

    Quais serão as consequências da aproximação entre EUA e Cuba?
    A loucura consiste em seguir fazendo o mesmo e esperar resultados diferentes. Isso os EUA fizeram desde a chegada de Fidel Castro ao poder. Aplicaram sanções, romperam relações, logo veio o embargo e nada disso logrou mudanças em Cuba. Ao contrário, o embargo sempre foi uma desculpa para fazer mais tirânica a ditadura dos irmãos Castro. Parece-me que Obama entendeu isso e teve o mérito de mudar a política de Washington. Obama fez o que era correto, corrigiu um erro do passado, mas isso não significa que as coisas podem mudar subitamente em Cuba.

    Quais são as barreiras?
    O fim do embargo não será fácil. O Congresso dos Estados Unidos está dominado, em ambas as câmaras, pelo partido Republicano. Por outro lado, não se pode esperar, enquanto esteja vivo Fidel Castro, que seu irmão mais novo se arrependa do que se tem feito desde 1959, que reconheça que o comunismo de Cuba não alcançou os frutos que esperavam e que está disposto a mudar o sistema político. Isso não vai acontecer. Temos de esperar um tempo para ver mudanças mais substanciais.

    O senhor esperava mais da política americana para a América Latina com Obama no poder?
    Sim, esperava mais de Obama. Para os Estados Unidos, com respeito à América Latina, só lhes interessa o livre comércio, com o qual concordo, e o combate ao narcotráfico. Fora isso, nada mais. Todos sabemos, a cooperação é mínima.

    O senhor pensa em concorrer de novo? Há pessoas no seu partido que querem.
    Sim, mas não tenho ânimo. Fui, no meu primeiro governo, motivado a pacificar a América Central. Isso me motivava. No meu segundo governo, fui terminar com os monopólios públicos, obsoletos, como os seguros. Só o Estado podia vender seguros, só o Estado podia vender celulares. É um absurdo. E também fui lutar para inserir a pequena economia costa-riquenha na economia mundial. Fizemos o tratado de livre comércio com os Estados Unidos, com a União Europeia, com a China e com muitos outros países porque, sendo um país pequeno, com 4,5 milhões de habitantes, não somos como o Brasil com 200 milhões de pessoas. Estamos condenados a sermos fenícios, comerciantes. É o comércio a principal força de crescimento econômico para um país pequeno da América Central. Agora, pela terceira vez, não há um desafio que me entusiasme a regressar à política aos 75 anos de idade (a eleição na Costa Rica será em 2018).
    ----------------------------------
    Fonte:  http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a4857062.xml&template=3898.dwt&edition=27534&section=2417
     http://www.clicrbs.com.br/pdf/17657933.pdf