segunda-feira, 17 de agosto de 2015

César Hidalgo: Só a educação é pouco

 César Hidalgo – "Para que o conhecimento circule, não basta recorrer à internet. É preciso que um país esteja aberto a receber gente e empresas de fora e a inserir seus produtos numa cadeia global"
 César Hidalgo – "Para que o conhecimento circule, não basta recorrer à internet. 
É preciso que um país esteja aberto a receber gente e empresas de fora 
e a inserir seus produtos numa cadeia global"
(David Sella/MIT/VEJA)

O físico do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) diz que o grande motor do desenvolvimento é a capacidade da sociedade de armazenar e processar o conhecimento

Expoente do exponencial Media Lab, um dos mais inovadores centros de estudos do conhecimento do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, o físico chileno César Hidalgo ganhou renome por traduzir em gráficos engenhosos grandes massas de informação. Seu campo de estudo é ainda mais amplo. Em 2009, em parceria com o economista venezuelano Ricardo Hausmann, de Harvard, ele pôs de pé um índice para medir a complexidade econômica. Isso o levou a uma empreitada ambiciosa. No recém-lançado Why Information Grows (Por que a Informação Aumenta), ele segue a trilha aberta por Robert Solow, ganhador do Nobel de Economia, para quem não há crescimento sustentável sem educação e conhecimento.

Quais são as consequências práticas de tentar entender os mecanismos do crescimento econômico pela ótica da tecnologia da informação?
O conceito de informação que utilizo não é o da linguagem cotidiana - aquilo que encontramos em uma página de jornal ou em um tuíte. Meu conceito vem da física, a disciplina em que me formei. Informação, nesse contexto, é um sinônimo aproximado de ordem, de estrutura. No mundo das coisas criadas pelo homem, tanto um cesto de vime quanto um carro movido a energia elétrica são portadores de informação. Eles são constituídos de tais e tais materiais, processados desta ou daquela maneira, construídos de certa forma. O que varia é a complexidade da informação. No carro elétrico, ela é muito maior que no cesto de vime. Por que alguns grupos humanos só são capazes de produzir cestos, enquanto outros são capazes de construir carros?

Como um grupo do primeiro tipo pode se transformar em um do segundo?
A forma de raciocínio que proponho lança luz sobre essas perguntas, ao desvelar como uma sociedade acumula e processa informação e como traduz isso em riqueza material. As economias mais pujantes são justamente as mais eficientes nesse campo. Dito de outra maneira, o crescimento de uma economia deriva do aumento da informação embutida nela.

Pode-se resumir tudo em melhorar a educação?
Sim e não. Associar investimentos em educação a desenvolvimento é uma armadilha, porque a complexidade econômica requer mais que isso. Para um país se desenvolver, não basta ter gente educada. É preciso ter gente educada e capaz de trabalhar de maneira coordenada com outras pessoas e equipes. Voltando ao exemplo anterior, um cesto de vime pode ser feito por uma única pessoa. É um saber que se passa de pai para filho. A cadeia de conhecimento envolvida na criação de um carro elétrico é imensamente maior. Em meu livro, estudo os casos de Gana e Tailândia. Entre 1960 e 2010, Gana investiu mais em educação e alcançou um nível de escolaridade melhor que o da Tailândia. Mas a estrutura produtiva de Gana, ou seja, o que essas pessoas eram capazes de fazer quando se reuniam em equipe, não era de alta complexidade. Eram produtos muito simples, às vezes rudimentares. O esforço educacional em Gana não se traduziu em aumento de sua complexidade econômica. A Tailândia, apesar de ter uma média educacional mais baixa, cresceu muito mais rápido, porque outros elementos culturais favoreciam o trabalho em equipe, a combinação de conhecimento em cadeias produtivas e mercadorias finais muito mais complexas.

Em que circunstâncias o investimento educacional é mais produtivo?
Um país não se desenvolve sem alguns pressupostos materiais, como um bom sistema de transporte e comunicações, e sem níveis mínimos de segurança pública, segurança jurídica e respeito aos contratos. Enfim, fatores que afetam a capacidade de criação e execução de pessoas trabalhando em grupo. O Brasil desenvolveu, nos últimos anos, políticas louváveis de redução da desigualdade e desenvolvimento social. Mas o melhor gestor da inclusão social não é o Estado. Os países onde a desigualdade é mais baixa são justamente aqueles em que o grau de complexidade econômica é mais alto. As economias de alta complexidade, ou seja, aquelas em que os fatores econômicos, educacionais e tecnológicos se entrelaçam em relações de interdependência e de subordinação, põem em funcionamento um círculo virtuoso altamente inclusivo.

Como medir a complexidade de uma economia?
Desde 2009, desenvolvo, com colegas de diversas disciplinas, um indicador sobre isso, o Economic Complexity Index (ECI). Ele tem uma versão brasileira, o DataViva, fruto de uma parceria entre o MIT e o governo do Estado de Minas Gerais. O índice atribui um peso à informação contida em cada produto, do material à tec­nologia e aos processos de gestão necessários para que ele seja criado. A complexidade dos produtos de uma região revela muito mais sobre ela do que o produto interno bruto (PIB), pois reflete os investimentos em educação e o tempo de escolaridade da população. São José dos Campos, em São Paulo, o berço da Embraer, é um centro produtor e exportador de aviões. Portanto, juntam-se ali pes­soas que entendem de física, outras que sabem desenhar fuselagens e asas ou que dominam a tecnologia da informação. A análise da complexidade de cidades como São José dos Campos e dos produtos que saem delas serve de base para estabelecer políticas que aumentem o potencial de crescimento de muitas regiões.

O PIB não mede essas complexidades?
O PIB é uma medida agregada, que consiste na soma de produtos e serviços em uma economia. Ele não considera os elementos que fazem um país funcionar. O PIB pode ser exatamente o mesmo para uma economia que produza carros e aviões e outra que exporte bananas e carvão, ainda que elas tenham um DNA completamente diferente. O PIB não discerne a capacidade produtiva de uma região, e isso faz dele um indicador incompleto.

As nações de economia mais complexa são mais resistentes às crises periódicas do capitalismo?
Sim. Pelo indicador de complexidade, podemos saber se um país tem estrutura produtiva capaz de absorver os investimentos e transformá-los em riqueza. Muitos países apresentam renda per capita alta e crescimento razoável, mesmo sem ter indústrias ou capacidade tecnológica. É o caso da Grécia antes da crise. No outro extremo, situam-se a China e a Índia, países de baixa renda per capita mas de economia complexa e amplos recursos tecnológicos e de conhecimento especializado. Os investimentos na China e na Índia se traduzem rapidamente em crescimento econômico que evolui rumo a uma situação de equilíbrio estável entre produção e renda. A Grécia, por seu turno, derreteu quando o dinheiro deixou de entrar. Não há muita dúvida sobre qual modelo tem mais capacidade de sobreviver aos grandes solavancos financeiros.

Parte do trabalho do MIT Media Lab é criar maneiras de apresentar dados complexos e conhecimento em gráficos. Qual é a importância da visualização de dados no processo de apreensão da informação?
Somos programados biologicamente de tal forma que visualizar imagens funciona muito melhor para a captação de informações do que ouvir, sentir ou interpretar códigos alfabéticos ou numéricos. Os seres humanos precisam ver para crer. Usada da maneira adequada, a visualização é muito mais eficiente do que limitar-se às palavras. Transformar em imagens os volumes gigantescos de dados que circulam pelo mundo digital torna muito mais fácil entender seu significado. As ferramentas de visualização de dados que produzimos no Media Lab permitem a gestores de empresas ou administradores de cidades entender mais rapidamente fenômenos muito complexos.

A perda de espaço da indústria para o setor de serviços é a característica definidora da economia brasileira atual. Do ponto de vista do índice de complexidade, isso é ruim?
O processo constante de desindustrialização do Brasil, combinado com o aumento das barreiras comerciais, é um retrocesso. No começo deste século, o país exportava muito mais maquinário, produtos químicos e ônibus do que hoje. O peso desse tipo de exportação diminuiu em relação ao das matérias-primas. Exportar commodities e ter um setor de serviços vibrante não é, em si, uma condenação à ruína. Mas priorizar isso em detrimento de desenvolver uma indústria eficiente e mundialmente competitiva é um erro grave. O Brasil, a meu ver, deveria reavaliar a prática de dar benefícios eternos a indústrias incapazes de competir com os produtos importados. A retirada dos benefícios em um ritmo suficientemente lento para evitar quebradeira criaria um efeito revolucionário no país.

A abordagem ideológica das questões econômicas ainda tem lugar?
Argumentações ideológicas têm como premissa o fato de que a verdade absoluta existe e está registrada no livro de algum economista ou filósofo morto. Isso freia a liberdade de pensamento e a execução de políticas pragmáticas em qualquer área do conhecimento, em especial na economia. A argumentação científica, por outro lado, pressupõe que o ponto de partida para tudo é a ignorância, e não o dogma.

A complexidade que se vê no Vale do Silício, nos Estados Unidos, é a prova de que sua teoria está certa?
O que se observa no Vale do Silício é uma interação altamente complexa entre grupos, e não entre expressões indivi­duais de conhecimento. A educação de qualidade, o estímulo e as oportunidades se combinaram ali para o surgimento de numerosos grupos de exce­lência. O Vale se tornou um sistema tão complexo de produção de conhecimento que seu funcionamento independe de um indivíduo qualquer. A melhor cabeça poderia desaparecer agora de lá e isso não faria a menor diferença. O sistema continuaria funcionando e aprimorando-se. A questão mais interessante que o exemplo nos propõe é por que, havendo tanto dinheiro e a mesma educação de qualidade em outras regiões dos Estados Unidos, não surgiram outros polos tão inovadores. Por que o corredor tecnológico de Boston, com tantas universidades de primeiro nível, foi superado pelo Vale do Silício? Por que o Brasil é menos desenvolvido que os Estados Unidos? A resposta é a mesma. Tudo depende da forma como as pessoas e as empresas se integram em redes complexas.

Há atalhos para uma economia saltar da condição de baixa para alta complexidade?
Infelizmente, esse é um processo que requer tempo e esforço. Nos países mal servidos de tecnologia, o dinheiro e as oportunidades gravitam em torno de indústrias velhas. A abertura comercial e a liberdade para o fluxo de pessoas e ideias são a receita para quebrar o marasmo. Para que o conhecimento circule, não basta recorrer à internet, é preciso que um país esteja aberto a trabalhar com grupos de outras nações, esteja apto a receber empresas de outros lugares e, da mesma forma, consiga inserir seus produtos numa cadeia global. É vital entender a economia como um armazenador e processador de dados. A economia só cresce se a capacidade de processamento se amplia, agregando pessoas qualificadas, empreendedoras e que confiam umas nas outras.

Por que a confiança é importante?
A confiança diminui o custo de transação. Com ela, é mais fácil interagir, os vínculos são mais sólidos e mais duradouros. Só assim é possível participar de redes amplas, acumular conhecimento e, eventualmente, atingir graus mais altos de complexidade. Sociedades com baixo grau de confiança organizam-se em redes sociais menores e mais frágeis, em que menos informação circula e a chance de fazer coisas complexas é menor. A corrupção, sobretudo combinada com a impunidade, é o indicador mais forte da falta de confiança em uma sociedade. É o veneno que mata o desenvolvimento e a inovação.
---------------
Por: Ana Clara Costa
Fonte: Revista Veja on line, 16/08/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário