segunda-feira, 8 de junho de 2015

Matéi Visniec: “A palavra é mais forte do que todas as formas de totalitarismo”

Matéi Visniec: o grande “partido” das sociedades capitalistas são os mercados. Foto: Matei Visniec – wikipediaCitiți în Ziarul Metropolis > http://www.ziarulmetropolis.ro/
 Matéi Visniec: o grande “partido” das sociedades capitalistas são os mercados. 
Foto: Matei Visniec – wikipediaCitiți în Ziarul Metropolis > http://www.ziarulmetropolis.ro/
 
É um homem apaixonado pelas palavras e pela relevância que estas podem assumir no processo de transformação das sociedades. Por isso não hesita em afirmar que escrever é um “ato político” capaz de influenciar a relação entre o poder e os cidadãos. Em entrevista ao esquerda.net, o dramaturgo e jornalista romeno Matéi Visniec considera ainda que é necessário reconfigurar a União Europeia para que esta retome o ciclo de prosperidade e do respeito pelos direitos das pessoas. Entrevista de Pedro Ferreira.
 
Em 1987 deixou o seu país e foi para França para poder dar continuidade ao seu trabalho como dramaturgo e escapar à perseguição do regime totalitário de Nicolae Ceausescu. Mas em Paris deparou com outras formas de limitação à liberdade individual das pessoas o que lhe causou alguma perplexidade. Podemos concluir que de uma forma mais ou menos explícita existem sempre barreiras à plena afirmação do indivíduo?
Quando cheguei a França, mais concretamente a Paris, encontrei um país livre, culturalmente evoluído onde tinha a possibilidade de desenvolver o meu trabalho sem receios de ser preso. Constatei, no entanto, que o capitalismo usa mecanismos de controlo sobre as pessoas que passam pela imposição de uma lógica subliminar de submissão a outros poderes como o consumismo que estriba a sua força através da mediatização de determinados valores orientados para o sucesso individual e para o supérfluo.

Passou então de um totalitarismo sem freio para uma espécie de obediência canalizada pela dormência do consumo e que é a linha da fronteira que separa os vencedores dos vencidos?
Se quiser ser irónico posso afirmar que o grande “partido” das sociedades capitalistas são os mercados, como se vê agora de uma forma mais evidente, e o contínuo desenvolvimento de mecanismos de competição excessiva. Temos assim uma meta entre aqueles que ganham e os que chegam depois.

Ou seja, os ricos e os pobres.
Mais do que isso porque nesta engrenagem o que conta é “capacidade” de servir o sistema de forma intensiva. Podes ser bem remunerado, até rico mas nunca deixarás de ser um explorado. E o problema é que muitos não se apercebem disso porque que vivem na vertigem da acumulação de bens materiais.

Neste quadro que acaba de traçar onde é que fica a cultura?
A cultura é um “oxigénio social”, um escape que nos permite respirar e consequentemente agir quando nos sentimos asfixiados. Os intelectuais reagem através da escrita, do cinema, do teatro. São bolsas de resistência a todas as formas de imposição que visam limitar o nosso pensamento.
Como homem da cultura, direcionei a minha oposição ao regime totalitário de Ceausescu através da escrita e do teatro apostando na sátira, na ironia e no absurdo
Como homem da cultura, direcionei a minha oposição ao regime totalitário de Ceausescu através da escrita e do teatro apostando na sátira, na ironia e no absurdo como forma de criticar a ausência de liberdade e da repressão. Quando cheguei a Paris não tinha limitações dessa natureza e por isso o meu trabalho bem como o de outros criadores visou essencialmente chamar a atenção para a natureza de sistemas cuja perversidade passa pela imposição de mecanismos de manipulação, de autocensura que é muito perigosa porque inibe a nossa capacidade de reação. Não se vê e por isso é mais difícil combatê-la.

Que diferenças é que há entre um regime dito socialista mas que não passa de uma caricatura e um país livre de matriz capitalista mas onde a opacidade do poder leva à criação de uma cadeia de interesses que normalmente se sobrepõem às necessidade e aspirações da generalidade das pessoas?
Costumo dizer que o poder é tóxico porque é tentador e, desta forma, escurece a razão. As elites políticas e económicas vivem em mundos fechados e por isso longe dos problemas das sociedades. No limite, diria que os homens não sabem exercer o poder e assim acabam por cair com muita facilidade nessa cadeia que lhes permite continuar a prosperar em círculos fechados. Enfim, servem-se ao invés de servir.

E qual é então a solução?
Não há respostas fáceis para a questão que me coloca. No entanto, penso que é necessário proceder à regeneração da democracia. E aí ganha particular relevância termos um sistema de Justiça que atue de forma independente além de recuperar a ética como regra fundamental na relação entre eleitos eleitores.

Não sendo pouco, parece-me um truísmo porque é algo que se tornou banal nos discursos dos detentores do poder.

Importa olhar com atenção para a vitória do Syriza na Grécia e para a emergência do Podemos em Espanha (...). A mudança acabará por ser imposta de baixo para cima. 
Importa olhar com atenção para a vitória do Syriza na Grécia e 
ara a emergência do Podemos em Espanha (...). 
A mudança acabará por ser imposta de baixo para cima. 
Foto By Philolog (Own work)  

Admito que assim seja mas não podemos esquecer que perante um problema acaba sempre por surgir uma ou mais soluções. Após a crise de 2008, surgiram imensos grupos de cidadãos a contestar a corrupção e os desmandos do sistema financeiro. Estas reações abriram o caminho a novas realidades que começam a mudar a paisagem política sobretudo na Europa. Importa assim olhar com atenção para a vitória do Syriza na Grécia e para a emergência do Podemos em Espanha que nasceu a partir de movimentos sociais e já alterou o espectro partidário que imperou naquele país depois da queda do franquismo. A mudança acabará por ser imposta de baixo para cima.

 As sociedades de consumo não têm no seu código genético a aposta na dinamização da cultura. 
Optam antes pelo entretenimento 
fazendo com que este seja dominante. 
Mas é preciso ter a noção que são realidades 
completamente distintas

Como é a Roménia nos dias de hoje?
A democracia e a liberdade não trouxeram a prosperidade económica que todos estavam à espera. Ainda assim, o país abriu-se ao mundo, perdeu os complexos resultantes da ditadura e está a fazer um esforço de modernização. Acredito no futuro do meu país apesar da corrupção, da pobreza e das desigualdades existentes. Estou convicto que as novas gerações darão o impulso necessário às mudanças rejeitando definitivamente o conservadorismo que ainda se sente sobretudo ao nível das mentalidades. Há ainda muitos obstáculos que importa ultrapassar mas estou otimista.

O dramaturgo libertou-se da censura, pelo menos da institucional, e bate-se agora pela demarcação entre a cultura e a indústria do entretenimento?
As sociedades de consumo não têm no seu código genético a aposta na dinamização da cultura. Optam antes pelo entretenimento fazendo com que este seja dominante. Mas é preciso ter a noção que são realidades completamente distintas porque se a cultura tem como finalidade a critica e a reflexão, a indústria do entretenimento que é muito poderosa existe para anestesiar as pessoas inibindo-as de pensar e perceber qual o é seu papel na sociedade. Por isso a função dos agentes culturais passa por contrariar esta realidade.

E enquanto jornalista quais são as suas batalhas?
Tenho o compromisso com a verdade e consequentemente com a rejeição de todos os tipos de condicionamento que visem a sua distorção. O que acabo de dizer pode parecer simplista mas o papel do jornalista é noticiar e comentar a realidade. Independentemente das suas opções de carácter ideológico não se pode, em nome da liberdade, mistificar a realidade.
-----------------
Por Pedro Ferreira
Fonte:  http://www.esquerda.net/08/06/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário