sábado, 11 de abril de 2015

Frances Bean fala pela primeira vez sobre a relação dela com a imagem de Kurt Cobain

Courtney Love e Frances Bean
Chris Pizzello/AP
 
Em entrevista exclusiva à Rolling Stone, a jovem afirmou que "não gosta tanto assim de Nirvana"

Há alguns anos, no verão norte-americano, Frances Bean Cobain trabalhou como estagiária na sucursal de Nova York da redação da Rolling Stone. A jovem, filha do vocalista do Nirvana, Kurt Cobain, - e produtora executiva do novo documentário da HBO sobre a vida dele, Kurt Cobain: Montage of Heck -, era "uma menina gótica de 15 anos, tão empolgada”, afirma Frances, com uma risada, durante uma entrevista recente para a matéria de capa da última edição da revista. Ela se lembra de ajudar na pesquisa para uma capa sobre o grupo Jonas Brothers – e de trabalhar em um cubículo de frente para uma parede com uma pintura enorme de Kurt. "É isso mesmo", Frances diz com um sorriso e uma exasperação fingida, “olhando para o meu pai o dia todo”.

Esta é uma das muitas histórias e revelações feitas em quase três horas de conversa durante um final de tarde no começo de março, enquanto Frances, agora uma artista visual de 22 anos, fala publicamente pela primeira vez sobre o pai, a vida após a morte dele, a relação complexa com a mãe, Courtney Love, e o novo filme, escrito, dirigido e produzido por Brett Morgen. “Kurt chegou ao ponto em que acabou tendo de sacrificar cada pedacinho de quem era para sua arte, porque o mundo exigia isso dele”, Frances diz francamente em determinado momento. “Acho que esse foi um dos muitos gatilhos para que sentisse que não queria estar aqui e todos ficariam mais felizes sem ele.” No entanto, “na realidade, se ele tivesse vivido”, continua, “eu teria tido um pai. E essa teria sido uma experiência incrível.”
 
O que vem a seguir são trechos adicionais de uma conversa notável – e comovente.

Como você descreveria Montage of Heck?
É jornalismo emocional. É o mais próximo de ter Kurt contando sua própria história em suas próprias palavras – com sua própria estética e sua própria percepção de mundo. Ele faz um retrato de um homem que tenta lidar com ser humano. Quando Brett e eu nos conhecemos, fui muito específica sobre o que queria ver, como queria que Kurt fosse representado. Falei: “Não quero a mitologia do Kurt ou o romantismo”. Embora Kurt tenha morrido do jeito mais horroroso possível, há esta mitologia e este romantismo ao redor dele, porque para sempre terá 27 anos. A vida útil de um artista ou músico não é particularmente longa. Kurt chegou ao patamar de ídolo porque nunca envelhecerá. Ele sempre será relevante e sempre será lindo.

Com qualquer grande artista, há um pouco de loucura e insanidade. Trópico de Câncer é um dos meus livros preferidos, e [o autor] Henry Miller tinha esta ética de trabalho em que se levantava da cama todo dia e se forçava a escrever cinco páginas. Isso me ensinou que, se você faz o trabalho, progride. Tantas pessoas ficam satisfeitas em se acomodar. Meu pai era excepcionalmente ambicioso, mas teve de lidar com muita coisa que excedia sua ambição. Ele queria que a banda fizesse sucesso, mas não queria ser o porta-voz de uma geração.

Você se lembra da primeira vez em que ouviu um disco do Nirvana – e de saber que aquele era seu pai? Falei com Sean Lennon sobre isso. Ele teve alguns anos a mais com o pai do que você, mas, para ele, os discos eram um caminho para entender John depois de sua morte.
Não gosto tanto assim do Nirvana [sorri]. Desculpa, pessoal da publicidade e da gravadora Universal. Gosto mais de Mercury Rev, Oasis, Brian Jonestown Massacre [risos]. A cena grunge não me interessa, mas “Territorial Pissings” [de Nevermind] é uma música boa pra caralho. E “Dumb” [de In Utero] – choro toda vez que ouço. É uma versão simplificada da percepção de Kurt sobre si mesmo – quando estava drogado, limpo, sentindo-se inadequado em ser chamado de a voz de uma geração.

A ironia é que ele a compôs antes de o Nirvana gravar Nevermind.
Pois é. Era uma projeção de algo. Não tem como alguém conseguir entender isso completamente.

Você se sentia esquisita na adolescência por não ser tão interessada na música que o Kurt fez?
Não. Eu teria me sentido mais esquisita se tivesse sido fã. Tinha uns 15 anos quando percebi que não dava para fugir dele. Mesmo se estivesse em um carro com o rádio ligado, ali está meu pai. Ele é maior do que a vida e nossa cultura é obcecada por músicos mortos. Amamos colocá-los em um pedestal. Se Kurt tivesse sido só um cara qualquer que abandonou a família do pior jeito possível... mas não foi. Ele inspirou as pessoas a colocá-lo em um pedestal, a se tornar um Kurt. Ele ficou ainda maior depois da morte. Você acha que ele não poderia ter ficado maior, mas ficou.

Depois da primeira exibição de que participei, alguém falou que Montage of Heck é um filme muito interessante sobre gente de que não gostava.
É uma descrição muito boa [risos].

Achei interessante que a forma como Morgen contou a história de Kurt não provocou nenhuma simpatia naquele espectador – a arte Kurt não o tocou. Tudo o que ele viu foi uma personalidade da qual não gostou.
Esta é uma perspectiva interessante. Para mim, o filme deu muito mais informações factuais sobre meu pai – não apenas lendas que foram mal-interpretadas, mal-lembradas, requentadas, recontadas de dez maneiras diferentes. Eram evidências factuais de quem meu pai era na infância, na adolescência, na vida adulta, como marido, como artista. Explorou cada aspecto de quem ele era como ser humano.

Como foi ouvir a voz dele?
Ouço a voz dele desde sempre, nas músicas.

Estava pensando mais na voz falada.
A voz dele quando fala é parecida com a minha. É meio que em um só tom. A profundidade dela é parecida com meu jeito de falar. Não sei que porra é essa. Eu nem falava quando ele estava vivo.

Não se engane com o poder dos genes.
É muito esquisito como os genes são. Dave [Grohl], Krist [Novoselic] e Pat [Smear] foram a uma casa em que morei. Era a primeira vez em que [os ex-membros do Nirvana] se encontravam em muito tempo, e tiveram o que chamo de “nervosismo K. C.”: quando me veem, veem o Kurt. Eles olham para mim e dá para perceber que estão vendo um fantasma. Todos ficaram com um baita “nervosismo K. C.”. O Dave disse: “Ela é tão parecida com o Kurt”. Eles estavam conversando entre si, relembrando velhas histórias que eu tinha escutado um milhão de vezes. Estava sentada em uma cadeira, fumando sem parar, olhando para baixo assim [simula um tédio total], e eles disseram: “Você está fazendo exatamente o que seu pai teria feito”.
Fiquei feliz com a visita deles [sorri]. Foi uma experiência legal, como ter uma reunião do Nirvana menos um. Exceto a cria dele.

O que quer fazer a seguir, agora que o filme está sendo lançado? Por ser uma das produtoras executivas, você está se expondo ao público quase com a mesma idade que seu pai tinha quando gravou o primeiro álbum do Nirvana.
Coincidência, sim. O estranho é que, aos 22, é o primeiro ano em que alguma coisa me anima – não por causa do documentário, mas pessoalmente. Tenho uma motivação e uma ambição que não existiam antes: “Quero pintar este quadro”. A parte mais difícil de fazer qualquer coisa criativamente é ir lá fazer. Assim que levanto da cama e entro na minha sala de arte, começo a pintar. Estou lá, presente. E fazendo isso.
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Sobre Montage of Heck
O afamado documentário Kurt Cobain: Montage of Heck ganhará exibição cinematográfica no Brasil. Segundo apurou a Rolling Stone Brasil, o filme estará nos cinemas por tempo limitado a partir de 12 de maio. Não foram reveladas as cidades por onde passará Montage of Heck, nem por quanto tempo ele estará disponível nas salas de cinema brasileiras. Nos Estados Unidos, o documentário chegará às telonas de poucas e selecionadas salas, a partir de 24 de abril.
REPORTAGEM POR  DAVID FRICKE / TRADUÇÃO LIGIA FONSECA9 de Abril de 2015  
FONTE: http://rollingstone.uol.com.br/noticia/frances-bean-fala-pela-primeira-vez-sobre-vida-dela-apos-morte-de-kurt-cobain/
 

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