sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A obsessão por enganar a morte

Noemi Jaffe* 

Friedrich Jürgenson Foundation 
Friedrich Jürgenson, um dos pioneiros na tentativa de captar vozes do além pelo rádio
 
Mesmo as provas mais aparentemente irrefutáveis de que pessoas recebem, escutam, psicografam ou conversam com os mortos não seriam suficientes para me fazer interessar pelo tema. Menos ainda pela possibilidade de colocá-lo em prática. Em primeiro lugar, porque não acredito. Mas, em segundo, e mais importante, porque não me atrai. Não entendo por que alguém teria interesse em saber algo sobre uma possível vida após a morte.

Minha interpretação e, pelo que entendi, também a de John Gray, no livro "A Busca pela Imortalidade", em que o autor faz uma extensa pesquisa sobre nomes importantes que se dedicaram à prática do "psiquismo", é a de que querer conhecer o que se passa após a morte é, antes de tudo, não querer morrer. Ou, o que na minha opinião é pior do que não querer morrer: querer viver para sempre.
Penso que, por trás do interesse supostamente "científico" ou "humano" pelos pós-humanos, está o desejo do interminavelmente humano, para sempre e para nunca mais.

E só imaginar essa hipótese já me apavora. Como se não bastassem a burocracia, as sacolas plásticas, tirar os pelos de gato da roupa, a vertigem dos livros que não li, aprender a usar o novo iPhone, não ter ido à China nem à Índia, não saber onde nem como estão meus filhos, ter medo de colesterol alto, perder a chave e não encontrar um chaveiro de madrugada ou encontrar um que cobra os olhos da cara, não saber em quem votar, ainda vou precisar passar por essas ou coisas semelhantes depois do túmulo?

Não basta, por outro lado, não saber a origem e o significado do tempo e do espaço, admirar-se em como somos parecidos com um pernilongo e com uma hiena, não compreender e enlevar-se com a dimensão e a beleza de um vale, do mar, de uma sequoia, ainda preciso descobrir e me intrigar com mistérios maiores? Por que não me bastaria o incognoscível de um pardal, de uma margarida, do leite que sai da vaca?

A imanência das coisas, no estado em que elas se encontram, para mim, ao menos, já é suficientemente misteriosa para que eu me dedique a mistérios que dizem ser maiores, mas talvez não cheguem aos pés da perplexidade que me provoca um pé de maracujá. A mortalidade, afinal, contém uma sabedoria semelhante em tudo aos ciclos visíveis da natureza. A velhice, espero, trará consigo um cansaço semelhante ao repouso das folhas que, no outono, devem cair ao chão. E o fim, nesse caso, seria o alívio necessário. Imaginem saber, ao contrário, que cenas do próximo episódio estão prestes a acontecer.

Quanto de vaidade, de manutenção de nossa veleidade egocêntrica, não se oculta por trás do desejo e da sedução de conversar com os mortos? Por que incomodá-los, se eles existem, e por que incomodar-se em alimentar um tempo que não é o agora?

É como se tentássemos, mais uma vez, escapar da dor e da delícia de viver o que está acontecendo e o vazio do que não está acontecendo, em nome de um conhecimento estrangeiro ao real. E, assim, vigorasse a ilusão vaga de imortalidade e controle, em nada diferente dos métodos pseudocientíficos de rejuvenescimento, criogenia e domínio da natureza.

Usam-se testes comprobatórios, laudos científicos e declarações especializadas para provar que o contato com os mortos é possível e verdadeiro. Mas para quê? A ciência não é necessariamente mais imune ao capricho humano do que a fé ou a literatura. É só ver quanto, também na esfera científica, o homem, no desejo de frear a morte, já matou e pôs em risco a própria espécie e o planeta.

"A vida após a morte é uma utopia, um lugar onde ninguém quer viver. Sem as estações, nada amadurece e cai ao solo, as folhas nunca mudam de cor e nem o céu altera seu vago azul. Nada morre, e assim nada nasce. A existência eterna é uma calma perpétua, a paz do túmulo. Os perseguidores da imortalidade procuram um caminho para fora do caos; mas fazem parte desse caos, natural ou divino."

Utopia, não podemos esquecer, é o "não lugar". À utopia da vida eterna, esse não lugar permanente, prefiro a "topia" desse lugar complicado e passageiro, é certo, mas onde posso comer um bom bife.

"A Busca pela Imortalidade - A Obsessão Humana em Ludibriar a Morte".

John Gray. Trad.: José Gradel. Record, 252 págs., R$ 45,00
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* Noemi Jaffe é escritora. Escreveu "O Que os Cegos Estão Sonhando?" e "A Verdadeira História do Alfabeto", entre outros
E-mail: noejaffe@gmail.com
Fonte: Valor Econômico online, 28/11/2014

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