domingo, 31 de agosto de 2014

Internet: o que temem os especialistas?

B. Piropo*

 
Na virada do século – ou do milênio, para soar mais grandiloquente – quando a Internet ainda era uma novidade para o público em geral (até 1994 ela estava apenas ao alcance de membros das instituições acadêmicas e militares), um velho amigo e colega de trabalho, Orlando Eulálio, me olhava de esguelha enquanto eu punha em dia o correio eletrônico. Suas previsões para o futuro da rede eram negras. Dizia ele que um meio de transferência de informações de tão amplo alcance, disponível para toda e qualquer pessoa e com acesso tão fácil e barato não poderia se manter livre assim por muito tempo. Que logo seriam impostas barreiras, condições, filtragem de conteúdo, censura ou simplesmente bloqueio da rede pelos diferentes governos. Era só esperar para ver.

Eu, por outro lado, argumentava que a estrutura da Internet foi concebida nos tempos da guerra fria justamente para evitar que as comunicações nos EUA fossem interrompidas em caso de ataque nuclear e depois, quando se espalhou pelo mundo, manteve esta característica de rede quase anárquica, com centenas de milhares de nós interligados de tal forma que os dados, que procuravam sempre a rota menos sobrecarregada entre a fonte e o destino, poderiam burlar qualquer tentativa de bloqueio simplesmente fluindo automaticamente por outra rota. Sendo o número de rotas praticamente infinito e não havendo um “centro de comando” ou coisa parecida, não seria possível estabelecer qualquer controle ou bloqueio sobre ela. E acrescentava que, caso um governo lograsse sucesso em suas tentativas, os especialistas em redes sempre conseguiriam contornar o problema restabelecendo inda que parcialmente a comunicação. Portanto, no máximo, aquilo viraria um interminável jogo de gato e rato.

Passaram-se quinze anos e quem inspecionar a situação atual da Internet chegará a uma conclusão um tanto paradoxal sobre nossas previsões: ambos estávamos certos. Há governos que conseguiram filtrar o conteúdo da rede dentro de suas fronteiras, como previu Orlando. Por outro lado, como se viu na recente primavera árabe, a Internet ainda pode ser uma ferramenta essencial para que informações sobre o que ocorre em alguns países corram o mundo à revelia de seus governos ditatoriais, como eu antevi.

Porém o temor dos especialistas é que, nos próximos onze anos, as previsões dele se mostrem mas verazes que as minhas.
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Figura 1
Pelo menos isso é o que se pode concluir dos resultados da prospecção sobre o futuro da Internet conduzida este ano em conjunto pelo Pew Research Center e pela Universidade de Elon. Os autores classificam o trabalho como “prospecção” (“canvassing”) e não “pesquisa” (“survey”) porque o universo de onde foi colhida a amostra não foi constituído por um conjunto aleatório de internautas, como o exigido por um projeto de pesquisa, mas por um grupo seleto de convidados que pertencem a um conjunto de especialistas notoriamente conhecidos por sua atuação na área tecnológica e por terem contribuído com previsões mais acertadas nas pesquisas anteriores sobre o futuro da Internet conduzidas pelas mesmas instituições . Ainda assim a amostra não foi pequena: mais de 1.400 especialistas atenderam ao convite e forneceram suas respostas e opiniões (quem estiver interessado no critério usado para a seleção e em uma lista parcial de participantes pode encontrar mais informações aqui).

Um (alentado) resumo do projeto e de seus resultados pode ser encontrado no artigo de Janna Anderson e Lee Rainie “Net Threats” publicado mês passado no sítio do Pew Research Center. É apenas um resumo, mas levando-se em conta que o trabalho analisou minuciosamente as respostas de mais de 1400 especialistas, não dá para publicar aqui sequer um resumo do resumo. Mas tentarei expor pelo menos a forma pela qual a prospecção foi realizada e as principais conclusões a que chegaram os responsáveis pelo projeto.

Cada participante devia responder apenas a duas perguntas. A primeira, a ser respondida apenas com um “sim” ou “não”, em tradução livre era a seguinte:

Em 2025 haverá significativas mudanças para pior e maiores obstáculos nos meios usados para obter e compartilhar conteúdo “online” em comparação com as formas usadas hoje peias pessoas globalmente conectadas?

… e a segunda, mais curtinha porém diabolicamente mais complicada, foi:

Por favor, elabore sua resposta.

… seguida de uma longa lista de tópicos que deveriam ser analisados para justificar a resposta à primeira pergunta, incluindo “no seu entender, quais são as mais sérias ameaças ao acesso e compartilhamento de conteúdo via Internet”.

Bem, no caso da primeira pergunta, que admitiu como resposta somente uma entre as duas alternativas, fica mais fácil resumir o resultado que, aparentemente foi positivo: apenas 35% responderam “sim” contra otimistas 65% que responderam “não”. O problema é que – justificando o “aparentemente” da frase anterior – alguns dos que responderam “não”, na justificativa de sua resposta informaram que se tratava mais de uma “esperança” do que de uma previsão, e muitos declararam que gostariam que houvesse uma terceira opção: “sim ou não”.

Conforme mencionado acima, não dá nem mesmo para resumir o resumo das opiniões de mais de mil autoridades mundiais em assuntos da Internet. Mas dá para transcrever e comentar os quatro tópicos que mais chamaram a atenção dos organizadores do trabalho não apenas pelo número de especialistas que os mencionaram como também pelas justificativas por eles oferecida. Estes tópicos estão listados na primeira página do artigo de Anderson e Rainie sob o título: “As ameaças à Internet temidas pelos especialistas”. Aqui vão elas, em ordem de importância:

1 – Ações implementadas por estados ou países por questões de segurança e controle político redundarão em mais bloqueios, filtragem, segmentação e “balcanização” (ver adiante) da Internet;

2 – O fato de tomarem conhecimento de que governos e grandes corporações bisbilhotam o conteúdo que flui pela internet e a real possibilidade de que o nível de bisbilhotice aumente ao longo do tempo pode deitar a perder a confiança dos cidadãos na Internet;

3 – Fortes pressões comerciais sobre praticamente tudo, desde a arquitetura da rede até o fluxo de informações, porão em risco a estrutura aberta da vida “online”; e, finalmente:

4 – Os esforços para resolver o problema do excesso de informações (TMI ou “Too Much Information”) pode resultar em um efeito perverso que, em vez de proteger o internauta da enxurrada de informações, prejudique o compartilhamento de conteúdo.
Alguns comentários deste vosso amigo e humilde escrevinhador:

Começando pelo significado do termo “balcanização”, relativamente comum nos EUA porém raro no Brasil (sim, o vocábulo existe em português). Trata-se de uma alusão à mutável geografia política da península balcânica, originalmente parte do Império Otomano e que, a partir do início do século dezenove, começou a se fragmentar em diversos países, alguns hostis e pouco colaborativos com seus vizinhos. A fragmentação recrudesceu no final do século passado ao ponto da região conter hoje mais de quinze países independentes (vale a pena consultar o tópico correspondente na Wikipedia apenas para apreciar a animação que mostra as fragmentações, fusões e novas fragmentações da região). No contexto da pesquisa, ao se referirem à “balcanização” da Internet, os especialistas expressam o temor de que, devido à cada vez maior interferência dos governos, a Internet se fragmente em redes menores, cada uma delas submetidas a regras e regulamentos diferentes conforme políticas locais.
Já a possível – e provável – desconfiança dos cidadãos que tomaram conhecimento das estripulias de alguns governos, notadamente o dos EUA, espionando tudo o que fluía pela rede, dispensa maiores comentários.

Por outro lado, o receio das pressões comerciais tem a ver com a crescente monetização (detesto este termo, mas ele existe em português, está dicionarizado, portanto não há impedimento para que eu o use, embora a contragosto) das atividades na rede, que está afetando cada vez mais o fluxo de informações e conteúdo. Um dos principais temores é que a ganância venha a interferir com o princípio da neutralidade da rede (se você não sabe o que é isto, sugiro uma consulta à coluna sobre o assunto, por mim publicada aqui mesmo em abril passado, posto que a interpretação literal da expressão nada tem a ver com seu significado técnico). Além disto, receiam ainda que as rígidas restrições sobre direitos autorais e patentes, devidas a uma visão de curto prazo que privilegia o lucro, acabem resultando em prejuízos para o compartilhamento de informações que podem ser de grande valor futuro. Quanto à seriedade da questão dos direitos de propriedade intelectual, basta lembrar a celeuma despertada pela inclusão na coleção de imagens públicas da Fundação Wikimedia da foto que um macaco tirou de si mesmo sob a alegação de que, como foi o animal que tirou a foto, o dono da câmara (o fotógrafo profissional David Slater) não detém direitos sobre ela. A questão gerou uma ação judicial e, aproveitando enquanto ela está disponível na coleção da Wikimedia, aqui vai a foto do trêfego primata com seu sorriso arrebatador, cujo nome não foi divulgado provavelmente em respeito à sua privacidade.
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Figura 2

Mesmo sem levar em conta suas habilidades como fotógrafo, percebe-se que o simpaticíssimo animal tem uma indiscutível vocação artística, pois não?

Finalmente, as preocupações relativas ao último tópico têm a ver com o uso cada vez mais frequente de filtros de conteúdo que visam poupar o internauta da enxurrada de informações que a Internet despeja sobre ele. O temor é que de tanto filtrar, se acabe limitando demais o espectro de informações que o usuário venha a receber, resultando em um efeito mais prejudicial do que benéfico, principalmente levando em conta que muitos dos provedores destes filtros recebem “incentivos econômicos” de empresas interessadas em que a informação seja apresentada desta ou daquela forma.
Pois é isso. Como esta coluna está se tornando demasiadamente longa, sugiro que os interessados nos detalhes consultem o artigo citado acima. Na verdade, mais do que sugiro: recomendo, e com veemência.

Porém, para não encerrá-la de forma tão abrupta, vou fazê-lo citando um trecho da resposta de Robert Cannon, especialista em direito e políticas da Internet com larga experiência no assunto. Diz ele:
Nós já vimos a repetição do mesmo padrão… logo após a implementação dos primeiros serviços de telégrafo, telefone e rádio. O início é a era utópica da inauguração dos serviços, saudando a tecnologia com clamores de paz mundial. Depois, vem a era da competição, com o surgimento de diversas empresas pequenas que tiram proveito do novo mercado e da inovação. E por fim vem a era da consolidação, na qual os vencedores da era da competição se movimentam para garantir suas posições no mercado e eliminar a concorrência”.

E Cannon encerra seu comentário com:

Nos serviços de informação, acabamos de entrar na era da consolidação”.
O que pode ser muito bom para algumas empresas. Mas, definitivamente, não é bom para os usuários.
Quanto a mim, apesar de ninguém ter me perguntado, tomo a liberdade de, metendo o nariz onde não fui chamado, dar minha opinião. A julgar pelo que vem acontecendo nestes vinte anos em que venho acompanhando de perto o que acontece na Internet, que cada vez fica menos lúdica, não sei o que acontecerá em 2015 no que toca à intervenção do Estado, à falta de confiança, à tal “monetização” ou ao excesso de informação.

Mas desconfio que ficará bem mais “sem graça” do que é hoje.
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* B. Piropo é engenheiro por profissão, professor por prazer e colunista de informática por paixão. Escreve sobre computadores desde 1991. Publica colunas nos jornais Estado de Minas e Correio Brasiliense, no sítio ForumPCs e mantém o Sítio do Piropo em www.bpiropo.com.br. 
Fonte: http://www.techtudo.com.br/artigos/noticia/2014/08/internet-o-que-temem-os-especialistas.html

sábado, 30 de agosto de 2014

Álgebra e fogo

 Luis Fernando Veríssimo*
 
Na recente comemoração do centenário de nascimento do Julio Cortázar, escreveu-se muito sobre metalinguagem, que ele usou em alguns dos seus textos mais conhecidos, como O Jogo da Amarelinha, que eram para ser lidos como jogos de armar. Cortázar seria um pioneiro do pós-modernismo, definido como uma literatura autoconsciente ao extremo, uma literatura com os andaimes à mostra, que convida o leitor a ser cúmplice dos seus artifícios. Italo Calvino descreveu o pós-modernismo como “a tendência de usar, ironicamente, imagens padronizadas da cultura de massa, ou injetar o fascínio herdado da tradição literária numa narrativa que acentua o seu artificialismo”. Segundo essa definição, o pós-moderno é a continuação do moderno como paródia, jogo ou desmistificação.

Mas você pode, com alguma boa vontade, identificar o início do pós-moderno no pré-moderno, ou no próprio nascimento da tradição literária de que fala Calvino: o Dom Quixote, de Cervantes, que já era na sua origem, no começo do século 17, uma literatura autoconsciente e parodística. A segunda parte de Dom Quixote acontece num mundo em que já aconteceu a primeira parte, e o Quixote e suas aventuras malucas são conhecidas. Cervantes incorpora sua fantasia e seu personagem fictício à realidade do dia, confiando na indulgência do leitor com o truque – e pode dizer, antes de todos os pós-modernistas que virão: “Primeirão!”.

O livro mais revolucionário da história da Literatura, o Jogo da Amarelinha do seu tempo, se chama A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy, do irlandês Laurence Sterne. Foi publicado em nove volumes – começando em 1760! É a história, contada na primeira pessoa, de um personagem rocambolesco, Tristram, que recorre a todas as convenções literárias da época, fazendo pouco delas, para narrar sua vida, e quando as convenções e as palavras não bastam, recorre a grafismos (como o desenho no meio do texto de uma linha em espiral para descrever o movimento de uma bengala no ar) que devem ter sido um desafio para os tipógrafos de então. Sterne foi outro pós-moderno antes do moderno.

O americano John Barth, este um pós-moderno de hoje, escreveu sobre dois pós-modernos contemporâneos que admira, Calvino e Jorge Luis Borges, e tomou emprestada de Borges uma definição de dois valores que, combinados, descrevem a arte da dupla, Álgebra e Fogo. Álgebra significando a engenhosidade formal de uma obra, o truque que surpreende ou desafia o leitor, e fogo o que o comove. Álgebra sem fogo acaba em malabarismo técnico sem alma, fogo sem álgebra acaba em literatura enjoativa, porque alma demais também enjoa. Para Barth, Calvino e Borges são os dois grandes escritores do nosso tempo porque, na sua ficção, atingiram como ninguém mais a fusão de álgebra e fogo. Barth descreve o que eles fazem – ou fizeram, pois já se foram – como “virtuosismo passional”. Perfeito.
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* Jornalista. Escritor.
Fonte: ZH online, 30/08/2014
Imagem da Internet

Nossas outras faces

Gustavo Gitti*

7bilhoesdeoutros
 Você e eu em outros corpos, mentes e vidas… Fotos da exposição “7 bilhões de Outros”
As pessoas que encontramos são lembretes de nossas 
próprias confusões e obstáculos, qualidades 
e potencialidades
A internet nos faz conviver com pessoas de outros países, culturas, tempos… A cada alteridade, podemos ampliar nosso círculo de identificação humana ou nos fechar ainda mais. Um exemplo recente foi a reação ao vídeo de uma festa da classe média alta de SP durante o jogo do Brasil. Quem tirou sarro talvez buscasse por risos para se afirmar como diferente: “Não somos estúpidos como eles, né?” Quanto mais desconfio de que sou um pouco assim, mais zombo.

Ora, como sempre afirma o Dalai Lama, nós somos iguais — mentalmente, emocionalmente, fisicamente. Se um amigo querido falasse besteiras por aí ou se nossa irmã agredisse alguém, buscaríamos entender o que nos levaria a tal situação, em vez de se envergonhar ou desprezar. Lembro de Terêncio (poeta romano do século II a.C.): “Nada do que é humano me é estranho.”

Uma pessoa tagarela e autocentrada é um lembrete: às vezes somos assim. Uma pessoa generosa e serena também nos lembra do que podemos ser. Todos os seres, lugares, objetos e situações que encontramos expressam qualidades, obstáculos, possibilidades sempre disponíveis para nós. Competimos, nos irritamos, ofendemos, culpamos, tememos ou nos apegamos às outras faces da vida na medida em que não as vemos como outras faces de nós mesmos.

Um ritmo só me perturba quando ele parece vir de fora. Assim que o reconheço como algo que também sou, posso tocar junto, dançar, brincar, direcionar, me apropriar, agir em vez de reagir, o que imediatamente remove seu poder de me atrapalhar. Quando a realidade vem como o mar derrubando nossos castelos de areia, sofremos porque nos sentimos separados do fluxo da vida, nos identificando mais com a construção do que com a água. Mas somos também o caos, a incoerência, a impermanência, a morte. Somos aquilo que constrói e somos aquilo que derruba.

Sobre as ações humanas, Espinosa escreveu na Ética: “Não rir, não lastimar nem detestar, mas entender.” Se investigo como o ciúme opera em minha mente, em vez de me abalar com uma pessoa ciumenta, posso ajudá-la. Ao cultivar uma intimidade diária com nosso mundo interno, nos tornamos cada vez mais íntimos de todos os seres. Não mais nos sentimos atacados ou traídos pela vida.

Pelo contrário, nos tornamos cúmplices de cada ação dessa imensa família, sem exclusão. Responsabilidade universal é isso: se há pessoas que se agridem, não importa onde, isso é problema meu, eu participo do tecido social que gera a violência. De algum modo, se alguém matou, eu matei também. Somos inseparáveis.
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* Coordenador do lugar, professor de TaKeTiNa, tutor no CEBB SP, colunista da revista Vida Simple
* Publicado originalmente na coluna “Quarta pessoa” (revista Vida Simples de agosto 2014)
Fonte: http://olugar.org/nossas-outras-faces/

A Geração Y e a Nova Evangelização


 
Tornou-se corriqueira a nomenclatura que define características das últimas gerações. Os que nasceram no pós-guerra até 1960 são os baby boomers, geração que se opôs às regras do establishment. Geração dos hippies, dos yuppies, do paz e amor que deu início à revolução sexual.

Os nascidos entre 61 e 80 formam a geração X. São filhos de mães que trabalham fora de casa, pais ausentes ou divorciados. São mais influenciados pelos valores da TV, da escola e dos amigos do que os dos pais e desejam ser mais bem sucedidos na vida que eles. É a primeira geração a tomar contato com a mentalidade trazida pela tecnologia, no Brasil ainda restrita a ambiente de trabalho e estudo, com seus enormes e complicados computadores.

Em seguida, vem a geração Y, ou millenials. Nascidos entre 1981 e 2000, é hoje o principal público de quem deseja evangelizar os jovens. É a geração sob o influxo das indescritivelmente rápidas mudanças tecnológicas. Geração dos PCs, dos Laptops, dos celulares, dos i-phones, dos games e, sobretudo, das redes sociais, facebook, instagram e congêneres. É a geração cuja adolescência e juventude estão imersas no frenético, individualista, relativista e amoral mundo contemporâneo.

Como são os millenials? De que forma foram atingidos pelo boom tecnológico que nos cerca por todos os lados? De que forma a modernidade os atingiu? Como podemos colaborar para a graça de Deus alcançá-los? Como ajudá-los a acolher o amor de Deus? Perguntas com respostas complexas demais para este artigo, porém às quais não podemos nos furtar.
Recentemente recebi cópia de um denso artigo da revista Times intitulado Millenials. O autor diz ter levado mais de um ano em pesquisas e cita opiniões abalizadas de professores, psicólogos, sociólogos e educadores. O resultado foram quatro páginas de realismo contundente e utilíssimo para compreender o jovem-alvo de nossa evangelização e sua forma de relacionar-se com Deus, com o outro e com o mundo.

De acordo com o artigo e outras fontes, os Millenials, ou geração Y seriam:

A geração eu, eu, eu – enquanto os baby boomers teriam inaugurado a geração eu, os millenials teriam exponenciado essa centralização em si em, pelo menos, três vezes, segundo pesquisa.

Personalidade narcisística – ser ia três vezes mais recorrente que nas gerações anteriores. Os pais baby boomers tinham a preocupação de favorecer a autoestima positiva de seus filhos tendo em vista o que consideravam felicidade e sucesso. O resultado foi a criação involuntária de gerações cada vez mais narcisistas.

Onipotência – os millenials têm confiança exagerada em si mesmos, sentem-se onipotentes, o que os faz necessitarem cada vez menos dos adultos, mudarem de emprego simplesmente porque “estão a fim” e se arriscarem a viver indiferentes ao senso comum e regras sociais.

Adolescência tardia – os millenials tendem a ficar na casa dos pais durante mais tempo, não porque precisem deles, mas por pura acomodação, comodismo e ausência de planos de longo prazo. Com relação a autoridades como professores, são capazes de negar-se a dar respostas ou fazer exercícios porque são “muito chatos” e com isso encerram a questão.

Obsessão pela fama – “A geração Y está se inflando como balões no facebook”, afirma W. Keith Campbell, professor de psicologia na Universidade de Georgia, autor de vários livros sobre o tema, inclusive “Quando se ama alguém que só ama a si mesmo”. Os millenials têm nos móveis e paredes de seus quartos e mídias sociais avassaladora quantidade de fotos e informações sobre si mesmos. Falar sobre si mesmos é seu principal assunto. Apressam-se a postar qualquer coisa que os faça curtidos, encaminhados, compartilhados, enfim, famosos. O apreço pela fama instantânea leva-os a expor-se sem ponderações, através de fotos e vídeos bizarros, sexy, que mostre seu talento ou que, de certa forma, chame atenção.

A tecnologia pode levar, sim, o anúncio em linguagem palatável para o millenial
A evangelização, entretanto, exige o olho no olho, o testemunho de vida, a intercessão e o martírio
Adictos da tecnologia – manter a fama ou alçar-se a ela só é possível porque os millenials tornaram-se viciados em tecnologia. Estima-se que um millenial envie em média 80 mensagens de celular por dia, inclusive das salas de aula.

Como tendem a não respeitar as autoridades (que veem como pessoas pagas para servi-los) não obedecem quando lhe pedem para desligar ou não utilizar o celular, o i-pad, o tablet ou o i-phone.

Pouco comprometidos – tudo o que está acima mais uma forte tendência ao materialismo, que os faz ignorar a existência de Deus ou acreditar quando lhe convém ou quando está “a fim”, tem como uma das consequências o pouco comprometimento com valores ou pessoas que não sejam eles mesmos e a tela com a qual “se comunicam” ou que lhes serve para a fama. Compromisso fixo semanal ou mensal não é com eles. Compromissos mais sérios como casamento, emprego fixo ou de longo prazo, compromisso com os pais e sua hierarquia de valores, com a fé e instituições tendem a desaparecer do mundo artificial e centrado em si dos millenials.

Ao pesquisar para escrever este artigo, considerei os analistas da geração y por demais críticos e centrados no que tem de negativo. Há, certamente, muitos que nasceram entre 1980 e 2000 e, por alguma razão, não têm as características descritas pelos estudiosos. Dentre outros, são aqueles que tiveram uma experiência com o Ressuscitado, os que não têm acesso irrestrito à internet ou aqueles cujos pais conseguiram formar na fé desde crianças.

A questão de base, porém, continua. Como alcançar e evangelizar essa geração entre 13 e 33 anos? Que linguagem e abordagem utilizar com quem tem tal personalidade narcisista e tamanha indiferença pelo outro? Como atingir quem tem nas mãos o controle sobre o que acessa e pode desligar com uma tecla o anúncio midiático de Jesus?

Todo homem foi criado por Deus e para Ele. A tecnologia pode levar, sim, o anúncio em linguagem palatável para o millenial. A evangelização, entretanto, exige o olho no olho, o testemunho de vida, a intercessão e o martírio. Como transpor o fosso entre a tela e os olhos, entre as teclas e as mãos, entre os caracteres e a voz, entre a solidão e a amizade?

É tarefa para a Nova Evangelização, sem dúvida. Diria mais: tarefa para a Nova Evangelização do Papa Francisco. O papa, na verdade, não se cansa de explicar que o Evangelho que transforma é o do olho no olho, da amizade, da relação, do amor. Tudo isso falta aos millenials típicos e, certamente, os conquistará para o Senhor.
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Texto de Maria Emmir Nogueira
Formadora da Comunidade Católica Shalon

PARA LER MAIS

 

Millennials – A geração que está mudando o Mundo

Você é daquelas pessoas que estão no mundo fazendo a diferença? Revolucionando os hábitos? Buscando a felicidade em tudo o que fazem? Amam o trabalho? Utilizam a tecnologia como meio de atingir a plenitude? Põe o coração em tudo o que faz? Então você é um Millennials.

Longe da geração Woodstock, que por sua importância iniciou um movimento que mudaria radicalmente o mundo na década de 60 e nos anos futuros. Revoluções no comportamento, transformações no cenário político-econômico, avanços tecnológicos nas comunicações, permitiram a que novas gerações pudessem avançar e evoluir. Esta nova geração, que inicia o terceiro milênio, tem suas próprias ideologias, filhos e netos da geração Woodstock, logo compreenderam que deveriam criar suas próprias revoluções, adaptando-se a um mundo em constante mudança.

A expressão Millennials foi utilizada por Niel Howe e William Struass, no livro Millennial Rising. A geração Millennials, também conhecida pela geração Y, nascidos entre 1980 e 2000, e se desenvolveram combatendo os maus hábitos da geração Woodstock, onde grande parte dos comportamentos era de revolta, de busca pela liberdade de expressão, de comportamentos, buscando identidades próprias.

Esta geração logo descobriu que INFORMAÇÃO e OPORTUNIDADE são palavras de ordem, que modificam, revolucionam, oportunizam a todos ao desejoso lugar ao sol, a que todos ansiamos. As organizações que possuem como clientes esta faixa etária precisam entender e compreender como vivem o que aspiram, como veem o mundo das organizações, como se inserem neles e como elas podem tirar proveito disso para aumentar e potencializar suas vendas.
ESTA GERAÇÃO É...

1.    Mais saudável, mais esportiva, esta geração luta para abandonar certos vícios como tabagismo, mas, no entanto ainda lutam freneticamente contra o álcool, cujos índices são muito altos nesta faixa de idade. São adeptos ao ar puro, viajam mais, gostam de passeios a países que possuem estruturas para caminhadas, escaladas, hotéis fazenda, gostam de animais de estimação, respeitam o verde, organizam o lixo, são contra qualquer tipo de matança a animais, defendem o meio ambiente, levantam bandeiras da sustentabilidade planetária, se preocupam com a qualidade do ar, discutem melhorias alternativas ao combustível fóssil e passam a maior parte do tempo participando de movimentos pela qualidade de vida, através das redes sociais.

2.    Mais estudiosa, compenetrada, são “nerds” e estão buscando os estudos como meta de melhorar a vida e não somente seu status profissional de busca de melhores salários. Estão mais preocupados em conhecer, saber, do que se capacitar, habilitar. É uma geração de atitudes fortes, marcantes, individuais e ao mesmo tempo de movimentos grupais que os identifiquem. Facilmente levantam bandeiras contra o sistema que os reprime, que os rebelem principalmente sistemas comprometidos com o uso indiscriminado das potencialidades planetárias e que se escassa rapidamente.

3.    Mais vaidosa, cuidam do corpo, da saúde, da beleza produzida em academias de ginástica, se vestem melhor e são mais diversificados, ligam mais para marcas do que as gerações anteriores, mas procuram vestimentas que os identifiquem com movimentos e grupos pelas quais participam. Cuidam do corpo a ponto de buscarem mais e mais cuidados médicos, clínicos e cirúrgico-estéticos. Traduzem uma geração que buscam melhorar a aparência, a beleza, mas sem perder a essência de seus conteúdos, dos pensamentos, das ideias, das inteligências de seu tempo.

4.    Mais trabalhadora, não vestem camisa das empresas, se desfazem facilmente de seus empregos em busca do que realmente gostam de fazer. Buscam colocar o coração no tipo de trabalho que gostariam de desenvolver e enquanto não encontram, buscam freneticamente descobrir porque estão neste mundo e qual o seu propósito.

5.    Mais consumista, logo trocam a vestimenta, a tecnologia, e o comportamento por outro mais a frente. Segurar esta clientela por um tempo maior é o desafio das grandes organizações hoje em dia. Estão ávidas em consumir, mas são muito livres para que permaneça muito tempo com um vestiário, um celular, um carro, um lugar.

6.    Mais comunicativa e presente nas redes sociais, estão formando grandes grupos mundiais, atravessando fronteiras, idiomas. Estes movimentos gigantescos lhes dão forças de opinião, e podem alterar as correntes atuais da comunicação. Os jornais e revistas e TV não são mais os únicos veículos de comunicação que fazem a cabeça dessa geração. Eles possuem voz e vez e a utilizam através da Internet. A cada ano triplica o número de Blogs e sites pessoais, expondo as ideias, as intimidades, as vontades e a maneira de viver desta geração.

7.    Mais globalizado procuram entender o que se passa no mundo todo, através dos veículos de comunicação, das redes sociais, dos movimentos mundiais instantâneos. Não possuem barreiras geográficas, diferenças etárias, socioeconômicas. Aglutinam-se facilmente ao redor de grandes projetos, mudanças sociais, soluções urbanas, políticas, econômicas. São mais interessados em serem autores das grandes revoluções e modificações que o planeta precisa do que receptores. Perceberam há muito tempo que possuem o poder da comunicação e por nada abrirão mão desses para se expressarem.

8.    Mais família, estão estatisticamente vivendo mais tempo com os  pais, deixando para morar sozinhos ou casarem na faixa dos 30 anos. Como os conflitos são menores conseguem estabelecer comunicações com os pais e até modificar velhos preceitos, preconceitos, e costumes da geração Woodstock.

A geração Millennial quer aumentar mais a faixa da juventude e entrar na faixa adulta mais tarde, desta maneira é comum se apegarem por muito mais tempo a moda jovem, aos costumes jovens, a tecnologia jovem. As empresas que produzem para esta faixa de idade devem explorar o máximo esta faixa etária, dando-lhes uma infinidade de produtos e serviços para que possam usufruir por mais tempo. Segundo pesquisas americanas, 61% dos jovens não querem ser adultos, querem permanecer jovens por mais tempo.

Todos podem realizar seus sonhos, ter seu minuto de fama, produzir seus próprios mercados, elaborar suas fantasias através da Internet. A produção de vídeo pessoal estabelece todos os meses recordes de inclusões no Youtube. Buscar um lugar ao sol pelas próprias influências é prerrogativa dessa geração. Estabelecer suas fronteiras, escolher seus grupos, atuar em bandos. Buscar a colaboração e a cooperação como modo de se superarem, conhecerem e se informarem. Estão mais comprometidos com a participação e realização do que propriamente com o sucesso. Embora a maioria almeje bons empregos, estão mais preocupados em realizar do que produzir. Não se apegam a empresas, nem vestem camisas, estão preocupados em participar de projetos que os façam compreender e evoluir em seus anseios.

Buscam organizações que lhes deem flexibilidade de horários, liberdades para exprimirem suas ideias, comportamentos, vestuários. Trabalham por metas, objetivos, responsabilidades e são avessos a horários, bater pontos. Assumem que querem trabalhar mais do que oito horas por dia, mas do jeito deles, com suas velocidades, tecnologias de comunicação e informação e de resultados.

A geração Millennials não busca os estudos porque os pais assim o querem, mas porque compreendem que o mundo mágico da informação e da compreensão começa ali. Trocam com muita frequência de faculdade, até encontrarem uma que lhes faça sentido, mesmo que os ganhos não lhe sejam aparentes. Estão preocupados em ser, embora o dinheiro nem sempre lhes permita isso. São menos inseguros quanto a escolher uma profissão porque sabem que podem mudar a todo o momento.  São mais empreendedores, se atiram mais fortemente de cabeça em seus ideais e apostam num futuro promissor, por confiar em seus instintos. Não é só o sucesso que os motiva, mas o caminho que os levam para o sucesso. Por isso, as escolhas são sempre acompanhadas de muita intensidade, flexibilidade e autenticidade.

O que você está fazendo agora neste momento? Será que você está feliz com o que você faz e no que você se transformou? Você se preocupa em ter espaços compartilhados, estilos de vida, flexibilidades em horários? O que você fez hoje que possa alterar seus projetos, melhorá-los, potencializá-los? Você está se permitindo colaborar com os outros, aprender, ao invés de achar que já sabe tudo?

Você está fazendo o que ama? Está vivendo plenamente o que desejou em algum momento na sua estrada? Você imagina que pode mudar tudo isso e buscar outro caminho, ainda possível para ser feliz consigo mesmo?

Esta nova geração está nos ensinando que podemos mudar a todo o momento. Que temos a tecnologia, as condições ideais, a informação. Só falta um empurrão no abismo das oportunidades.
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TEXTO por : Cláudio de Musacchio
Doutor em Informática na Educação - PGIE Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Educação pela Universidade Luterana do Brasil, pós-graduado em Engenharia de Software pela Universidade Estácio de Sá - Rio de Janeiro e presidente do PORTAL EAD BRASIL e membro da SOCIEDADE BRASILEIRA DE GESTÃO DO CONHECIMENTO, coordenador do grupo de estudos INTELIGÊNCIA COMPETITIVA, ministrando palestras e dando consultorias nas abordagens e ferramentas gerenciais: gestão de inovação, comunidades de prática, gestão estratégica da informação, aprendizagem organizacional, gestão de capital intelectual, inteligência competitiva, gestão de competências e ferramentas de TI.
Fonte:  http://www.arquidiocesebh.org.br/site/opiniao_e_noticias.php?id_opiniao_e_noticias=8840

Para aprender, à mão é melhor

Para aprender, à mão é melhor
Estudo das universidades de Princeton e da Califórnia mostra que escrever à mão garante maior e melhor memorização e compreensão da informação do que teclar no computador.

Os estudantes foram avaliados nos quesitos memória, entendimento, capacidade de síntese e de generalização. Os que tomaram nota à mão se saíram melhor.
 
O signatário da seção Mundo de Ciência da revista Ciência Hoje é velho o suficiente para ter visto a passagem da máquina de escrever para o computador nas redações de jornais e revistas e a posterior (e triste) substituição do charmoso bloquinho de repórter pelos teclados dos laptops pela nova geração de jornalistas. Agora, artigo mostra que há pelo menos uma vantagem em ser ‘das antigas’: escrever à mão é melhor que teclar quando o assunto é memorizar informação e garantir um aprendizado de mais alta qualidade.

A troca da escrita pelo ato de teclar também vale para estudantes. Em salas de aulas – e também nas coletivas de imprensa – laptops abundam. Certo, eles têm muitas vantagens quando comparados à velha caneta esferográfica ou ao quase hoje primitivo lápis – dá saudade ver aquelas antigas redações de filmes de Hollywood com os repórteres carregando, na orelha, os lápis amarelos com ponta de borracha e sacando-os imediatamente para anotar o ‘furo’ do dia nos... bloquinhos de reportagem.
Quem toma nota à mão aprende mais e melhor
Agora, pesquisa de Pam Mueller, da Universidade de Princeton (EUA), e Daniel Oppenheimer, da Universidade da Califórnia em Los Angeles (EUA), mostra que quem toma nota à mão aprende mais e melhor. Para chegar a esse resultado, eles dividiram estudantes em dois grupos: os que anotavam à mão e os que o faziam com laptops. Ao final, os dois grupos – que assistiram a aulas sobre biologia, religião, bioquímica, matemática, economia etc. – foram julgados nos quesitos memória, entendimento, capacidade de síntese e de generalização.

Os voluntários que anotaram à mão – apesar de terem perdido no que diz respeito à quantidade de dados registrada – acabaram se saindo melhor nos itens acima. Os resultados estão em Psychological Science. E o início do título é criativo: ‘A caneta é mais poderosa que o teclado’.

Fazer sem pensar 

Por quê? Mueller e Oppenheimer acreditam que escrever à mão requer um processo cognitivo distinto do envolvido em teclar. Segundo eles, quem anota manualmente tem que ouvir, digerir e resumir a informação, pois não se tem a velocidade obtida ao se datilografar. E assim se captura a essência do conteúdo, obrigando o cérebro a se esforçar, o que aumentaria a compreensão e a retenção dos dados.
Ao se teclar, o cérebro não processaria o significado da informação, pois a velocidade da datilografia não deixaria muito tempo para se elucubrar sobre o conteúdo daquilo que se anota. Ou seja, teclar é algo, digamos, robotizado. Ou, como se diz popularmente, ‘fazer sem pensar’, ‘ligar no automático’.
Teclado computador
Os voluntários que teclaram registraram maior quantidade de dados, mas não foram capazes de elucubrar sobre o conteúdo daquilo que digitaram. (foto: Krzysztof Szkurlatowski/ Freeimages)
E se... fosse pedido aos estudantes que usassem laptops para que pensassem sobre o que anotavam, tomando notas com as próprias palavras, em vez de copiar literalmente o que o professor dizia? De novo, os que escreviam à mão foram melhor nos testes.

E se... os dois grupos fossem testados sobre os conhecimentos uma semana depois da aula, podendo estudar a partir das anotações? Mais uma vez, vitória para os que tomaram notas à mão.

Para os autores, os que escrevem à mão acabam, com as próprias palavras, recriando o contexto, fazendo observações auxiliares, sínteses, conexões, conclusões pessoais etc.

E deveria contar também o aspecto visual das anotações, como flechas, interrogações, exclamações, grifos, rabiscos, desenhos etc.? Mueller, em entrevista à CH, diz que outros estudos na mesma linha sugerem que essa estratégia é benéfica. “Qualquer coisa que force você a relacionar e rearranjar o material certamente irá ajudar”, disse a pesquisadora.

Outras distrações 

Os computadores usados pelos alunos no experimento não estavam conectados à internet. Isso quer dizer que não havia distrações que tiram, como já mostraram estudos, a atenção dos estudantes nas aulas (correio eletrônico, mensagens, novidades em páginas de comunidades sociais etc.).
May: “Mesmo quando a tecnologia nos permite fazer mais em menos tempo, ela nem sempre melhora o aprendizado”
Cindi May resumiu bem os resultados, em reportagem na Scientific American.  “A pesquisa de Mueller e Oppenheimer serve para nos lembrar que, mesmo quando a tecnologia nos permite fazer mais em menos tempo, ela nem sempre melhora o aprendizado.”

Adendo: vai aqui observação sem significância estatística – pois baseada na observação de um só pré-adolescente –, mas talvez pertinente: as crianças de hoje aprendem primeiro a teclar e depois a escrever à mão – esta última atividade tornou-se algo de que eles parecem não gostar e que lhes imputa caligrafia indecifrável. São capazes de passar horas e horas teclando, mas queixam-se de dor nas mãos ao ter que escrever mais do que 10 linhas para uma tarefa escolar.
A escrita à mão vai acabar? Cartas à redação, por favor.
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REPORTAGEM POR Cássio Leite Vieira
Por: Cássio Leite Vieira
Publicado em 28/08/2014 | Atualizado em 28/08/2014
Ciência Hoje/ RJ

A PORÇÃO FEMININA DE DEUS

 Leonardo Boff*

Certa madrugada insone, retomei meu trabalho costumeiro ao computador. De repente, pretendi ter ouvido, não sei se do mundo celestial ou se de minha mente em estado alterado, uma voz, em forma de sussuro, que me dizia: “Filho, vou te revelar uma verdade que estava sempre lá, no meu evangelista Lucas, mas que os olhos dos homens, cegados por séculos de patriaracalismo não podiam enxergar”.

“Trata-se da relação íntima e inefável entre Maria e o Espírito Santo”. E a voz continuava sussurando: “aquele que é terceiro, na ordem da Trindade, o Espírito Santo, é o primeiro na ordem da criação. Ele chegou antes ao mundo; só depois veio o Filho de Deus. Foi o Espírito Santo, aquele mesmo que pairava sobre o caos primitivo e que de lá tirou todas as ordens da criação. Pois desse Espírito Criador, se diz pelo meu evangelista Lucas:’ virá sobre ti, Maria, e armará sua tenda sobre ti; por isso, o Santo gerado será chamado Filho de Deus”. “Armar a tenda”, como sabes, significa morar definitivamente. Se Maria, perplexa, não tivesse dito o seu “sim”, faça-se segundo a tua palavra, o Filho não ter-se-ia encarnado e o Espírito não ter-se-ia feminilizado”.

“Vede, filho, o que lhe estou dizendo: o Espírito veio morar definitivamente nesta mulher, Maria. Identificou-se com ela, se uniu a ela de forma tão radical e misterirosa que dela começou a se plasmar a santa humanidade de Jesus. O Espírito de vida produziu a vida nova, o homem novo, Jesus. Para ti e para todos os fiéis é claro que o masculino através do homem Jesus de Nazaré foi divinizado. Agora, vá lá no evangelho de São Lucas e constatarás que tambem o feminino, através de Maria de Nazaré, foi divinizado pelo Espírito Santo. Ele armou sua tenda, quer dizer, veio morar para sempre nela. Repare que meu evangelista João diz o mesmo do Filho: ‘Ele armou sua tenda em Jesus”.

“Não é o Espírito”, sussura a mesma voz, “que toma o profeta para alguma missão específica e cumprida, termina sua presença nele. Com Maria é diferente. Ele vem, fica e não a deixa mais. Ela é elevada à altura do Divino Espírito Santo. Daí que logicamente, ‘o Santo gerado será chamado Filho de Deus’. Somente quem foi elevado à altura de Deus pode gerar um Filho de Deus. É o caso de Maria. Não sem razão, é a “bendita entre as mulheres”.

“Filho, eis uma verdade que deves anunciar: por Maria Deus mostrou que além de ser Deus-Pai é também Deus-Mãe com as características do feminino: o amor, a ternura, o cuidado, a compaixão e a misericórdia. Estas virtudes estão também nos homens, mas elas encontram uma expressão mais visível nas mulheres”.

“Filho: ao dizeres Deus-mãe descobrirás a porção feminina de Deus com todas as virtudes do feminino. Não deves esquecer nunca que as mulheres jamais traíram Jesus. Foram-lhe fiéis até ao pé da cruz. Enquanto os homens, os discípulos, fugiram, Judas o traiu e Pedro o negou, elas mostraram um amor fiel até o extremo. Elas, antes dos apóstolos, foram as primeiras a testemunharem a ressurreição de Jesus, o fato maior da história da salvação”.

“O feminino de Deus não se esgota em sua maternidade, mas se revela no que há de intimidade, de amorosidade, de gentileza e de sensibilidade, perceptíveis no feminino”.

“Não permita que ninguém, por nenhuma razão, discrimine uma mulher por ser mulher. Aduza todas as razões para respeitá-la e amá-la, pois ela revela algo de Deus que somente ela pode fazer, sendo junto com o homem, a minha imagem e semelhança. Reforce suas lutas, recolha as contribuições que traz para toda a sociedade, para as Igrejas e para um equilíbrio entre homens e mulheres. Elas são um sacramento do Deus-Mãe para todos, um caminho que os leva à ternura de Deus. Oxalá as mulheres assumam sua porção divina, presente numa companheira delas, em Maria de Nazaré. Mas o dia virá em que cairão as escamas que encobrem seus olhos. E então, homens e mulheres, nos sentiremos também divinizados pelo Filho e pelo Espírito Santo”.

Ao voltar a mim, senti na clareza de minha mente, o quanto de verdade me tinha sido comunicado. E comovido, enchi-me de louvores e de ações de graça.

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*Teólogo. Filósofo. Educador. Escritor. Escreveu O rosto materno de Deus, Vozes 1999.
Fonte:  http://leonardoboff.wordpress.com/2014/08/30/a-porcao-feminina-de-deus/
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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Uma entrevista com o cartunista Carlos Latuff sobre a Palestina, o Rio de Janeiro e as eleições deste ano


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Poucos cartunistas se deram tão bem na era da internet quanto Carlos Latuff. Bom desenhista, politicamente engajado, inteligente e rápido no gatilho, Latuff tomou posições claras e com isso se tornou uma referência no ativismo social.

No fim doas anos 1990, ficou chocado com a situação palestina durante uma visita e passou a ter como inspiração principal o sofrimento deste povo. Com isso, ficou cada vez mais comum ver seus trabalhos reproduzidos em cartazes e faixas de manifestantes anti-guerra pelo mundo inteiro.

Nascido no Rio de Janeiro há 45 anos, vive em Porto Alegre, e foi adotado pelos gaúchos. Sente-se mais em casa ali do que no Rio, que considera uma cidade desvirtuada do que sempre foi.

Era mais de onze da noite quando o DCM conseguiu falar com ele via vídeo-conferência. Latuff finalizava uma charge. Foi um bate papo de mais de uma hora com uma pessoa falante, animada com o trabalho e politicamente crítica.

A seguir, alguns trechos selecionados de sua entrevista.

Diário do Centro do Mundo: Você está desenhando?
Carlos Latuff: Não, eu estava. Fiz um desenho aqui sobre a Marina, vou te mostrar (ele mostra pelo monitor a imagem abaixo).
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DCM: Você acha que há uso eleitoral da morte do Eduardo Campos?
CL: Em política não tem esse papo de sentimentalismo. O negócio é que ele morreu. Houve um choque porque é uma tragédia, diferente do caso do Plínio de Arruda Sampaio. Só que na política, ainda mais em se tratando de eleições, existe a questão prática. Era de se esperar que isso acontecesse. De fato, a morte do Campos catapultou a candidatura da Marina. Na política vale o pragmatismo.

DCM: Você tem candidato?
CL: Não. Eu não me sinto representado por ninguém, mas parece que vou chegar numa situação semelhante à que me encontrei na primeira eleição entre Dilma e Serra, em que tive que escolher entre o ruim e o pior. O Serra não dá, então votei nulo no primeiro turno e no segundo, não só votei na Dilma como fiz campanha.

DCM: Quem você acha que vai ser o Serra da vez?
CL: Rapaz, o Aécio e a Marina. O Aécio é o Serra, é o tucano, é o que a gente já conhece. E a Marina representa o fundamentalismo evangélico. O sistema colocou a gente entre a cruz e a caldeirinha. Não tem muito o que fazer.
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DCM: Então você não avalia bem esses 12 anos de PT?
CL: Eu poderia passar horas aqui dando a minha opinião sobre o governo do PT, mas tenho uma analogia que acho que pode sintetizar: o PT e o PSDB disputam o cargo de síndico num prédio que tem dono. Os dono não são eles, e eles não querem ser donos. Querem apenas administrar. Para administrar, precisam fazer acordos com os donos do prédio. Um administra de um jeito, outro administra de outro, mas no fim das contas são só síndicos. Quando falam que o PT está no poder, eu discordo. O PT não está no poder, o PT está no governo [ele acentua "governo"]. Para governar, precisa fazer alianças com quem está no poder. E quem chegou lá não chegou por meio do voto. Aí a gente fala de classes dominantes.

DCM: Para você, as classes dominantes são os donos do prédio?
CL: Sim, eles que são os donos do prédio. Tem até uma charge que eu fiz em que aparece um oligarca numa cadeira de engraxate, com um PT e o PSDB engraxando os sapatos, cada um de um lado. Eles diz “não briguem, meninos, ambos estão me servindo muito bem”. Então sempre vai precisar de acordos. A menos que você tivesse uma espécie de Hugo Chaves no Brasil, um sujeito que levasse sozinho todo mundo. Aí, você poderia enfrentar melhor o poder.
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DCM: Você nasceu no Rio de Janeiro, certo?
CL: Sim.

DCM: Mas não mora mais lá…
CL: Estou em Porto Alegre há um ano.

DCM: Por quê você foi?
CL: Aqui tem mais qualidade de vida. Eu que nasci, fui criado e vivi no Rio de Janeiro por 45 anos não reconheço mais a cidade, não reconheço a vizinhança. Virou um Estado policial. As pessoas acompanham como têm sido as repressões aos movimentos sociais. O Rio de Janeiro, do Leonel Brizola pra cá, só desce a ladeira. Então eu sempre vim pra cá, me simpatizei muito com os gaúchos… o gaúcho não é muito parecido com o carioca.
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DCM: Quais são as diferenças?
CL: Acho que o gaúcho não é tão expansivo quanto o carioca. É mais reservado em alguns aspectos. Eu gosto muito do Rio Grande do Sul. Tenho sido muito bem tratado aqui. Não me imagino voltando pro Rio de Janeiro.

DCM: O que você acha que deveria ter sido feito no Rio?
CL: Eu não sou Brizolista e nem tenho filiação partidária. Nunca tive. Mas o Brizola tinha uma perseguição com educação. Inclusive o carro chefe dele eram os CIEPs [Centro Integral de Educação Pública]. Foi o único governador que se preocupou com educação. Educação é fundamental para construir a sociedade. No segundo governo, ele teve problemas com os professores, mas mesmo assim ele foi o melhor nesse aspecto. Ele tinha como secretario da educação o Darcy Ribeiro. Aquele caminho que eles estavam trilhando estava melhor. O Brizola proibiu a polícia de chutar porta de barraco, então o acusavam erroneamente de ser conivente com a bandidagem. Hoje chutar porta de barraco é o mínimo.

DCM: Então o Brizola teria sido inimigo do Capitão Nascimento?
CL: Exatamente. O Rio de Janeiro hoje virou uma grande Tropa de Elite. O filme, inclusive, serviu para pavimentar o caminho para as UPPs. É de uma propaganda fascista tão clara que é incrível. E funcionou muito bem para vender a UPP como solução para a criminalidade nas favelas.
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DCM: E a Palestina? O seu trabalho tem sido muito usado como bandeira da causa. Como você vê isso?
CL: Como artista é muito gratificante ver a arte transcendendo o papel editorial. Quando ele sai das páginas do jornal e ganha as ruas, ele já subverteu esse papel, se tornou um instrumento de luta para aquele povo. Isso me deixa feliz, mas eu ficaria mais feliz se ela pudesse impedir o massacre e não apenas denunciá-lo. Mas eu como artista não tenho esse poder. Quem tem, não o faz. Infelizmente, a arma que eu tenho é essa.

DCM: Por quê você adotou a Palestina como mote principal da sua obra nessa última fase?
CL: Eu estive lá em 1998, e quando você é testemunha ocular de uma situação, tem mais condição de abraçar à causa. A experiência pessoal é diferente. Eu passei 15 dias na Cisjordânia e pude ver exatamente como os palestinos viviam. E decidi apoiá-los através da arte.

DCM: Você voltou pra lá depois?
CL: Não, não posso. Se eu voltar para lá agora, com sorte me mandam de volta. Não há como entrar na Palestina, com exceção de Gaza que faz fronteira com o Egito. Eles não tem controle sobre as próprias fronteiras, não há um Estado. A autoridade palestina é uma piada. Quem tem autonomia realmente é Gaza. A Cisjordânia é toda cheia de muros, check-points, patrulhas. Eles não têm autonomia, então para entrar no território palestino, você precisa da autorização de Israel. Eu tenho uma amiga chilena com descendência palestina que está na Jordânia. Ela tentou entrar em Israel. Passou por três checagens, com perguntas de perfil racial. Eles te perguntam “esse sobrenome é de que origem?”, “de onde é seu pai?”, “você é palestina?” Então se desenham o perfil de um árabe, já partem do pressuposto que há um problema. Ela ficou mais de 10 horas num cubículo sem água e sem comida, e depois foi mandada embora. No meu caso, não vão nem perguntar.
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DCM: Como você imagina que a coisa está lá hoje, mais de 15 anos depois?
CL: Muito pior.

DCM: Você fantasia o estado das coisas?
CL: Se você pegar o mapa de 1948 pra cá, vê que o território palestino diminui a cada dia. O governo de Israel sempre fala em acordo de paz. Enquanto eles dizem isso, vão construindo assentamentos e roubando o território palestino. Hoje tem o muro que não tinha quando eu estive lá. Tem também a divisão de Gaza e Cisjordânia, que não tinha. E a autoridade palestina também não ajuda, é um fantoche.

DCM: Como você vê o Hamas?
CL: O Hamas é, querendo ou não, governo. Se referir a eles como grupo terrorista aborta qualquer possibilidade de diálogo. Eu costumo dizer que Israel não tem moral para falar de terrorismo, já que seu Estado foi fundado sob terrorismo. Existiam basicamente três grupos judaicos criados antes de 1948 que aterrorizavam a população local. O primeiro caminhão-bomba detonado no Oriente Médio foi desses grupos. O termo terrorismo é muito flexível. Os alemães chamavam as guerrilhas francesas de terroristas na segunda guerra. Os movimentos armados no Brasil contra a ditadura eram chamados de terroristas.

DCM: Tem gente até hoje que diz que a Dilma foi terrorista…
CL: Sim. Mas, então, o Hamas foi eleito em 2007, só que Israel, a Europa e os EUA não reconheceram, então isolaram o grupo. Israel é o irmãozinho folgado porque tem o irmãozão, os EUA. Nada passa contra Israel no conselho de segurança da ONU. Nunca teve investigação por crimes de guerra em Israel. Já teve em Ruanda, na Bósnia, mas nunca em Israel.
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Reportagem por Emir Ruivo.  Músico e produtor formado em Projeto Para Indústria Fonográfica na Point Blank London. Produziu algumas dezenas de álbuns e algumas centenas de singles. Com sua banda, Aurélios, possui dois álbuns lançados pela gravadora Atração. Seu último trabalho pode ser visto no seguinte endereço: http://www.youtube.com/watch?v=dFjmeJKiaWQ
Fonte:  http://www.diariodocentrodomundo.com.br/uma-entrevista-com-o-cartunista-carlos-latuff-sobre-a-palestina-o-rio-de-janeiro-e-as-eleicoes-deste-ano/

CORRIMÃO

Ruy Carlos Ostermann*
A maior virtude da velhice é o corrimão. Há muitos corrimões, de vários tipos, mas é, indefectivelmente, um objeto básico: serve para que a gente suba ou desça escada, e também, relativamente, à insegurança. O corrimão é uma invenção suplementar. Eu imagino que primeiro tratou-se de subir ou descer e depois, e só depois, como é sempre, tratou-se de ter alguma segurança nesse ato, porque é fácil cair de uma escada, tanto subindo quanto descendo, e o corrimão surgiu como um apêndice indispensável. Ele corre pelo lado - corrimão -, é alguma coisa da mão e é alguma coisa que se desdobra, se desenvolve, e em consequência é um anexo da escada.

As escadas podem ser de todos os tipos. Há escadas como a do Niemeyer, em Brasília, num dos prédios famosos, em que não tem corrimão. É uma rampa simplesmente, ou são rampas, e aquilo é uma coisa atemorizadora para as pessoas. Faz uma mudança extraordinária, dá a impressão de que se está entrando em um palácio. E penso que era a ideia, mas um palácio no qual se subisse por si mesmo e se corressem os riscos daí decorrentes.

O corrimão é também antigo. Eu não me lembro de que alguém tivesse falado em corrimão antes que eu me lembrasse de que existia essa figura. Eles são até artísticos, trabalhados em madeira, com cores que sempre lembram a madeira autêntica e, mais do que isso, colocados de modo a ser um apêndice indispensável de recantos da casa, de subidas de andares e de deslocamento das pessoas. O corrimão é importantíssimo por isso, e ele, necessariamente, se coloca como uma das conquistas do homem. Uma conquista silenciosa, que poucos dão importância, mas antes do elevador nunca ouve nada igual ao corrimão, e nem o elevador substitui o corrimão. O elevador simplesmente faz com que o corrimão seja mais lento, mas não mais bonito, nem mais simpático, nem muito menos relativo aos odores, aos prazeres e às alegrias da casa.

O corrimão não é uma invenção. O corrimão passou a ser uma virtude. A virtude dos melhores lugares.
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* Cronista. Escritor. Jornalista
Fonte:  http://www.encontroscomoprofessor.com.br/colunas.php?ano=2014
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SEU PAPEL, SUA VIDA

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 Diane Keaton: "Os atores não gostam de admitir, mas passamos mais tempo esperando, ansiosos, o convite 
para um novo filme do que trabalhando"

Nos diários que a mãe de Diane Keaton deixou, mais de 80 cadernos que inspiraram a atriz a publicar o livro "Hena Ágatis", Dorothy Keaton Hall descreveu a filha como "uma criança simples em alguns momentos, mas assustadoramente sábia em outros". "Diane é um mistério", dizia a professora que morreu aos 86 anos, em 2008, sofrendo de Alzheimer. "Minha mãe foi a primeira a entender como sou uma criatura estranha, que fala demais e nunca sabe direito o que fazer com as mãos", disse Keaton, de 68 anos, até hoje um ícone de Hollywood quando o assunto é parodiar as neuroses urbanas nas telas. Não foi por acaso que Woody Allen fez dela sua primeira musa.

"Devo minha carreira a Woody. Ele teve a perspicácia de extrair humor das minhas idiossincrasias. Muito da minha comédia física eu faço inconscientemente", contou Keaton, vencedora do Oscar de melhor atriz pelo papel de Annie Hall, escrito especialmente para ela, em "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (1977). Até hoje, Allen é um dos melhores amigos da atriz nascida em Los Angeles - no último Globo de Ouro, até aceitou o prêmio honorário em nome dele, já que o cineasta se recusa a receber suas estatuetas. "Woody nunca saiu da minha vida. Estamos sempre tagarelando pelo telefone."

A história cinematográfica da dupla também foi escrita com "Sonhos de Um Sedutor" (1972), "O Dorminhoco" (1973), "A Última Noite de Boris Grushenko" (1975), "Interiores" (1978), "Manhattan" (1979), "A Era do Rádio" (1987) e "Um Misterioso Assassinato em Manhattan'' (1993). Neste último título, o papel feminino originalmente seria de Mia Farrow, mas Diane a substituiu, por causa do rompimento da relação de Allen e Mia, ocorrido quando a ex-mulher descobriu que o diretor estava saindo com sua filha adotiva, Soon-Yi Previn. "Amo Woody como pessoa e como profissional. Ele é um dos poucos que consegue fazer o que bem entende no cinema. Só um gênio para gerar o próprio material, rodando um filme por ano, sem precisar da boa vontade dos outros."

Em seus filmes, Diane se mostra como sua mãe a via: 
"Uma criatura estranha, que fala demais 
e nunca sabe o que fazer 
 com as mãos"

Ao longo de 45 anos de carreira, Diane aprendeu a "esperar o telefone tocar". "Os atores não gostam de admitir, mas todos nós passamos mais tempo esperando, ansiosos, o convite para um novo filme do que propriamente trabalhando. No fundo, somos apenas fornecedores de um serviço à espera de quem nos contrate." As ofertas, afirma, se tornam cada vez mais escassas após os 60 anos, principalmente no caso das atrizes. Diane nem pode reclamar muito, por rodar pelo menos um filme por ano. Nos últimos tempos, interpretou a mulher que prefere o cachorro ao marido em "Querido Companheiro" (2012) e a confusa ex-mulher de Robert De Niro em "O Casamento do Ano" (2013). Neste ano, concluiu a comédia romântica "Um Amor de Vizinha", que estreia nos cinemas brasileiros no dia 11, com distribuição da PlayArte.

No longa-metragem dirigido por Rob Reiner ("Harry & Sally - Feitos um Para o Outro", 1989), sua personagem é Leah, uma viúva que adora a boemia e tenta rescrever sua história lançando-se como cantora de um clube noturno. "O filme trata das segundas chances que podemos ter na vida, caso tenhamos a coragem necessária para agarrá-las." Se Leah conseguir se livrar da ideia de que está velha demais para certos prazeres da vida, talvez se surpreenda nos braços de outro homem - seu vizinho, um corretor de imóveis de coração partido interpretado por Michael Douglas. A dupla passa a se ver com outros olhos depois que o corretor começa a conviver com a neta, que ele nem sabia que existia - e isso o reconecta a sua humanidade. "Ninguém sabe o que é envelhecer até chegar lá. Para mim, tem sido um processo de redescoberta, em que, para não cair na melancolia ou no tédio, procuro me ocupar com novas experiências e novos desafios."

Quando não estava atuando, Diane preencheu o tempo, nos últimos anos, lançando livros de arte (sobre fotografia e arquitetura), dirigindo (como o longa de ficção "Linhas Cruzadas", de 2000, além de séries de TV) e escrevendo dois livros de memórias. Com estilo direto, franco e, ao mesmo tempo, bem-humorado, ela publicou "Then Again", em 2011, pela Random House, e "Let's Just Say It Wasn't Pretty", da mesma editora, lançado em abril. "Também aproveitei o hiato entre um filme e outro para me dedicar mais aos meus filhos." Diane é mãe de Dexter, de 19 anos, e Duke, de 14, ambos adotados. Além de Allen, Diane teve longos relacionamentos com Al Pacino, seu colega de cena na trilogia "O Poderoso Chefão"', iniciada em 1972, e com Warren Beatty, com quem estrelou o filme "Reds" (1981). Mas nunca se casou. "Esse assunto já está superado em minha vida."

Divulgação 
Como Annie Hall, com Woody Allen ("Ele nunca saiu de minha vida")
 
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista que Keaton concedeu ao Valor. Antes da conversa, sua assistente tinha dito que a atriz não falaria de Woody Allen - provavelmente, por causa da acusação de que ele teria abusado da filha adotiva, Dylan, nos anos 90, assunto que voltou à tona no começo do ano. Mas Diane foi a primeira a trazer Allen para a conversa, derrubando a condição imposta pela assistente.

Valor: Seus colegas de filmagem, sejam diretores ou atores, costumam dizer que a senhora é a mesma pessoa diante e atrás das câmeras. É verdade?
Diane Keaton: Realmente, sou a mesma. Será que isso faz de mim uma atriz preguiçosa? [risos]. A verdade é que sempre fui espontânea. Quando me matriculei na Neighborhood Playhouse de Nova York, nos anos 60, estudei com Sanford Meisner, que prezava o estilo natural de interpretar. O que aprendi de mais valioso com ele foi entrar no momento e estar sempre inteira na cena, o que acentuou ainda mais minha espontaneidade. Como atriz, sempre procurei responder às situações e contracenar com os colegas como se aquilo estivesse realmente acontecendo e tomando forma pela primeira vez, independentemente do número de vezes que havíamos ensaiado antes. O que faço é me levar ao personagem, sem que precise trazê-lo até mim.

Valor: Como essa diferença se dá na prática?
Diane: Não atuo necessariamente. Eu faço com que os diálogos se tornem meus, sem que soem falsos. Nunca me coloquei inteiramente no lugar de um personagem, buscando uma grande transformação. Não trago na bagagem algo parecido com o que Al Pacino fez em "Perfume de Mulher" (1992), o que lhe proporcionou uma experiência completamente nova, ao interpretar um cego. Meus personagens geralmente ganham minha marca, em vez de eu deixá-los tomar posse de mim. Mas essa entrega a um papel é algo que ainda quero fazer. Só que a oportunidade ainda não se apresentou.

Valor: A senhora muitas vezes empresta seu guarda-roupa às personagens. Como desenvolveu o estilo que virou sua marca, com "looks" dominados por chapéus, sapatos masculinos, camisas com gravata, blusas de gola alta ou terninhos?
Diane: Nunca fui bonita, no sentido clássico do termo. Isso talvez explique o fato de, desde cedo, ter me sentido atraída pelas roupas que escondessem meu corpo. E essa tendência ficou ainda mais pronunciada com a idade, quando tenho mais partes para esconder (risos).

"Ninguém sabe o que é envelhecer até chegar lá. 
Para mim, tem sido um processo de redescoberta", 
diz a atriz, de 68 anos

Valor: De onde veio a inspiração para se tornar escritora?
Diane: Meu primeiro livro de memórias, "Then Again", foi baseado nos diários de minha mãe. Ela é praticamente a coautora do livro: muitas vezes, reproduzo sua voz. Por mais que relembre alguns homens com quem me relacionei [como Allen, Beatty, Al Pacino e Sam Shepard], o grande amor de minha vida foi minha mãe. Na verdade, o livro reúne reflexões das mais variadas, com o único objetivo de explorar mais profundamente minha relação com ela.

Valor: O segundo livro de memórias, "Let's Just Say It Wasn't Pretty", dá a impressão de ter sido escrito com o propósito de celebrar a mulher na fase mais madura da vida...
Diane: Eu não diria madura...

Valor: Por que não?
Diane: Porque, apesar da idade, não me sinto madura ainda (risos). Sei que estou mais velha. Não nego. Mas nem por isso consigo me classificar como madura, por não achar que cheguei lá. A ideia por trás do livro foi falar sobre beleza, sobre o processo de envelhecimento, mas, acima de tudo, sobre como a mulher deve se gostar, independentemente do que os outros pensam. É claro que, muitas vezes, precisei recorrer ao humor para tratar desses assuntos, justamente para mostrar como é ridícula a obsessão mundial pela beleza. E o que é pior: por um único tipo de beleza, a da juventude. Toda a experiência me deu muito prazer, por mais que tenha abordado coisas difíceis, como dividir a sensação de ver o rosto no espelho todas as manhãs e descobrir cada vez mais rugas. Digo tudo aquilo que acontece com a mulher depois dos 60, incluindo as coisas boas e as más.

Divulgação 
Com Michael Douglas, como Leah, viúva que tenta reescrever sua história,
 em “Um Amor de vizinha”
 
Valor: Mas sua participação em campanhas de cosméticos não reforça o culto à juventude? (Desde 2006, Diane aparece em peças de propaganda de cremes que combatem o envelhecimento, da marca L'Oreal.)
Diane: Não. Só quero passar a mensagem de que me sinto bem com a idade que tenho. É um jeito de mostrar que envelheci, mas continuo viva, ativa e cheia de energia e de esperança. A verdade é que as mulheres precisam desse tipo de afirmação muito mais do que os homens. E por que uma mulher da minha idade não pode ser sentir atraente? Eu não vejo nada de errado nisso. Não é a mesma beleza da juventude, mas, por que não?

Valor: Seu conceito de beleza mudou com a idade?
Diane: Aconteceu comigo. Durante muitos anos, não gostava do formato estranho dos meus olhos, que são caídos. Conforme o tempo foi passando, como digo no livro, passei a ver as falhas com um olhar mais terno. Acabei descobrindo que meus olhos são o que eu tenho em comum com meu pai (o engenheiro civil John Newton Ignatius Hall, que morreu em 1990, aos 68 anos).

 "Às vezes, a vida se sobrepõe ao amor.
 Ainda assim, cantar o amor 
e sonhar com ele é 
o suficiente para mim".

Valor: Resgatando o tema do amor entre pessoas mais velhas, "Um Amor de Vizinha" reforça a safra que inclui "O Exótico Hotel Marigold" (2011), "Amor É Tudo Que Você Precisa" (2012), "Um Plano Brilhante" (2013) e outros. Acha que o público para esse tipo de filme cresceu?
Diane: Acredito que sim. Mas isso não impede algum jornalista de me perguntar de vez em quando como eu me sinto fazendo um filme romântico na minha idade, como se isso fosse algo impossível de acontecer. É muito natural uma mulher mais velha despertar o interesse amoroso de um homem e se sentir atraída por alguém. Na atual fase da minha vida, valorizo todas as histórias que nos encorajam a mudar, independentemente da idade. O problema é que, ao envelhecermos, costumamos ficar ainda mais inflexíveis. Mas acredito em segundas chances, inclusive no amor. E espero que o público também. A vida nunca deve perder sua magia e esperança.

Valor: O tempo mudou sua visão do amor?
Diane: A resposta está em "Um Amor de Vizinha", na cena em que minha personagem, uma cantora prestes a se apresentar em um bar, fala um pouco da música que vai interpretar. Antes de cantar "The Shadow of Your Smile", ela diz: "Às vezes, a vida se sobrepõe ao amor. Ainda assim, cantar o amor e sonhar com ele é o suficiente para mim". Eu me sinto da mesma forma. Enquanto estiver viva, estou aberta às emoções, venham elas das minhas personagens ou das minhas experiências. Seja para viver momentos de alegria ou de tristeza, o que eu quero é viver.
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Reportagem  Por Elaine Guerini | Para o Valor, de Los Angeles
Fonte: Valor Econômico online, 29/08/2014