quinta-feira, 31 de julho de 2014

FILHOS DESTRUIDORES DE SONHOS

 FÁBIO TOLEDO*
 
Em campanha publicitária de preservativos, veiculada na África do Sul, bebês gigantes são apresentados como grandes vilões. Eles destroem escritórios, esmagam carros de luxo e acabam com as férias dos pais. Os anúncios trazem ainda como slogan uma frase de impacto: “Proteja seus sonhos”. Mas será que os filhos são ou podem se transformar em meros destruidores de sonhos?
 
Se essa campanha publicitária tem algo de positivo é a coragem e a ousadia de expor de maneira contundente aquilo que muitos pensam mas não ousam dizer tão claramente. De fato, as crianças são vistas muitas vezes como um empecilho para se poder galgar uma carreira profissional atraente, fazer viagens, ter carros do ano etc.
No entanto, a decisão de ter ou não filhos é uma das mais relevantes em nossas vidas. Por isso, penso que a questão não pode ser analisada superficialmente. Ao contrário, essa opção deve ser coerente com a concepção de vida assumida.
 
Convém, portanto, retomar aqueles grandes questionamentos que tocam na razão mais profunda da nossa existência: quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Qual é o sentido desta vida?
 
Acontece que, por não termos ou por temermos a resposta a esses questionamentos, é comum abafá-los, calando essa voz interior que, no entanto, vez por outra insiste em nos incomodar. E a maneira que frequentemente encontramos para não enfrentar essa questão de fundo é perdermo-nos em sonhos, no mais das vezes irreais e que não saciam a ânsia de felicidade e eternidade que inunda o coração humano. E é assim que construímos o protótipo de felicidade sobre o ter (carros etc.) e o fazer (viajar, comprar etc.) e não no ser (pai, mãe, cidadãos e trabalhadores honrados etc.).
 
Já se afirmou — e na minha opinião com razão — que a procriação é uma necessidade da espécie e não do indivíduo. De fato, não são todas as mulheres e todos os homens chamados à maternidade ou à paternidade. Mas cada ser humano vem a essa existência com uma missão. E essa se traduz sempre em algo de bom a ser realizado no mundo em favor ou outro, da sociedade em que está inserido e da própria humanidade.
 
Não há absolutamente nenhuma vida humana lançada à própria sorte ou relegada a viver sem sentido. Ninguém nasce com a missão de “curtir a vida”. É evidente que há muitas coisas boas no mundo que podem legitimamente ser desfrutadas. O grande erro e a grande tragédia humana, porém, está em colocar nisso toda a esperança de felicidade.
 
Há muitas pessoas que renunciam à maternidade e à paternidade e o fazem por saberem chamados a uma missão especial e sublime. A história da humanidade e o nosso tempo é repleto de exemplos disso. E então experimentam a felicidade profunda e verdadeira de quem encontrou um sentido para a sua existência. Alguém conseguiria, por exemplo, encontrar mais paz e alegria do que se vislumbrava abundantemente na face serena da Madre Teresa de Calcutá?
 
Outras pessoas, porém, decidem exercer a maternidade e a paternidade livremente. Também isso é fonte de imensa felicidade e alegria, ainda que não poucos sejam os dissabores e as preocupações.
 
Não há sonhos e anseios de felicidade verdadeiros que possam ser destruídos pelos filhos. De fato, a maternidade e a paternidade é incompatível com o egoísmo, com o comodismo e com o hedonismo. No entanto, pode-se viajar com eles, pode-se obter sucesso profissional por eles, pode-se desfrutar dos bens deste mundo sobriamente com eles. Além disso, ao fim de uma vida fecunda e bem vivida, poderemos dizer realizados: “Tive filhos. Transmiti a muitas criaturas o legado do nosso amor e da nossa esperança”.
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*  Fábio Henrique Prado de Toledo é Juiz de Direito em Campinas. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. E-mail: fabiohtoledo@gmail.com 
Fonte: Correio Popular online, 27/07/2014
Imagem da Internet

Dentro do capitalismo, não há salvação

Leonardo Boff*

 
Fiz pequenas correções para facilitar o entendimento. Mas ela ficou como foi publicada com as limitações linguísticas e estililítiscas deste gênero de publicação. Lboff

Débora Fogliatto- Sul 21

Um dos mais conhecidos teólogos do Brasil, Leonardo Boff é um nome atualmente aclamado em todo o mundo, mas que já foi muito marginalizado dentro da própria Igreja em que acredita.
 
Nos anos 1980, o então frade foi condenado pela Igreja Católica pelas ideias da Teologia da Libertação, movimento que interpreta os ensinamentos de Jesus Cristo como manifesto contra as injustiças sociais e econômicas.

Aos 75 anos, Boff é um intelectual, escritor e professor premiado e respeitado no país, cuja opinião é ouvida por personalidades com o Papa Francisco e os presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff.
 
Nesta entrevista aoSul21, concedida durante sua vinda a Porto Alegre, entre 23-25 de julho, Boff fala do momento atual da Igreja Católica, critica os religiosos que usam o evangelho para justificar ideias retrógradas ou tirar dinheiro dos fiéis, tece comentários sobre a situação no Oriente Médio, aborto, violência e sobre a crise ecológica e econômica mundial.

As duas estão profundamente interligadas: como explica Boff, o capitalismo está fundado na exploração dos povos e da natureza.
 
“Esse sistema não é bom para a humanidade, não é bom para a ecologia e pode levar eventualmente a uma crise ecológica social com consequências inimagináveis, em que milhões de pessoas poderão morrer por falta de acesso à água e à alimentação”, afirma ele, que é um grande estudioso das questões ligadas ao meio ambiente.

Sul21 – Nos anos 1980, por causa dos ideais defendidos pela Teologia da Libertação, o senhor foi condenado a um ano de silêncio obsequioso e sofreu várias sanções, que acabaram sendo amenizadas diante da pressão social sobre a Igreja Católica, mas que o fizeram abandonar o hábito. O senhor acredita que atualmente a Igreja agiria da mesma forma?

Leonardo Boff – Não. O atual Papa diz coisas muito mais graves do que eu disse no meu livro “Igreja: carisma e poder”, que foi objeto de condenação. Se ele tivesse escrito isso, teria sido condenado.
 
Eu disse coisas muito mais suaves, mas que afetavam a Igreja. Dizia que a Igreja não respeitava os direitos humanos, que é machista, tem um conceito de poder absolutista e absolutamente superado, sem limites.

Os tempos mudaram e a graças a Deus temos um Papa que pela primeira vez, depois de 500 anos, responde à Reforma, responde a Lutero.
 
Lutero lançou o que chamamos de Princípio Protestante, que é o princípio de liberdade cristã que impõe limites ao princípio da autoridade. 
 
E esse Papa vive isso. E vive o cristianismo não como um feixe de verdade que você adere, mas como o encontro vivo com Jesus. Deve-se distinguir entre a

Tradição de Jesus, aquele conjunto de ideais e valores que anunciou, mais movimento que instituição; e a religião cristã, que se organiza como instituição à semelhança de outras religiões.
 
Muitos dizem “eu sou do movimento de Jesus”, e não da religião católica. Preferem viver a ética de Jesus que frequentar a igreja.
 
Tais afirmações são escandalosas para cristãos tradicionais, mas são absolutamente corretas no sentido da Teologia, daquilo que nós sempre dizíamos e éramos perseguidos por isso. Quem salva é Jesus e não as doutrinas.

E eu fico feliz que a Igreja não é mais uma instância que nos envergonhe, mas sim uma instância que pode ajudar a humanidade a fazer uma travessia difícil para outro tipo de sociedade que respeite os direitos da natureza, da Terra, preocupada com o futuro da vida.
 
Eu mesmo tive contato com o Papa e o tema central dele é vida. Vida humana, da terra, da natureza. E nós temos que salvá-la, porque temos todos os instrumentos para destruí-la.

“Pregar na África que é pecado usar a camisinha, em lugares onde metade da população sofre de Aids, é cometer um crime contra a humanidade. Foi o que o papa Bento XVI disse várias vezes.”

Sul21 – O senhor acredita que a Igreja Católica, sob orientação do papa Francisco, vai efetivamente renunciar a alguns temas tratados como tabu, como a união homossexual?

Leonardo Boff – Ainda não sabemos bem a opinião dele. Ele diz: “quem sou eu para julgar?”, no fundo diz para respeitar as pessoas.
 
Ele vai deixar haver uma grande discussão na Igreja sobre a questão do divórcio e dos homossexuais, sobretudo a moral sexual cristã, que é extremamente rigorosa e restrita. Em alguns casos é até criminosa.
 
Por exemplo, pregar na África que é pecado usar a camisinha, em lugares onde metade da população sofre de Aids, é cometer um crime contra a humanidade. Foi o que o papa Bento XVI disse várias vezes.
 
Eu acho que o Francisco é mais que um Papa, é um projeto de mundo, projeto de Igreja, ele se dá conta de que a humanidade é uma, está sob risco de desaparecer e temos que nos unir nas diferenças para superar a crise.

Acho que a grandeza desse Papa não será ele definir as coisas, mas deixar que se discutam. E eu acho que ele vai respeitar as pessoas, porque a maioria não é homossexual, ou homoafetivo, por opção. As pessoas se descobrem homoafetivas.
 
E ele vai dizer: “ande diante de Deus, não se sinta excluído”. Vai dizer que (os homoafetivos) são tão filhos e filhas de Deus quanto os outros. E daí respeitar. Talvez ele diga “não chame matrimônio, que é um conceito jurídico-canônico”.
 
Mas uma união responsável, que merece a benção de Deus, e que tenha uma proteção jurídica, que tenha seu lugar na Igreja, que possam frequentar os sacramentos. Esse seguramente vai ser o caminho dele.

Sul21 – E com essas posições do Papa Francisco, o senhor acha que Igreja Católica talvez consiga recuperar fiéis diante do avanço das igrejas evangélicas?

Leonardo Boff – Esse Papa não é proselitista e diz claramente que o evangelho deve atrair pela sua beleza, pelo seu conteúdo humanitário. Ele não está interessado em aumentar o número de cristãos, em fazê-los voltar.
 
Está interessado em que as pessoas, com a situação confessional que têm, se coloquem a serviço da humanidade, das coisas boas que a humanidade precisa para viver humanamente.

É aquilo que nós chamamos de “ecumenismo de missão”. Estamos divididos, é um fato histórico, mas não é uma divisão dolorosa.
 
Porque cada um tem seus “santos”, profetas e mestres. Mas como nós juntos nos reconhecemos mutuamente nas diferenças e como juntos vamos apoiar os sem terras, os sem tetos, os marginalizados, as prostitutas. Esse serviço nós podemos fazer juntos.

“Ninguém é a favor do aborto em si, as mulheres que fazem aborto não pediram por isso. Mas muitas vezes passam por situações tão delicadas que precisam tomar essa decisão”

Sul21 – Muitas pessoas usam a religião para justificar opiniões conservadoras, machistas e homofóbicas. Qual a sua opinião sobre essas posições?

Leonardo Boff – Há o exemplo concreto do aborto nas últimas eleições. Isso mobilizou as igrejas, foram até o Papa, fizeram pressão sobre os fiéis. Eu acho que é uma falsa utilização da religião.
 
A religião não foi feita para isso. E todos devem reconhecer, e são obrigados a reconhecer pela Constituição, que há um Estado que é laico e pluralista. Ele não assume nenhuma religião e respeita a todas entro do marco constitucional.
 
Então essas pessoas pecam contra o princípio fundamental da democracia, não são democratas. Eles podem ter a opinião deles, mas não podem impô-la.

É muito fácil a posição deles, a de salvar a criancinha. E depois que a salvou a deixa na rua, abandonada, passando fome e morrendo. E nem têm compaixão pelas mais de cem mil mulheres que morrem por ano por causa de abortos malfeitos. Precisamos superar esse farisaismo.
 
São pessoas que pecam contra a democracia e contra a humanidade, contra o senso humanitário. Ninguém é a favor do aborto em si, as mulheres que fazem aborto não pediram por isso.
 
Mas muitas vezes passam por situações tão delicadas e dilacerantes que as levam a tomar essa difícil e dolorosa decisão.

O que eu aconselho e o que muitos países fizeram como a Alemanha, o Canadá, inclusive a Espanha e a Itália, que são cristianíssimas e permitiram o aborto, pediram que houvesse um grupo de acompanhamento, que converse com a mulher e explique o que significa.
 
E deixar a decisão a ela, se ela decidir vamos respeitar a decisão. Mas ela faz com consciência.
 
Isso eu acho que seria democrático e seria responsável diante da fé, você não renuncia à tua fé, mas respeita a consciência, que é a instância última a que responde diante de Deus.

“Então eles têm um país que foi vítima do nazismo e utiliza os métodos do nazismo para criar vítimas. Essa é a grande contradição.”

Sul21 – Algumas igrejas aqui cobram dízimo dos fiéis, muitas vezes dizem que para agradecer a Deus as pessoas têm que pagar as igrejas. Qual a sua opinião e como a teologia da libertação vê essa prática?

Leonardo Boff – São igrejas do chamado “evangelho da prosperidade”, dizem que você dá e Deus te devolve em dobro. Eu acho que é um abuso, porque religião não foi feita para fazer dinheiro.
 
Foi feita para atender as dimensões espirituais do ser humano e dar um horizonte de esperança.
 
Agora quando a igreja transforma a religião num poder econômico, como a Igreja Universal do Reino de Deus, que em Belo Horizonte tem um shopping ao lado, chamado de “o outro templo”, que é o templo do consumo, e depois do culto as pessoas são induzidas a comprar. Para mim, é a perversão da religião.
 
Inclusive acho que é contra a Constituição utilizar a religião para fins não naturais a ela. Eu combato isso, sou absolutamente contra.
 
Porque isso é enganar o povo, é desnaturar e tirar o caráter espiritual da religião. A religião tem que trabalhar o capital espiritual, e não material.

Sul21 – E em relação a essa crise violenta entre Israel e a Faixa de Gaza, em que o Estado de Israel já matou centenas de pessoas, como o senhor acha que o resto do mundo deveria agir em relação a isso? O Papa poderia ser uma pessoa a mediar o conflito?

Leonardo Boff – Esse Papa é absolutamente contemporâneo e necessário. Acho que é o único líder mundial que tem audiência e eventualmente poderia mediar essa guerra de massacre criminosa que Israel está movendo contra Gaza.

E eu acho que grande parte da culpa é do Obama, que é um criminoso. Porque nenhum ataque com drones (avião não tripulados) pode ser feito sem licença pessoal dele.
 
Estão usando todo tipo de armas de destruição, fecharam Gaza totalmente, ficou um campo de concentração, e vão destruindo e matando centenas de inocentes, crianças e idosos.
 
Esses israelenses foram vítimas do nazismo (não esqueçamos os ciganos,os homoafetivos,os deficientes e os que se opunham ao regime) e agora criam vítimas à semelhança do nazismo. Essa é a grande contradição. É isso que nos dói em toda esta situação de guerra.

E os Estados Unidos apoiam, o Obama e todos os presidentes são vítimas do grande lobby judeu, que tem dois braços: o braço dos grandes bancos e o braço da mídia.
 
Eles têm um poder enorme em cima dos presidentes, que não querem se indispor e seguem o que dizem esses judeus radicais, extremistas e que se uniram à direita religiosa cristã.
 
Isso está aliado a um presidente como Obama que não tem senso humanitário mínimo, compaixão para dizer “acabem a matança”.

“Mas tudo o que dá sentido humano não entra no PIB: o amor, a solidariedade, a poesia, a arte, a mística, os sábios. Isso é aquilo que nos faz humanos e felizes.”

Sul21 – Qual a sua avaliação da atual disputa para a presidência da República?

Leonardo Boff – Notamos que é uma disputa de interesses de poder. Não se discute o projeto Brasil, se discute poder. O que eu acho lamentável porque não basta ter poder, o poder é um meio.
 
Eu vejo que há duas visões de futuro. Uma é mais progressista e republicana que é levada pelo atual governo baseada em políticas públicas, visando a inclusão para os mais pobres.
 
E eu torço que ele ganhe. Mas ganhar para avançar, não para reproduzir a mesma agenda. Ele atingiu o primeiro passo, de incluir milhões de pessoas que têm agora direito de consumir o mínimo, de comida, ter geladeira, casa, luz. Isso é direito de todo cidadão.
 
Essa etapa eu acho que o governo cumpriu e bem e deve consolidá-la. Mas agora vem uma nova etapa, porque o ser humano não tem só fome de pão.
 
Tem fome de escola, beleza, lazer, participação na vida social, dos espaços públicos, de transporte que não gaste tanto o tempo de vida.

E há os que querem seguir o neoliberalismo montado sobre o mercado, o Estado mínimo, um tipo de austeridade que gera desemprego, rebaixa os salários e destrói as conquistas sociais, e priviligia atender antes os bancos do que as demandas da população.
 
Isto está sendo imposto e não está dando certo na Grécia, em Portugal,na Espanha na Itália, na Irlanda, que é o capitalismo financeiro mais voraz e acumulador e o mais radical que houve na história.
 
Aplicado ao Brasil significa a imposição da austeridade que implica o arrocho salarial, o aumento o superávit primário, que é aquele bolo com que se paga os rentistas. Há a visão de futuro que quer enquadrar o Brasil nesse tipo de globalização que é boa para o capital, porque nunca os capitalistas enriqueceram tanto.
 
Tanto que nos Estados Unidos 1% tem o equivalente a 99% da população, enquanto no Brasil 5 mil famílias controlam o equivalente a 43% do PIB. São famílias da casa-grande, que vivem do capital especulativo.

Acho que nós temos que vencer democraticamente esse projeto, porque não é bom para o povo.
 
Mesmo com todos os defeitos e violações de ética que houve, erros que o PT cometeu, ainda assim este projeto é o mais adequado para o Brasil. Agora se for ganhar é para avançar e melhorar.
 
Caso contrário os do outro projeto internalizarão o sistema que provocou a crise global e entâo corremos o risco de perder os avanços alcançados. Não podemos mais retroceder.

Sul21 – O senhor mencionou a crise econômica pela qual passam a Grécia, Espanha e países europeus que seguem o neoliberalismo. Há maneiras de reverter a crise?

Leonardo Boff – A Europa está tão enfraquecida e envergonhada que nem mais aprecia a vida. Aquilo que mais escuto em cada palestra que vou na Europa é pessoas me pedindo “por favor, me dê esperança”.
 
Quando um povo perde esperança, perde o sentido de viver. Isso acontece porque alcançaram tudo que queriam, dominaram o mundo, exploraram a natureza como quiseram, ganharam um bem-estar que nunca houve na História e agora se dão conta que são infelizes.
 
Porque o ser humano tem outras fomes. Fome de amar e ser amado, de entender o outro, conviver, respeitar a natureza.

E tudo isso foi colocado à margem. Só conta o PIB. Mas tudo que dá sentido humano não entra no PIB: o amor, a solidariedade, a poesia, a arte, a mística, os sábios. Isso é aquilo que nos faz humanos e felizes.
 
E essa perspectiva em que só contam os bens materiais poderá levar a humanidade a uma imensa tragédia. Dentro do sistema capitalista, não há salvação para a Terra e a Humanidade.
 
Por duas razões. Primeiro porque nós encostamos nos limites da Terra. É um planeta pequeno, com a maioria dos recursos não renováveis. O sistema tem dificuldade de se auto-reproduzir, porque não tem mais o que explorar.
 
E segundo porque os pobres, que antes da crise que eram 860 milhões, pularam, segundo a FAO, para um bilhão e 200 milhões. Há pois duas injustiças: a social e a e ecológica.

Então esse sistema não é bom para a humanidade, não é bom para a ecologia e pode levar eventualmente a uma crise ecológica social com consequências inimagináveis, em que milhões de pessoas poderão morrer por falta de acesso à água e alimentação.
 
Esse sistema, contem uma perversidade total: transformou tudo em mercadoria. De uma sociedade com mercado passou para uma sociedade só de mercado, transformando tudo em mercadoria, também a vida e a alimentação.
 
O pobre tem que atender suas necessidades no mercado. Mas não dispõe de dinheiro. Então diante da mesa farta, passa fome e fica como os cachorros esperando que caiam migalhas da mesa dos opulentos e desumanos.

“Essa nova relação com a natureza e o mundo é o que precisamos desenvolver para ter uma relação que não seja destrutiva e possa fazer com que a humanidade sobreviva.”

Sul21 – O senhor se preocupa também com o avanço da extrema direita na Europa?

Leonardo Boff – É a reação normal de quando há uma crise maior que alguns postulem soluções radicais. No caso da Europa, é a xenofobia. Mas são todos países que têm problema de crescimento negativo de população.
 
A Alemanha tem que importar 300 mil pessoas por ano para manter o crescimento mínimo de população, e na França a situação é parecida. Então estão em uma dificuldade enorme, porque precisam deles, mas ao mesmo tempo, querem os expulsar.
 
Há o risco de que haja um processo que gerou a Segunda Guerra Mundial, que era fruto da crise de 1929 que nunca se resolvia, até que a direita criou o nazifascismo. Mas hoje o mundo é diferente, é globalizado.
 
Não dá para resolver a questão de um país sem estar vinculado aos outros. Nem se pode usar a violência porque ela é demasiadamente destrutiva, pode liquidar com toda a humanidade.

Sul21 – Os governos da América Latina oferecem uma alternativa a esse modelo europeu que está em crise?

Leonardo Boff – Muitos veem, como o (sociólogo português) Boaventura de Sousa Santos, que na América Latina há um conjunto de valores vividos pelas culturas originárias que podem ajudar a humanidade a sair da crise.
 
Especialmente com a característica central do bem-viver, que significa ter uma relação respeitosa para com a natureza, entender a Terra como mãe, que nos dá tudo que precisamos ou podemos completar com o trabalho.
 
A economia não é de acumulação mas de atendimento coletivo das demandas humanas.
 
E inventaram a democracia comunitária, que não existe no mundo, é uma invenção latino-americana, em que os grupos se reúnem e decidem o que é melhor para eles, e o país é feito por redes de grupos de democracias comunitárias.
 
Essa nova relação com a natureza e o mundo é o que precisamos desenvolver para ter uma relação que não seja destrutiva e possa fazer com que a humanidade sobreviva.

Há uma revisitação das culturas originárias, porque elas têm ainda respeito com a natureza, não conhecem a acumulação que devasta os ecossistemas.
 
São valores já vividos pelas culturas andinas, sempre desprezadas e hoje estudadas por grandes cientistas e sociólogos que percebem que aqui há princípios que podem nos salvar. Em vez de falar de sustentabilidade, respeitar os ritmos da natureza.
 
Em vez de falar de PIB e crescimento, garantir a base físico-química que sustenta a vida. Porque sem isso a vida vai definhando.
 
E em vez de crescimento, redistribuição da renda. É tanta riqueza acumulada que se houvesse 0,1% de taxa sobre os capitais que estão rolando nas bolsas, estão na especulação, daria um fundo de tal ordem que daria para a humanidade matar a fome e garantir habitação.
 
Porque o capital produtivo é de U$ 60 trilhões, enquanto o especulativo é U$ 600 trilhões. Então é uma economia completamente irracional e inimiga da vida e da natureza. E não tem futuro, caminha para a morte. Ou nos levará todos para a morte, ou eles mesmos se afundarão.

“Nós não “temos violência” no Brasil, nós estamos sentados em cima de estruturas de violência. É um estado de violência permanente.”

Sul21 – E onde entra o papel do Brasil no âmbito ecológico? Os governos têm conseguido lidar com as questões ambientais?

Leonardo Boff – O Brasil é a parte do planeta mais bem dotada ecologicamente. Tem as maiores florestas úmidas, maior quantidade de água, maior porcentagem de terrenos agriculturáveis no planeta.
 
Mas não têm consciência de sua riqueza. E as políticas públicas não têm nenhuma estratégia de como tratar a Amazônia, tratar os vários ecossistemas. Sempre é em função da produção.
 
Então estão avançando sobre a floresta Amazônica e o Cerrado e deflorestando para ter soja e gado.

E o Ministério do Meio Ambiente é um dos mais fracos, assim como o dos Direitos Humanos. Isso significa que não conta a vida, conta a economia. Eu acho lamentável isso. E essa crítica tem que ser feita pelos cidadãos.
 
Apoiamos um projeto de governo, mas nisso discordamos. Porque implica ignorância, irresponsabilidade cegueira estratégica governamental.
 
Muita coisa do futuro da humanidade passa por nós, especialmente água potável, que possivelmente será a crise mais grave, até mais do que aquecimento global. E o Brasil tem capacidade de ser a mesa posta para as fomes do mundo inteiro e fornecer água potável para os povos.
 
Acho que não temos consciência da nossa responsabilidade. Os governantes são vítimas ainda de uma visão economicista, obedecem as regras da macroeconomia. A nossa relação com a natureza não é de cooperação, é de exploração.

Sul21 – Como o Brasil pode lidar com o grave problema de violência urbana?

Leonardo Boff – O problema que deve ser pensado é de que já agora 63% da humanidade vive nas cidades, no Brasil 85%. Não dá mais para pensar apenas na reforma agrária, tem que pensar como vão viver as pessoas nos centros urbanos. Trata-se de distribuir a terra e distribuir a cidade.
 
Nós vivemos no Brasil a vergonha de que todas as cidades têm um núcleo moderno cercado por uma ilha de pobreza e miséria, que são as favelas.
 
Esse é um problema não resolvido e para mim central na campanha: como trabalhar os 85% que vivem nas cidades, já perderam a tradição rural, de plantar e viver da natureza, e não assimilaram a cultura urbana. Então são perdidos.
 
Daí o aumento da criminalidade. E muitos dizem que a sociedade têm um pacto social que rege o comportamento dos cidadãos. Os marginalizados dizem: “vocês nos excluíram do pacto, então não somos obrigados a aceitar as leis de vocês, vamos criar as nossas”.
 
As milícias do Rio criaram funções de Estado paralelas, criam sua organização e distribuição de alimentos, de gás, garantem a segurança e o governo é impotente. E as UPPs não são a solução, porque cria ilhas e as drogas ficam nas margens.
 
O problema não é de polícia, é do tipo de sociedade que nós criamos, montada em cima do colonialismo, escravagismo e etnocídio dos indígenas. Nós não “temos violência” no Brasil, nós estamos sentados em cima de estruturas de violência. É um estado de violência permanente.

Sul21 – E como o país pode fazer para fugir disso?

Leonardo Boff – Aquilo que já começou com as política sociais e aprofundá-las e parar de fazer políticas ricas para os ricos e pobres para os pobres; fazer a urbanização das favelas, políticas de integração, inclusão, começando pela educação. Porque onde há educação a pessoa se habilita a se autodefender, buscar novas formas de sobrevivência.
 
Um país que não investe em educação e saúde conta com pessoas ignorantes e doentes. E com essas pessoas não têm como dar um salto de qualidade. Para mim esse é o grande desafio e isso deveria ser discutido nas campanhas, e nos partidos.
 
Desafiar todo mundo: “como vamos sair disso?”, porque tende a piorar cada vez mais. Essa seria uma política ética, digna, onde o bem comum estaria no centro e somaria forças, alianças de pessoas que se propõem a mudar as estruturas que sustentam um Estado injusto, que tem a segunda maior desigualdade do mundo.
 
Desigualdade significa injustiça que é uma falta ética, e injustiça é tambem um pecado social estrutural, mortal que afeta Deus.Isso é que deveria ser discutido e não o é. Lamentavelmente.
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* Teólogo. Filósofo. Escritor. Ecologista.
Fonte: http://correio.rac.com.br/_conteudo/2014/07/blogs/leonardo_boff/193886-dentro-do-capitalismo-nao-ha-salvacao.html
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Obra de escritor suíço é comparada à série Twin Peaks

Joël Dicker, escritor é atração na Flip<br /><b>Crédito: </b> Luiz Gonzaga Lopes / Especial / CP
 Joël Dicker, escritor é atração na Flip
Crédito: Luiz Gonzaga Lopes / Especial / CP 

Joël Dicker, uma das atrações da Flip, em Paraty, no Rio de Janeiro, conversou com o Correio do Povo

O escritor suíço Joël Dicker, uma das atrações da Festa Literária de Paraty (Flip), no Rio de Janeiro, veio ao evento apresentar seu livro, "A Verdade Sobre Harry Quebert", obra que já foi comparada à série de televisão "Twin Peaks", de David Lynch. Na obra, o desenrolar da investigação policial sobre a morte de Nora Kellergan, de 15 anos, ocorrida em 1975, numa pequena cidade dos Estados Unidos, traz à tona as escolhas sentimentais de pessoas que, por uma razão ou por outra, abandonaram sonhos e ambições, e reflexões sobre a ideia do sucesso, que pode assustar mais do que o fracasso. Harry Quebert é um escritor de sucesso que é acusado do crime e Marcus Goldman, um autor de sucesso que deve tudo a Harry, faz sua investigação paralela e colocará a história em livro para inocentar Harry. Na verdade, também é uma história de lealdade entre amigos e escritores e também entre amores, de Harry por Nora, de Nora por Harry, de Jenny por Harry, de Travis por Jenny e assim por diante.

Na França, a obra vendeu 1 milhão de exemplares em 2012. A Verdade Sobre Harry Quebert é o seu segundo romance (ele já escreveu seis livros ao todo). Com 28 anos, Dicker abandonou o emprego no Parlamento de Genebra no final da década passada para se tornar escritor em tempo integral. Em conversa rápida na Casa Intrínseca da Flip, em Paraty, Dicker falou sobre o livro, os personagens e sobre literatura em geral.

Correio do Povo - Perto do final do livro, Harry diz a Marcus que o bom livro é aquele que lamentamos ter terminado. O que você tem a dizer sobre esta frase?

Joël Dicker – Você que leu pode me dizer melhor (risos). É difícil dizer porque é o Harry falando para o Marcus. No livro, tento inventar frases que se misturem entre os capítulos. Não sigo uma regra. Neste final, eu compartilho a verdadeira voz de Harry Quebert, de que o escritor pode se sentir mal pelo livro ter terminado. A diferença entre séries de TV e DVDs para os livros é que é o leitor que decide o tempo que vai levar na leitura, pode ser em um dia ou em um mês, enquanto que numa série há um capítulo e há um final numa data marcada. O leitor controla o tempo, a única coisa que ainda não pode controlar é o final. Pode parecer óbvio, mas é a verdade.

CP - Existem algumas pessoas reais que inspiram os personagens do livro?
Dicker – Todos os personagens Harry, Marcus, Jenny, Nora eu criei a partir das referências que eu tenho em relação ao tipo de pessoa descrita. Claro que existem alguns detalhes, pois o Marcus está com a mesma idade que o Harry escreveu o seu livro de sucesso, As Origens do Mal. O que eu quero dizer é que não me sinto tão perto deles. Não conheço ninguém igual. São pessoas que eu criei a partir de várias referências de idades, classes e também de viagens, pois desde pequeno passei as férias de família na Nova Inglaterra, principalmente no Maine.

CP - O que você conhece da literatura brasileira?
Dicker – Eu li recentemente numa edição em inglês ao livro de José Mauro de Vasconcellos, "Meu Pé de Laranja Lima". Me senti parte da história, daquele menino num lugar distante como o Brasil. Eu fiquei muito impressionado com a narrativa e a atmosfera do livro. E agora estou lendo numa edição em francês a obra "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis. É a minha primeira vez no Rio e em Paraty e Machado consegue dar uma ideia ampla de como era o Rio no final do século 19, daquela atmosfera de grande Brasil, a partir deste narrador morto.

CP - O seu livro é sucesso de público, mas também faz algum sucesso entre os escritores, principalmente os iniciantes. Você tem algum conselho para eles?

Dicker – Bom, primeiro quero dizer que também sou iniciante, apesar de já ter vendido muitos livros, não me considero um veterano. No livro, Harry dá conselhos para Marcus no início de cada capítulo. Faz parte do método de criação do livro dentro do livro. O meu conselho aos escritores iniciantes é que trabalhem duro e continuem trabalhando, quando estiverem com vontade de parar, que tenham uma ideia e uma estrutura do que querem. Existem muitas coisas para fazer na vida, mas para um escritor não há saída, há a vida e a escrita. Que vivam, mas que escrevam mais. 
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Fonte: Correio do Povo online, 31/07/2014

OS ÍDOLOS DA NOVA GERAÇÃO DE BRASILEIROS

 Anna Carolina Negri/Valor / Anna Carolina Negri/Valor
 Flávio Augusto da Silva, 42, que fundou a rede Wise Up, administra o fundo T-BDH e
 é dono do Orlando City Soccer Club, 
é um dos escolhidos pelos jovens

Você admira algum líder da atualidade? Se sim, qual o nome dele? Qual característica deste líder o levou a escolhê-lo? Essas perguntas foram respondidas por 51.674 jovens brasileiros entre 17 e 26 anos - dos quais 55% já estão no mercado de trabalho - e trouxe um resultado tão diverso quanto curioso.

Pouco mais da metade dos respondentes disse admirar um líder e Barack Obama foi o nome mais citado, seguido pelos gurus da tecnologia Steve Jobs e Bill Gates. Já Mark Zuckerberg ficou com a quinta posição, atrás do empresário brasileiro Jorge Paulo Lemann, que estreou no ranking junto a Flávio Augusto da Silva, fundador da escola de inglês Wise Up.

Embora o presidente dos Estados Unidos tenha sido o mais admirado, os políticos perderam espaço na comparação com o levantamento do ano passado. Lula e Dilma, presentes em 2013, não estiveram entre os mais lembrados agora. Outra mudança foi o desaparecimento de Eike Batista e o retorno de Silvio Santos. Joaquim Barbosa, Roberto Justus e o Papa Francisco completam o top 10 (veja quadro).

A razão mais votada para escolher um líder foi empreendedorismo e capacidade de inovar. De acordo com Adriana Chaves, diretora de desenvolvimento e carreira da Cia. de Talentos, que realizou a pesquisa em parceria com a Nextview People, isso mostra que essa geração, de fato, pensa diferente das anteriores. Características pessoais, causa pela qual luta e/ou valores, e visão sistêmica - clareza de onde quer chegar e de como fazê-lo - foram outros fatores valorizados.

Segundo Adriana, o noticiário e a mídia de maneira geral ainda exercem grande influência nos jovens em uma escolha dessa natureza. Por outro lado, alguns nomes começam a cair nas graças dessa geração em razão da forte presença no mundo virtual. A entrada de Lemann entre os mais admirados, no entanto, deve-se a uma somatória de tudo isso.

Ainda que sempre preze pela discrição, ele voltou a ganhar destaque nos últimos meses ao firmar uma parceria com o magnata americano Warren Buffett e comprar marcas famosas como a Heinz. Após o império de Eike Batista ruir, passou a ser chamado de "o verdadeiro bilionário do Brasil" e "o mais bem-sucedido empresário do país". Além disso, é o nome forte por trás da Fundação Estudar, que tem presença ativa na internet e oferece bolsas para que brasileiros possam estudar nas melhores universidades do mundo.

O carioca Flávio Augusto da Silva, de 42 anos, tem uma imagem parecida perante o público jovem. Após fundar e vender a rede de escolas de inglês Wise Up para a Abril Educação, no ano passado, por R$ 877 milhões, atualmente ele administra seu fundo de investimentos T-BDH e é dono do Orlando City Soccer Club. O time de futebol dos Estados Unidos recentemente ascendeu à primeira divisão da liga americana e contratou o jogador Kaká, emprestado ao São Paulo até o fim do ano.

Mesmo com sua bem-sucedida trajetória profissional, foi com o canal "Geração de Valor", no Facebook, que conquistou e a admiração de milhões de estudantes e recém-formados. Lá, ele dá dicas sobre carreira, empreendedorismo e compartilha suas experiências usando uma linguagem informal e próxima de seus seguidores. "Embora não trabalhe com este fim, ser reconhecido como uma inspiração é gratificante na medida em que considero essa uma função útil. Afinal, toda grande ideia ou projeto começa de um 'insight'. Meu desejo é fazer jus a essa confiança e continuar colaborando com os jovens brasileiros", afirma.

Silva se diz um apaixonado pelas novas gerações, que considera versáteis, inteligentes, ávidas por inovação e com uma enorme vontade de transformar o mundo. "Com sua afinidade com a tecnologia e novas formas de comunicação, o jovem está em busca não apenas de um emprego para pagar as suas contas, mas de um propósito. O prazer na jornada é tão importante quanto o destino", enfatiza. Em sua opinião, as empresas que compreenderem isso vão atrair os melhores talentos.

 

A pesquisa contemplou também uma lista apenas com líderes brasileiros. Dentre estes, quem mais chama atenção é Bel Pesce, de apenas 26 anos de idade. Ela é fundadora da escola de desenvolvimento de talentos FazINOVA e se tornou um modelo de empreendedorismo e sucesso para os jovens. "Sou uma pessoa totalmente comum que conseguiu alcançar sonhos grandes. Eu represento que tudo é possível se você se dedicar de cabeça e de coração."

Quando tinha 17 anos, Bel conseguiu ser aprovada no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos. Durante os estudos, trabalhou na Microsoft, Google e Deutsche Bank e, após a conclusão do curso, mudou-se para o Vale do Silício. Lá, participou da criação e desenvolvimento de startups e escreveu seu primeiro livro "A Menina do Vale" - disponibilizado gratuitamente na internet em 2012 e que atingiu a marca de um milhão de downloads em menos de três meses. "Procuram-se Super Herois" saiu no ano seguinte e, em setembro, ela pretende lançar "A Menina do Vale 2".

De volta ao Brasil, onde comanda a FazINOVA, Bel aposta na força de vontade e sede por responsabilidade da nova geração. "Quando falo dos jovens, falo também um pouco de mim. Queremos fazer mil coisas ao mesmo tempo e acabamos nos enrolando. O desafio está em canalizar essa energia em um objetivo. Quando acontece, é mágico", ressalta.

Outro nome que apareceu no ranking nacional é o da presidente da Petrobras, Graça Foster. Mesmo com as denúncias e escândalos envolvendo o nome da empresa, Danilca Galdini, sócia-diretora da Nextview People, afirma que essa não chega a ser uma escolha surpreendente. Das pessoas que votaram na executiva, 74% são mulheres. Dentre as principais razões para o voto estão a habilidade de superar barreiras e vencer preconceitos, e características como determinação e disciplina.

Na opinião de Danilca, o jovem cada vez mais "customiza" seus líderes. Isso significa que ele não elege alguém que considera perfeito, mas que o inspira de alguma maneira. "A Graça Foster representa isso. Ela começou cedo, em um cargo de entrada, e conseguiu chegar ao topo", explica.

As características que levaram os jovens a admirarem esses líderes, contudo, não são as mesmas que eles julgam essenciais para quem for ocupar a posição. Nessa hora, pesa mais ter iniciativa, inspirar e motivar, ter conhecimento sobre a área, trabalhar em equipe, mostrar coerência entre a fala e a ação, e desenvolver outras pessoas.

De acordo com Adriana, da Cia. de Talentos, os próprios respondentes dizem já ter boa parte dessas qualidades, ainda que estejam no início da carreira. "Eles fazem uma autoavaliação bastante otimista a respeito dos aspectos comportamentais. É como se faltasse apenas melhorar a parte técnica e estratégica para que pudessem assumir um cargo de comando", afirma.

Mas é preciso ir com calma. Por ser um dos executivos mais admirados pelos jovens, Flávio Augusto da Silva tem envergadura para aconselhar: "Como em toda nova geração, aprender com os erros e os acertos de seus antecessores é uma questão de inteligência. Os que tiverem essa humildade vão chegar mais longe."
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Reportagem Por Rafael Sigollo
Fonte: Valor Econômico online, 31/07/2014

Literatura atual compete com cinema e videogame, diz Joël Dicker

 
 Dicker. Anunciado como ‘o melhor que veio da Suíça desde Federer’, 
vendeu 2 milhões de cópias mas dividiu a crítica

Mais jovem escritor da Flip, o suíço quer escrever livros únicos, que marquem os leitores e os estimulem a ler mais

PARATY, RJ — Desde que chegou ao Rio, na última sexta-feira, o escritor suíço Joël Dicker vem coletando ideias para seu próximo romance. No Pão de Açúcar, ao notar a antiga Ilha da Trindade, imaginou um protagonista vivendo sozinho na área preservada.

Nas várias churrascarias que visitou, notou os nomes dos garçons de diferentes origens e pensou no que trouxe as famílias de cada um ao país. Não à toa, o autor do calhamaço de quase 600 páginas “A verdade sobre o caso Harry Quebert” (Editora Intrínseca), que vem à Flip discutir “Fabulação e mistério” com a neozelandesa Eleanor Catton hoje, tornou-se um defensor das narrativas intrincadas e do entretenimento na literatura.

A história de um escritor prodígio americano que acaba investigando um crime de que é suspeito seu mentor, Harry Quebert, em uma cidadezinha litorânea dos Estados Unidos, já vendeu mais de dois milhões de livros.

Além de render a Dicker o Grande Prêmio do Romance da Academia Francesa, em 2012, e levá-lo à final de outro prêmio francês, o Goncourt. A crítica no Brasil, Estados Unidos e Inglaterra, no entanto, dividiu-se a respeito do suspense recheado de metalinguagem e sucesso de público.

— Quando os jornalistas perguntaram aos jurados da Academia Francesa por que um livro de suspense mereceu o prêmio, um deles respondeu que não lia um livro que não fosse entediante há muito tempo. Desde os anos 1950, os franceses deixaram de considerar livros com boas histórias como literatura. É como se negássemos a tradição de nomes como Émile Zola, Victor Hugo e Guy de Maupassant. O que eram eles senão contadores de histórias? — questiona Dicker.

Há dois anos promovendo “A verdade sobre o caso Harry Quebert” pelo mundo, Dicker não parece afetado pelo bloqueio criativo de que sofre o protagonista do livro, Marcus Goldman. Depois de um segundo livro de sucesso, Goldman não consegue escrever em seu apartamento luxuoso em Nova York. Decide visitar na fictícia Aurora, em New Hampshire, seu professor de faculdade e melhor amigo Harry Quebert — também ele um autor consagrado pela obra-prima “As origens do Mal”, de 1975. Ele retorna a Nova York sem nada até que descobre pela TV que o corpo de uma adolescente, Nola, que havia desaparecido no ano em que o clássico de Harry foi lançado, fora enterrada no jardim do professor. Harry, ainda por cima, revela ter tido um caso com Nola. Marcus começa a investigar a história acreditando na inocência do amigo e, no meio do caminho, escreve um livro homônimo ao que temos em mão. A metalinguagem e os comentários sobre a indústria dos livros permeiam toda a obra.

‘Eu sou um escritor jovem. Já cometi muitos erros 
e vou continuar cometendo’
 - Joël DickerFlip 2014
 
— Eu não considero “A verdade...” um livro de suspense. Não costumo ler livros desse gênero e, originalmente, na França, ele não foi vendido assim. Mas os editores estrangeiros conversaram sobre qual seria a melhor forma de vendê-lo e decidiram por essa estratégia. Para mim, um livro de suspense tem sua estrutura inteira baseada no crime. Não se sustenta sem isso. Se você tirasse o crime do meu livro, teria a história das relações entre Marcus e Harry, Harry e Nola, Nola e o pai. É, na verdade, uma narrativa sobre relacionamentos.

UM ESCRITOR METÓDICO

Durante a entrevista, o escritor de 29 anos, um dos convidados mais jovens da Flip, se revelou metódico e destacou algumas regras que norteiam sua escrita. Uma delas é que a literatura deve entreter os leitores, pois, segundo Dicker, o dever de um escritor nos dias de hoje é tornar os livros tão atraentes quanto o cinema e os videogames.

— Não competimos só com outros livros, mas com computadores, cinema... Enquanto isso, a literatura é vista como algo velho, empoeirado. Nas escolas francesas que visitei após o lançamento do livro, muitos alunos comentavam “você é o primeiro escritor vivo que lemos”. Por isso fico empolgado com a valorização de autores como Eleanor Catton, que trazem novos pontos de vista a discussões em festivais como a Flip. Não quero, porém, vender só um produto. Quero escrever livros únicos, que marquem os leitores e os estimulem a ler mais livros.

Outra regra de Dicker é que todos os nomes dos personagens devem ter um valor para a história. Do editor americano de Dicker aos críticos nos Estados Unidos, a escolha de nomes incomuns no país chamou atenção. O crítico do “Washington Post” Richard Lipez chegou a dizer que nomes como Perry Galahowood e Stephanie Larjinjiak pareciam anagramas ou erros de digitação. Já outros críticos viram no personagem Benjamin Roth, advogado de Marcus Goldman, uma referência ao escritor americano Philip Roth.

— Eu sou um escritor jovem. Já cometi muitos erros e vou continuar cometendo. Mas espero melhorar a cada livro. Não pensei que veriam o advogado como uma referência a Philip Roth, embora ele seja uma influência literária para mim. Foi talvez o único nome que eu escolhi sem pensar muito e agora me arrependo. Com todos os outros fiz diferente e os defendi quando o meu editor americano disse que eles não pareciam americanos o suficiente. Como o Brasil, os Estados Unidos são feitos de imigrantes e não há só Johns e Peters por lá.

Nascido e criado em Genebra, Dicker passava os verões com a família no estado do Maine, nos Estados Unidos. Daí tirou a ambientação da história. Para seu próximo livro, cogita uma narrativa que se passe na sua cidade natal, onde se tornou uma estrela. Na Europa, o slogan de Dicker virou “o melhor que veio da Suíça desde o tenista Roger Federer”. Como alguns críticos, os próprios pais do escritor — a mãe trabalha em uma livraria e o pai é professor de literatura no Ensino Médio — levaram mais tempo para serem convencidos de seu talento.

— Logo que meu livro saiu, minha mãe só pedia uma cópia por vez e a escondia nas prateleiras entre outros escritores. Até que um dia ela passou por outra livraria em Genebra e viu na vitrine vários dos meus livros com recomendações de leitores e outros livreiros. Só assim ela decidiu que daria o mesmo destaque aos meus livros.
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Reportagem por por
Foto: Márcia Foletto / Márcia Foletto
Fonte: Jornal O Globo online, 31/07/2014

A era da desatenção

 Edson Athayde*
 

Você tem religião? Só vota num partido? É adepto de uma equipa de futebol?

Eu não.

Não há nada de mal em ser fiel, militante ou adepto mas o certo é que, hoje em dia, não é fácil comunicar-se através das redes sociais, sem ter certezas absolutas, sem pertencer a um grupo definido, sem acreditar em algo ou alguém acima de qualquer outra coisa.

O Facebook, o Twitter e quejandos são o paraíso do maniqueísmo, do preto ou branco, do veredito sem julgamento, do linchamento moral, da notícia sem facto, do boato, da fofoca, dos pensamentos rasos e piadas rasteiras (ou vice-versa).
Isso, aliado a era da desatenção em que vivemos (onde tudo o que necessita de mais do que meia dúzia de linhas para ser explicado não interessa), não augura nada de bom.

Estamos a desaprender a conviver com a opinião do outro, a comparar verdades. Estamos a tornar-nos autoritários, facciosos, cínicos, boçais, tergiversadores.

A carapuça vale para o engraçadinho que faz piada com a tragédia do voo MH-17. Vale para aquele que publica um link para uma notícia qualquer totalmente mentirosa e absurda sem verificar a sua origem (acompanhada com um comentário do tipo: “A ser verdade é muito grave...). Para os polemistas de plantão, para os odiadores.

A carapuça serve também para mim que posso (ou poderei) cometer qualquer um desses pecados. Por mais que tente não cometer.

Ou como diria o meu Tio Olavo: “Quando não se tem nada de positivo a dizer mais vale ficar calado”.
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* Jornalista português.
Fonte:  http://www.sabado.pt/Opiniao/Edson-Athayde/A-era-da-desatencao.aspx
Imagem da Internet

quarta-feira, 30 de julho de 2014

AMO-TE MESMO QUANDO TE ODEIO

 Eugénia de Vasconcellos*
Trabalho sozinha. Bem, sozinha não será rigoroso: há o Cão. Quem trabalha sozinho, em casa, em isolamento, com ou sem cão/gato, ou marido/namorado/híbrido, ou mulher/namorada/híbrido, ou mesmo mãe/pai, sabe:

1. Há dias desesperantes em que pensamos: Céus!, socorro, sou um daqueles anti-sociais psico-coiso-lailailai que um dia acorda terrorista bombista ou serial killer ou lá o que é. Não se preocupe, não é. Só precisa de apanhar ar. Isto trocado em miúdos quer dizer:

1.1 Convém estabelecer uma rotina diária de convívio. Oui!, ouviu bem seu indomesticado paradoxal, rotina diária de convívio é a magia que o vai obrigar a sair de casa. Pode ser um passeio a pé, um café de vinte minutos com um amigo, ir ao ginásio, enfim, o que quer que seja que o ponha na rua e em companhia, ou pelo menos a ver mundo e gente.

2. Há dias desesperantes: trabalhar em casa e sozinho para muitas pessoas é sinónimo de dolce far niente, portanto, o telefone toca a desmando, pedem-lhe mil favores e interrompem-no por dá cá aquela palha. Fazer o quê? Fácil.

2.1 A melhor palavra do mundo é sim. Mas quando se trabalha, é preciso dizer não. Não. Não. Sim?
3. Há dias desesperantes em que caímos do cavalo. Que quer isto dizer? Quando estamos imersos a trabalhar, trabalhamos, é certo, e o tempo passa, também é certo, e ficamos seguramente cansados, mas porra, é tão bom que nem se dá por ela. E, de repente, zás!, caímos do cavalo, nem trote quanto mais galope, estamos estatelados no chão e sequer conseguimos chegar perto da bicheza. Não é o nosso cavalinho, é o Diabo à solta... E agora, e agora?! Traduzido em miúdos e em palvras que fizeram escola: o drama, a tragédia, o horror… vamos ver.

3.1 Entre a sua competência e o seu objectivo deve haver correspondência, equilíbrio. Há? Se os perdeu, pode recuperá-los, por exemplo, através da investigação ou de qualquer outra estratégia de retoma, inclusive descansar. Qual é a sua? A minha são duas: é mudar de tarefa, embrenhar-me nela, e meditar. Sim, porque de vez em quando entro na fase da balda. Baldo-me à meditação e estatelo-me no chão. Mas, enfim, lá esqueço o cavalo completamente e quando dou por mim estou montada nele outra vez– mas enquanto estou na fase do drama, ó drama!

3.1.2 Isto, porém, não seria possível se não estivesse informada a respeito de moi-même e da mecânica deste relógio - um narcisismozinho básico  Sabe quais são os seus pontos fortes? Devia. Sabe quais são as suas fraquezas? Muito importante contar com elas, juro, mas juro, que vão aparecer sem convite. Tem objectivos claros e definidos? Quero dizer, tem um ideia clara de quem é, do que faz e, portanto, de quem será? Eu tenho muita sorte. Explico. Já passei dos quarenta, então tenho todo o tempo do mundo para ser quem sou e não perder tempo a ser outra pessoa qualquer, inclusive alguém a quem admire tremendamente. Na verdade, seria uma péssima outra pessoa. E por muito que aprecie o reconhecimento, a validação, a aprovação das pessoas que respeito, amo e admiro, se tiver de viver sem isso para ser quem penso dever ser, vivo. E se tiver de passar mal também. Olhe, mal ou bem são circunstâncias, não são a condição fundamental. Depois, tenho ainda a enorme vantagem de saber exactamente aquilo que quero e acreditar racional e irracionalmente em mim. Juntando tudo, dá um bom cocktail: não sou a mais rápida, mas sou resistente, sou receptiva/humilde, isto é, estou disponível para aprender e corrigir e refazer.

3.2 Enquanto estou estatelada aproveito para serviços de, vá, consultoria. Há para aí uma, pronto, duas, eventualmente três?, não, é exagero, pessoas em quem confio. Peço-lhes feed back do meu trabalho. Facadas! Só desgostos e facadas! Mentira…

3.2.1 Depois do feed back ajusto. Corrijo. Refaço. Ou mantenho isto e aquilo com absoluta convicção. E reestabeleço os objectivos, todavia faço-os sempre mais pequeninos, assim como quem está a convalescer, ai, ai, e só bebe um caldinho.

4. Há dias desesperantes em que nos sentimos a última das criaturas. Toda a gente faz melhor do que nós. E o pior é que há verdade nisto. Filhos da puta dos grandes mestres mortos e vivos! Sim, eles mesmos, os que nos inspiram a aspirar, são os que bem nos lixam, irra! Eu, atiro-me logo a eles: ai são melhores do que eu? Pois eu também posso ser melhor do que eu e vai ser com a vossa ajuda. Às vezes, muitas vezes, até me esqueço de tirar os livros espalhados na cama. Acordo com o estrondo de um a cair no chão.

5. Há dias desesperantes. Tudo correu mal no trabalho anterior, no dia anterior, no mês anterior. Podia ser pior? Sim, claro, se o tubarão do tio Spielberg nos viesse petiscar. O que apetece é desistir ou fazer férias. NÃO! Se tivesse um patrão podia faltar quando entrasse em modo Calimero? Vá trabalhar! Se não render, ao menos tentou. O trabalho tem de ser um ritual, olhe, como a higiene diária. Não interessa a disposição, sabe porquê? A disposição é flutuante e influencia-se. E se não o fizer vai auto-flagelar-se mais tarde. Para quê aumentar a quantidade chatices quando as pode reduzir? Eu tenho um mantra pessoalíssimo para quando falho: de tanto errar mais cedo que tarde acerto. E procuro uma coisa no youtube que me faça rir. E lá vou errar ou acertar.

6. Há dias desesperantes para quem escreve um romance. Nesses dias não se pode escrever um romance. Concentro-me em escrever um parágrafo. Umzinho só – nem que tenha de o mandar para o lixo mil vezes, e tenho a reciclagem cheia de parágrafos. Não faz mal, não me importo de ser paragrafista para ser romancista. Não há-de ser muito diferente para um compositor, ou pintor. Ou será?

7. Há dias desesperantes. Dias em que odiamos aquilo que fazemos. Mas o importante é que o trabalho seja como o amado: amo-te mesmo quando te odeio!
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* Poetisa e  escritora portuguesa.
Fonte: http://www.escreveretriste.com/author/eugenia/30/07/2014
Imagem da Internet

terça-feira, 29 de julho de 2014

Painel realizado em Porto Alegre debaterá como e onde devemos morrer

 Painel realizado em Porto Alegre debaterá como e onde devemos morrer Cynthia Vanzella/Agencia RBS
 Especialistas discutem escolhas que devem ser feitas por pacientes e pelos familiares de doentes terminais

Tema delicado, que inquieta e provoca desconforto entre a maioria das pessoas, a fase final da vida estará em debate nesta terça-feira, no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. O painel Como e Onde Devemos Morrer contará com participantes das áreas de medicina, bioética e literatura para tratar de situações relacionadas à terminalidade, aos cuidados paliativos e à difícil hora em que pacientes e familiares se veem forçados a tomar decisões transformadoras, muitas delas definitivas, no decurso de uma doença grave.

A ideia do evento, com entrada franca, é sugerir que o assunto seja abordado com mais naturalidade, para que todos tenham a chance de diluir suas resistências gradativamente e se antecipar a discussões que podem se mostrar impreteríveis em algum momento. 

— A sociedade moderna mudou. Antigamente, a morte era natural. Hoje, é considerada um acidente de percurso que não pode acontecer. Há dificuldade para aceitar quando chega a hora — comenta Luiz Antônio Nasi, professor do Departamento de Medicina Interna da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e superintendente médico do Hospital Moinhos de Vento.

Nasi estará ao lado do chefe do Serviço de Bioética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, José Roberto Goldim, e da escritora Lya Luft. Apresentará aos participantes, para que opinem a respeito, o resumo de um caso real, ocorrido nos Estados Unidos: a família de um paciente internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), conectado a diversos aparelhos, é convocada pela equipe médica para discutir a possibilidade de abreviar o intenso sofrimento do doente. 

— É um tema cada vez mais presente no ambiente hospitalar. Temos diversos recursos para prolongar a vida, como hemodiálise, respiradores e tratamentos oncológicos, que em determinados casos se tornam medidas fúteis e não trazem resultado significativo. O que se faz numa situação de doença terminal, em que não há mais tratamento? Em geral, a gente não entra nesse assunto, a não ser quando aparece — diz Nasi.

Goldim ressalta a importância de os profissionais auxiliarem as famílias a digerir o impactante prognóstico de uma curta sobrevida. A ideia da morte, salienta o professor de bioética, costuma estar envolta em um sentimento de negação. Habituado a lidar com questões delicadas da prática médica dentro do Clínicas, ele propõe tópicos para a reflexão: 

— Como a gente faz o enfrentamento da morte? Como a família e o paciente deparam com essa notícia? Como auxiliá-los no adequado entendimento disso? Todo mundo se preocupa muito com a vida e não muito com o viver. O viver inclui a qualidade de vida, tentar minorar o sofrimento, conseguir enfrentar isso de forma madura, independentemente da idade. Precisamos ajudar os pacientes a ter qualidade de vida mesmo em um curto espaço. 

Única participante leiga da mesa-redonda, a escritora Lya Luft elegeu a morte como um tema recorrente em sua produção literária recente. Para a autora santa-cruzense, não deve ser prolongado o uso de recursos médicos extremos, a menos que haja uma boa possibilidade de o paciente retomar uma rotina relativamente normal. Segundo Lya, é fundamental que o doente não sofra nos instantes finais e, se possível, tenha a chance de passá-los dentro da própria casa, e não em um hospital. 

— O ideal seria cada um morrer no seu ambiente, rodeado dos seus cheiros, dos seus lençóis, com a voz das suas pessoas, o som dos passos da família no corredor, podendo ver um pedacinho de céu — afirma. 

Conversa franca para encarar o prognóstico de curta sobrevida
 
Diante do inescapável de uma morte anunciada, a única saída é tentar minimizar o despedaçamento emocional que causa a separação de um familiar ou amigo.

Não há receita para se neutralizar a dor, mas existem sugestões para se enfrentar o inevitável com menos estragos.

A diretora de relações institucionais da Associação Brasileira de Mulheres Médicas (ABMM), Nise Yamaguchi, diz que nunca se "está preparado para morrer", ou aceitar o passamento de um afeto. No entanto, pondera que uma "boa vida pode levar a uma boa morte". Se a pessoa aproveitou intensamente, não deixou mágoas e se organizou para o momento final, a travessia será menos traumática.

— Se houve oportunidade para elaborar a situação, conversar, a família irá lidar melhor com a separação — observa Nise, especializada em oncologia, imunologia e medicina paliativa.

Ex-presidente da Associação Brasileira de Cuidados Paliativos (ABCP), Nise diz que a "morte é parte da vida". Todos estão próximos das perdas, inclusive crianças que se despedem de avós. É o curso normal da existência.

Há lenitivos para aceitar o luto. Nise informa que uma crença espiritual facilita a transição. Outra providência necessária é tranquilizar o moribundo sobre o futuro dos que ficarão. Dizer que eventuais pendências serão resolvidas e que os parentes tentarão se entender em torno da herança.

— Dá tranquilidade para quem vai e para quem fica — assegura a diretora da ABMM.

Acertar contas é necessário

O médico psiquiatra e psicanalista Edgar Chagas Diefenthaeler recomenda franqueza e espontaneidade nos momentos finais. Diz que os familiares devem conversar abertamente com quem está à beira da morte, para reforçar o vínculo afetivo.

— O grande temor de quem está para morrer é ser esquecido. Na medida em que pode conversar, o doente se sente ajudado, acompanhado — ressalta Edgar, professor da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS).

Autor de artigos científicos sobre o assunto, o psiquiatra diz que o condenado deve ser ouvido sobre os seus receios, sem interrupções, para que possa se manifestar. Também não deve ser tratado como uma criança, com diminutivos e de forma ingênua, mas conforme a sua personalidade.

— O momento exige franqueza de parte dos familiares. Quem está prestes a morrer fica mais desconfiado ainda — diz o médico, integrante da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA).

A maioria evita, mas Edgar acha que despedidas também valem para um acerto final de contas, queixar-se de atos passados, limpar as gavetas. É confortante para quem parte, também para os que permanecem.

— É importante fazer as pazes. O amor verdadeiro suporta a raiva — destaca.
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Reportagem por por Larissa Roso e Nilson Mariano
Fonte: ZH online, 29/07/2014

As revelações de Dilma na sabatina

 Paulo Nogueira*
Dormindo de sapato
 "Estamos sempre com os braços remando contra a corrente, rumo ao passado, como escreveu Fitzgerald em sua obra máxima, O Grande Gatsby."


E aos 46 minutos do segundo tempo, já no fim da prorrogação, veio o melhor momento da entrevista que Dilma concedeu a jornalistas da Folha, do UOL, da Jovem Pan e do SBT.

Dilma revelou que traz dois hábitos dos dias em que fugia da polícia da ditadura.

O primeiro é ter dinheiro em espécie à mão, para emergências. Como está posto em sua declaração de bens, ela tem cerca de 150 mil reais cash.

O segundo é o estranho costume de dormir com sapatos. Quer dizer, estranho para quem não tem que se vestir com urgência para bater em retirada, situação vivida por Dilma na época dos militares.

Tanto a mídia vem escrevendo sobre Dilma, e os brasileiros desconheciam informações deliciosas como estas. Isso não depõe a favor de jornais e revistas, definitivamente.

Estamos sempre com os braços remando contra a corrente, rumo ao passado, como escreveu Fitzgerald em sua obra máxima, O Grande Gatsby.

O dinheiro guardado e os sapatos no sono são os remos de Dilma.

O resto da sabatina foi o que se esperava. Quatro jornalistas tentando morder Dilma de todas as formas.

Adjetivos negativos se espilharam.  A situação econômica, ouvimos, não é simplesmente complicada. É “bastante ruim”.

A rejeição a ela, ouvimos também, não é normal, compatível com a de outros presidentes em final de mandato: é uma calamidade.

O “mercado” vê nela, também ficamos sabendo,  a combinação de tudo que de ruim alguém pode fazer no Planalto: política fiscal “frouxa”, complacência com a inflação, crescimento baixo.

E a corrupção, ah, a corrupção foi inventada pelo PT.

Nem parece, enfim, que Dilma lidera as pesquisas, e que tem boas chances de ganhar no primeiro turno.

Se ela dependesse dos entrevistadores para calibrar sua autoestima, estaria frita.

Mas não.

Dilma pareceu serena diante da pancadaria. Sem ser uma oradora natural, sem ser um fenômeno da retórica, saiu-se bem nas respostas.

Em comparação com Aécio, é menos loquaz, mas não trai, como ele, contrariedade diante de perguntas duras. Uma coisa pela outra, a vantagem é dela.

O único momento em que pareceu irritada foi quando o Santander apareceu na conversa.

Dilma não ficou satisfeita com as desculpas do banco, “muito protocolares”. Ela pareceu disposta a dar uma bronca pessoalmente no presidente do banco, se encontrar uma vaga na agenda.

Foi diplomática ao falar de Israel. Não endossou a palavra “genocídio”, usada por alguém de seu governo.
 
Preferiu “massacre”.

Falou nas mulheres e nas crianças mortas em Gaza. Mas lembrou que o Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer Israel.

Subiu ligeiramente de tom quando foram invocados negativamente os médicos cubanos por conta dos salários.

Disse, com razão, ser incrível que, em pleno 2014, Cuba ainda seja objeto de manifestações “fundamentalistas”.

Mas o melhor da sabatina esteve fora da política e dentro da vida pessoal – no dinheiro em espécie e nos sapatos ao dormir.

Ali se viu não a presidenta em busca de um segundo mandato, mas uma mulher em busca de seus anos dourados, como o Gatsby de Fitzgerald.
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*  O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
Fonte:  http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-melhor-de-dilma-na-sabatina/