quarta-feira, 21 de maio de 2014

Entrevista com o recém eleito presidente da Federação de Estudantes da Universidade Tecnológica Metropolitana, Patricio Jáuregui














"Sé que el pasado me odia

y que no va a perdonarme

mi amor con el porvenir”
Silvio Rodríguez

Patricio Jáuregui é o novo presidente da Federação de Estudantes da Universidade Tecnológica Metropolitana (Feutem), eleito no dia 14 de maio de 2014 na chapa Para Todos Tudo. Aos 23 anos, Pato cursa seu terceiro ano de Engenharia Química, carreira na qual também presidiu o Centro de Estudantes, em 2012. 
Como se ganha a condução de uma das universidades mais importantes do Chile em um período em que a luta estudantil tem uma importância tremendamente dinamizadora e chave no nível social, ou seja, onde existe uma condensação da competência política nacional no setor?
"Durante os protestos estudantis de 2011 pelo fim do lucro no ensino surgiram muitos coletivos na Utem. Devido a um trabalho radicalmente democrático, os agrupamentos confluíram em uma proposta e uma força única. Durante esse processo, perderam relevância as Juventudes Comunistas, a Socialista, os autonomistas, etc. No começo nós éramos um ativo chamado Estudantes Utem. No entanto, com o tempo nos demos conta de que a política correta não era crescer para dentro, mas construir forças fora, por isso nos diluímos por decisão, saímos da clássica e inútil condição de seita e nos envolvemos, como mais um, com o conjunto de pessoas que fazem a universidade (estudantes, trabalhadores, acadêmicos), mantendo uma coordenação básica.”

Democracia radical, estatização e controle da comunidade

Qual é o objetivo da luta dos estudantes da Utem ante a contingência?
"A demanda de gratuidade na educação arrancou com força no país precisamente em 2011, na UTEM. A universidade compartilha principalmente engenharias e, más além dos preconceitos, as reivindicações de 2013 já exigiam a estatização de 100 % do ensino, desde o berçário até a Universidade Católica, com controle participativo da comunidade e o fim da dívida universitária. Por isso consideramos que a Utem corre em tempo real e com clareza para o interior do consenso que forma o movimento de estudantes.

A demanda imediata é a democratização de todas as funções universitárias. Desde a privatização da Utem a participação da comunidade se sobressai por sua ausência. Não há Pesquisa nem Extensão. Por isso a democratização significa o modo novo em que nós constituímos a comunidade universitária como um todo, que decide seu horizonte e como somos capazes de superar a universidade anterior. Atualmente, devemos partir da participação em três níveis, mediante assembleias de pessoas que querem transformar a universidade.”

E o que é a democracia para vocês?
"A democracia não é outra coisa que chegar a olhar-nos de frente, de reconhecermos uns aos outros, sem relações de poder entre as partes, sem que ninguém passe por cima dos outros. Isso se traduz em uma prática na qual os estudantes não se subjuguem aos acadêmicos e aos trabalhadores, nem o contrário. A democracia é uma relação de reciprocidade mútua entre iguais.”

Os obstáculos para alcançar essa concepção acariciada por tantos não devem ser poucos…
"Com certeza. Estamos falando de que na realidade provisória em que vivemos, um setor acadêmico decide tudo o que ocorre na universidade, e esse grupo acadêmico é militante do governo atual juntamente com alguns desobedientes.”

Como se expressa a política do oficialismo na Utem?
"Eles pleiteiam uma democratização muito limitada, uma organização política universitária onde nem todos podem decidir. Concretamente, postulam algumas modificações mínimas, que lhes permitam uma maior governabilidade. Por exemplo, que o conjunto da comunidade universitária possa votar a respeito de certos âmbitos que não sejam principais. Eles, convencionalmente, estimam que nos conselhos de faculdade está a máxima manifestação e o lugar da democratização. Mas esse conselho é formado pelo reitor, alguns acadêmicos, um ou dois estudantes. Claro, podemos assistir e falar nesse espaço, mas não podemos decidir nada. É como ter direito a escutar o que outros resolvem.”

Para Todos Tudo

Vocês querem converter a Utem em uma experiência forte de convivência e democracia em todos os níveis do que querem para toda a sociedade do Chile e mais além?
"Exatamente. Nós estimamos que a universidade funciona como a sociedade, que é parte dela, que não é um outro lugar ou um mundo paralelo. As autoridades universitárias são uma representação político-administrativa como o Executivo do país, um conselho superior que seria como o Senado, e para baixo se reproduz a mesma estruturação vertical que em toda a sociedade. No entanto, nós não queremos acabar com os acadêmicos como pessoas, mas queremos desmontar a relação social que os situa como acadêmicos e nós como estudantes (ou ‘alunos’, como muitos nos chamam). No próprio processo de transformação do movimento democratizador pelo qual lutamos, buscamos também libertar os acadêmicos de sua própria condição autoritária. Queremos recuperar a universidade para todos.”

E para desenvolver esse projeto, que procedimentos vocês pensam empregar?
"A começar pelo que já conquistamos: o conselho em três níveis, que se originou em 2011, no qual seis acadêmicos, seis funcionários e seis estudantes redigiriam um Estatuto Orgânico para a Utem. Naturalmente, todos com direito a voz e a voto. No entanto, por iniciativa de alguns acadêmicos esse lugar quase terminou por ser destruído, e nunca mais foi convocado. Recuperá-lo é nosso ponto de partida. Também vamos impulsionar assembleias em três níveis por carreira e depois em nível geral. Sabemos que não temos fórmulas infalíveis, mas sabemos que devemos começar a colocar em prática esse tipo de procedimentos genuinamente democráticos.”

O típico argumento que a autoridade universitária formal usa para desintegrar esse tipo de propostas é que, por exemplo, os estudantes e funcionários não podem participar da confecção detalhada das grades curriculares por falta de conhecimentos. Ou seja, por serem incompetentes, imaturos, incompletos, inválidos.
"Mas ocorre que nós queremos participar da construção e decisão dos critérios e do horizonte de sentido das carreiras e da universidade, mais além dos tecnicismos. Eu mesmo, que curso o terceiro ano de Engenharia Química, não sei como vão funcionar os laboratórios que terei mais na frente em minha carreira, mas agora sai bem porque escolhi essa carreira.”

"Mais que mobilidade social eu quero 
mudar o mundo”

Quais são seus principais pares aliados no complexo estudantil nacional?
"A companheira do Movimento de Estudantes de Educação Superior Privada (MESUP), o presidente da Federação de Estudantes da Universidade de Santiago (FEUSACH) e a Assembleia Coordenadora de Estudantes Secundaristas (ACES).”

Por que você não faz diferença entre as universidades chamadas públicas e as privadas?
"Primeiro, quando se levanta a reivindicação pelo fim do lucro na educação, nós consideramos que o lucro não se encontra tanto nos ganhos das instituições educativas (que existem e são desumanos), mas que, estrategicamente, se encontram na nossa formação como reprodutores ideológicos para manter a ordem atual das coisas. Isto é, se preparam engenheiros para maximizar utilidades privadas à custa da exploração das pessoas e da natureza. Esse é o pior lucro que pretendemos erradicar do sistema educativo. Assim, chegamos à conclusão de que tanto as universidades privadas como as denominadas públicas ensinam para o bem dos interesses particulares e não para o bem do conjunto social. Em consequência, pela direção política e ideológica do complexo universitário chileno, não vemos diferença entre as instituições privadas ou as mal chamadas públicas. Só existem diferenças organizadas de acordo com a divisão social do trabalho e o extrato social do estudante. Um engenheiro egresso da Universidade Católica provavelmente será gerente e outro egresso de uma universidade privada barata ou menos cara será subordinado médio ou médio baixo numa corporação qualquer. Uma engenharia na Universidade do Chile ou na Católica custa aproximadamente 7.240 dólares por ano, e na Utem, 3.800 dólares anualmente, em um país onde a metade da força de trabalho remunera o salário mínimo correspondente a 370 dólares mensais.”

Mas essas diferenças são um dos eixos do capitalismo no Chile…
"Por isso o objetivo final é terminar com a sociedade de classes. Nesse sentido, estamos por romper a lógica e falsa distinção entre a pessoa que é estudante, quando está na instituição de ensino, mais tarde essa mesma pessoa se transforma em trabalhador depois das aulas, e após o trabalho parte para seu bairro empobrecido e se converte em morador, quando, na realidade, trata-se da mesma pessoa que é povo trabalhador. Por isso é preciso que o nosso povo se coloque em disposição de luta. O que falta é uma estrutura ou formação política, independentemente da forma que adote no presente período (partido, movimento, etc.). Finalmente, o modo determina a própria transformação da luta de classes em um lugar e em um dado momento, e a vontade e imaginação políticas daqueles que brigam por uma sociedade sem oprimidos nem opressores. E para isso necessitamos de todas as forças e não pretendemos ‘substituí-las’. Os trabalhadores e a sociedade como totalidade destinada a conquistar a libertação humana têm que combater com seus modos próprios. Se não jamais seremos livres.”

Os movimentos do governo

O ministro da Educação da administração Bachelet, o economista Nicolás Eyzaguirre, é um dos quadros mais qualificados da ex-Concertação, hoje Nova Maioria. Isso não é um acidente. É produto do risco potencial que comportaram e comportam as enormes mobilizações estudantis e uma causa que alcançou um altíssimo consenso social. Que soluções dá o governo às exigências estudantis?
"É muito difícil interpretar o que está fazendo Bachelet e Eyzaguirre a respeito, quando se reúnem com todos os atores sociais (reitores de universidades privadas e públicas e estudantes), e todos saem contentes porque o governo diz estranhamente sim a todo. Estamos ante uma reforma anunciada que ainda não existe. O que tem se informado oficialmente é que no dia 21 de maio (data tradicional da prestação de contas e do anúncio das prioridades governamentais por parte dos mandatários no Congresso Nacional, em Valparaíso) serão conhecidos os três primeiros projetos da chamada reforma educacional, e que, no segundo semestre do ano, serão apresentados outros.”

E pelo menos estão titulados os projetos que serão comunicados en 21 de maio?
"Sim. Terão a ver com o fim do lucro, a democratização e que quando alguma universidade quebrar, os estudantes não fiquem abandonados. Nós cremos que com esse procedimento o governo ganha um ano para tentar desmobilizar e desarticular os jovens.”

Povo revolucionário

-Finalmente, para você, o principal não é a unidade da esquerda?
"Não. O principal é nos constituirmos como povo revolucionário, como o ator que fará a revolução. Ou seja, a unidade do povo trabalhador, de todos/as os que não recebem os benefícios do capital. A maioria da esquerda no Chile está concentrada em fortalecer suas estruturas internas. E, hoje, a tarefa é reproduzir a política revolucionária em todos os âmbitos e espaços da vida, até que se converta em verdade social nas mais amplas faixas dos oprimidos. Tanta bandeira e tanta sigla só divide ainda mais o povo. Somos continuidade e ruptura. Acumulação histórica das lutas de nosso povo e de outros povos do mundo, prática concreta, crítica sem concessões e estudo.” 
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Fonte: Adital, 20/05/2014

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