sábado, 31 de maio de 2014

UNHA-DE-VACA

 Rubem Alves*
Eu nunca as tinha visto assim, tão bonitas quanto neste ano. Claro que as havia notado antes. Mas nada que me comovesse... Árvores comuns, banais mesmo. Se eu tivesse sido o jardineiro, teria escolhido outra. Penso que algo deve ter aconteci­do nos céus para que elas estejam tão floridas na terra. Cobertas de flores brancas, roxas, rosas — e quando se toma uma delas nas mãos se descobre que ela tem a simetria e a dignidade de uma orquídea. A diferença? As orquídeas são flores “esnobes” que custam caro — e estas estão por aí, em todos os lugares. Se eu fosse reescrever o poema de Brecht colocaria o nome delas como uma das felicidades do viver.

Ah! Vocês não sabem do que se trata... As palavras estão no vazio... Que flor é essa? Se lhes tivesse dito um nome, então teriam, quem sabe, um perfume a evocar. Ou poderiam dizer: “Tem uma florida bem na porta da minha casa...” Mas eu não lhes disse o nome. E com isso estou lhes roubando uma felicidade. Nietzsche dizia que os homens inventaram nomes para que pudessem ter prazer nas coisas...

Esquisito, não? Não, se pensarmos um pouquinho. Porque o nome é invocação mágica que tem o poder de fazer presente, aí onde você está, a coisa que está ausente, na qual mora a felicidade. A palavra é como uma taça na qual está um pouco da bondade da coisa. Me lembro, de poemas lidos na minha adolescência, do amor de Inês de Castro. E o poeta, como que falando com a jovem, dizia que ela andava “dizendo aos campos e às ervinhas o nome que no peito escrito tinhas...” O nome revela a face da nossa felicidade. E foi por isso que o Criador, depois de terminar de plantar o jardim, estando tudo pronto, determinou que o homem desse nome às coisas. Para que ele descobrisse a felicidade que mora nelas.

E é por isso que fiquei bravo ao me lembrar do nome que lhe deram: tão leve, levíssima, quase uma estrela, orquídea proletária, para todos. E a chamaram de “unha-de-vaca”. Definitivamente um desaforo. Aí, à medida que vou andando (pois todas estas ideias me vêm enquanto ando) recordo-me das razões, ao ver algumas folhas, espalhadas pelo chão. São uma unha-de-vaca, sem tirar nem pôr. Entendo mais: o que inventou esse nome deveria ser uma pessoa que andava com os olhos abaixados, sem grande amor por aquilo que existia à sua volta ou acima da sua cabeça. A posição da cabeça faz toda a diferença. A depressão olha para baixo. Pois, se por acaso olhasse para cima, a coisa seria toda outra, porque só se as vacas estivessem voando. Pois é isto que a folhagem da árvore sugere. Centenas, milhares de unhas-de-vaca, balançando ao vento. E quero crer que, se o pintor Chagall tivesse vivido entre nós, teria acrescentado ao asno voador que ele coloca no céu de suas telas, também as vacas voadoras que carregam flores nos seus chifres. Pois não é isto? Vacas floridas. E me contestarão, dizendo que vacas, por serem pesadas e destituídas de asas, não podem voar, jamais. Ao que eu responderia que qualquer bicho que carregue tantas flores nos chifres tem, obrigatoriamente, de voar. Pois é esta a função da beleza: tornar leves as coisas que são pesadas. E descubro, de novo, minha irmandade com o Guimarães Rosa, que dizia que a coisa não está nem na partida, nem na chegada, mas na travessia. Não quero chegar. Quero continuar a andar, sob as vacas voadoras. Vejo suas unhas recortadas nas folhas. Mas sei que são as flores que têm na ponta dos chifres que as fazem voar. Não, não é preciso ir a lugar algum. Basta andar por aí, sem destino, para começar a voar também...
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* Educador. Escritor.
Fonte: http://correio.rac.com.br/_conteudo/2014/05/ig_paulista/177589-unha-de-vaca.html
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sexta-feira, 30 de maio de 2014

Nossos pressupostos equivocados nos podem liquidar

 Leonardo Boff*
 Ao não concedermos um sábado, biblicamente falando, para a Terra descansar, a extenuamos, a mutilamos e a deixamos adoecer quase mortalmente, destruindo as condições 
de nossa própria subsistência.

Inegavelmente vivemos uma crise dos fundamentos que sustentam nossa forma de habitar e organizar o planeta Terra e de tratar os bens e serviços da natureza. Na perspectiva atual eles são totalmente equivocados, perigosos e ameaçadores do sistema-vida e do sistema-Terra. Temos que ir além.

Dois pais fundadores de nosso modo de ver o mundo, René Descartes(1596-1650) e Francis Bacon(1561-1626) são seus principais formuladores. Viam a matéria como algo totalmente passivo e inerte. A mente existia exclusivamente nos seres humanos. Estes podiam sentir e pensar enquanto os demais animais e seres agiam como máquinas, destituídas de qualquer subjetividade e propósito.

Logicamente, essa compreensão criou a ocasião para que se tratasse a Terra, a natureza e os seres vivos como coisas que podíamos dispor à bel-prazer. Na base do processo industrialista selvagem está esta compreensão que persiste ainda nos dias de hoje, mesmo dentro das universidades, ditas progressistas, mas reféns no velho paradigma.

As coisas, no entanto, não são bem assim. Tudo mudou quando A. Eistein mostrou que matéria é um campo densíssimo de interações; mais ainda, ela, de fato nem existe no sentido comum da palavra: é energia altamente condensada; basta um centrímetro cúbico de matéria, como ouvi ainda em seu último semestre de aulas na Universidade de Munique em 1967 Werner Heisenberg, um dos fundadores da física das partículas subatômicas, a mecânica quântica, dizer que se esse pouco de matéria fosse trasnsformado em pura energia poderia desestabilizar todo o nosso sistema solar.

Em 1924 Edwin Hubble (1889-1953) com seu telescópio no Monte Wilson no sul da Califórnia, descobriu que não temos apenas a nossa galáxia, a Via Láctea, mas centenas (hoje cem bilhões) delas. Notou, curiosamente, que elas estão se expandindo e se afastanto duma das outras com velocidades inimagináveis. Tal verificação levou os cientistas a imaginar que o universo observável era muito menor, um pontozinho ínfimo que depois se inflacionou e explodiu dando origem ao universo em expansão. Um eco ínfimo desta explosão pode ser ainda identificado permitindo a datação do evento, ocorrido há 13,7 bilhões de anos.

Mas uma das maiores contribuições que vem demantelando o velho olhar sobre a Terra e a natureza nos vem do prêmio Nobel de química o russo-belga Ilya Prigogine (1917-2003). Ele deixou para trás a concepção da matéria como inerte e passiva e demonstrou, experimentalmente, que elementos químicos, colocados sob certas condições, podem organizar-se a si próprios, sob complexos padrões que requerem a coordenação de trilhões de moléculas. Elas não precisam de instruções, nem os seres humanos entram em sua organização. Sequer existem códigos genéticos que guiem suas ações. A dinâmica de sua auto-organização é intrínseca, como aquela do universo e articula todas as interações.

O universo é penetrado por um dinamismo auto-criativo e auto-organizativo que estrutura as galáxias, as estrelas e os planetas. De tempos em tempos, a partir da Energia de Fundo, ocorrem emergências de novas complexidades que fazem aparecer, por exemplo, a vida e a vida consciente e humana.

Toda essa dinâmica cósmica tem seus tempos próprios, tempo das galáxias, das estrelas, da Terra, dos distintos ecossistemas com seus representantes, cada um também com o seu próprio tempo, das flores, das borboletas etc. Especialmente os orgnismos vivos têm seus tempos biológicos próprios, um para os micro-organismos, outro para as florestas, outro para os animais, outro para os oceanos, por fim, outro para cada ser humano. Completado seu tempo, ele parte.

Que fizemos nós modernamente para gestar a crise atual? Inventamos o tempo mecânico e sempre igual dos relógios. Ele comanda a vida e todo o processo produtivo, não tomando em conta os demais tempos. Submete o tempo da natureza ao tempo tecnológico (certa árvore demora 40 anos para crescer, e a motoserra a derruba em dois minutos). Não alimentamos nenhum respeito para os tempos de cada coisa. Assim não lhe damos tempo de se refazer de nossas devastações: poluimos os ares, envenenamos os solos e quimicalizamos quase todos os nossos alimentos. A máquica vale mais que o ser humano.

Ao não concedermos um sábado, biblicamente falando, para a Terra descansar, a extenuamos, a mutilamos e a deixamos adoecer quase mortalmente, destruindo as condições de nossa própria subsistência.

Neste momento estamos vivendo num tempo em que a própria Terra está tomando consciência de sua enfermidade. O aquecimento global sinaliza que ela vai entrar num outro tempo. Se continuarmos a feri-la e não a ajudarmos a se estabilizar num outro tempo, podemos começar a contar as décadas que inaugurarão a tribulação da desolação. Por causa de nossos equívocos não conscientizados e formulados há séculos, não os corrigimos e que  teimosamente os reafirmamos.
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* Teólogo.Filósofo. Escritor. Conferencista. Educador.
Com Mark Hathaway escrevi O Tao da libertação, premiado nos USA em 2010 com a medalha de ouro em nova ciência e cosmologia.
Fonte:  http://leonardoboff.wordpress.com/2014/05/30/
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"Todo mundo tem ideias. A diferença está em quem decide concretizá-las", afirma professor

Não basta ter talento.

"Todo mundo tem ideias. A diferença está em quem decide concretizá-las", afirma professor Divulgação/Dynamic Encounters

Charles Watson ministra curso sobre o processo criativo na Capital

Você acha que talento é fundamental para ter ideias criativas? Especialista no tema, Charles Watson se esforça para derrubar essa crença. Para ele, o que impede as pessoas de se destacarem no universo das ideias novas é... a preguiça. O artista e educador escocês está de volta a Porto Alegre neste fim de semana para ministrar o primeiro módulo de seu prestigiado curso "O Processo Criativo". 

Formado em Arte e Literatura pela Bath Academy/Bath University na Inglaterra, Watson leciona na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, desde 1982. Durante o workshop, que é recomendado pela University of Arts de Londres, o professor busca demonstrar que a semelhança entre os processos criativos é maior do que a diferença entre linguagens. 

Leia a seguir a entrevista concedida por Watson a ZH por telefone.

Zero Hora — Você acredita que exista predisposição à criatividade?
Charles Watson - Não. Muitas pesquisas apontam que talento, se é que existe, tem uma importância muito pequena numa vida criativa.

ZH — Por quê?
Watson — Porque as pessoas que são vistas como "os grandes talentosos", como Tiger Woods, Michael Johnson, Mozart ou Michelangelo, por exemplo, começaram a ter um contato diário com os seus assuntos com três ou quatro anos de idade. E Mozart não era uma gênio quando ele tinha oito anos. Ele era, talvez, um menino prodígio em poder aprender piano, mas ele era também uma pessoa obcecada desde os quatro anos com o instrumento. O pai dele era um professor de música já com dois livros publicados sobre isso. Mozart fez seu primeiro grande trabalho com 21 anos de idade. Ou seja, 17 anos depois de uma relação diária de internalização das regras da sua área de atuação, a música. Não estou dizendo que não existe habilidade inata de algumas pessoas para fazer certas coisas, mas a pesquisa mostra que, por exemplo, entre crianças bem dotadas no violino ou piano, são pouquíssimas que crescem para fazer uma vida criativa. Isso é um dado que poucas pessoas conhecem. As pessoas que parecem fazer a diferença não a fazem por causa de habilidades inatas. Aliás, Tiger Woods fala que o que fez a diferença na sua carreira foi o que ele chama de controle mental, uma coisa que seu pai o ensinou desde pequeno para superar as dificuldades que ele tinha como golfista. Woods tinhas desvantagens em termos de esforço, em termos do próprio corpo e ele aprendeu a pensar diferente para superar essas dificuldades. Isso é muito comum na vida das pessoas que fazem a diferença nas suas áreas. No entanto, a população em geral adora ter uma ideia de que "veio do céu", "o cara nasceu assim", "Deus abençoou ele", isso é bobagem. Em um estudo prolongado sobre criatividade, nada sustenta isso. 

ZH — O que bloqueia o processo criativo?
Watson — A preguiça. Todo mundo tem ideias. Quando você tem uma ideia que acha muito especial, você pode contar com o fato de que outras 250 mil pessoas tiveram essa ideia. A diferença está em quem decide concretizá-la e isso envolve intenso trabalho. Quando você lê um trechinho em um romance que te toca muito, em nove vezes de dez vezes, te toca porque também é uma coisa que você pensou ou sentiu. A diferença é que o mestre menciona isso, enquanto você deixou passar. Então, na verdade, o papel do escritor, do artista ou de qualquer pessoa envolvida em atividades criativas, é colocar um farol nas coisas que ficaram cinzentas na vida. Em toda a história da arte não tem mais do que sete assuntos e, sendo assim, o que importa não são os assuntos novos, mas a maneira de abordá-los para parecer que estão sendo vistos pela primeira vez. A questão principal sobre o curso é que, em uma entrevista com um artista que faz a diferença ou com um cientista que faz a diferença, se vai descobrir que não tem a ver com a especificidade das suas linguagens, mas com o tipo de personalidade, que tolera muito trabalho. Não só tolera, mas que também tem uma relação passional com o que faz. Quando você é passionalmente envolvido com o que faz, não sente que as suas horas de investigação são um sacrifício, você quer estar no lugar que traz mais significado para você. E o produto que surge não é a sua meta, a sua meta é estar fazendo o que te traz significado. O produto acaba decorrendo disso. É o que se chama de atividade autotélica, cujo significado é nela mesma. 

ZH — Como é o curso que será ministrado a partir desta sexta-feira em Porto Alegre?
Watson — O curso é composto por uma série de palestras interativas. Há interação com plateia, mas são palestras sobre o processo criativo e algo que se pode chamar de comportamento otimizado. Isso quer dizer, quem são as pessoas que fazem a diferença dentro das suas áreas de trabalho, como é o pensamento delas em termos criativos, em termos de levar um assunto até as últimas consequências e se destacar dentro de um contexto de criação, seja isso na área empresarial, na área da literatura, coreografia, arte e etc. Parte do princípio que, a partir de um certo ponto de investigação, a semelhança entre os processos criativos é maior do que a diferença entre as linguagens. Ou seja, se eu faço uma entrevista com evolucionista ou com um bioquímico que está na linha de frente da sua área, vou ter uma entrevista que se assemelha em muitos sentidos com a entrevista com um artista que está na frente na sua área também. Apesar de existirem diferenças evidentes no sistema de pensamento de ciência e arte, também há muitas semelhanças. Por exemplo: se Picasso não tivesse vivido, a gente não teria tido um quadro como Guernica. Agora, se Watson e Crick nunca tivessem vivido, outra pessoa teria descoberto o DNA. Concorda?

ZH — Acho que sim...
Watson — É evidente que sim, porque o DNA foi descoberto. É fruto de um processo de investigação convergente. Isso quer dizer que há uma resposta em algum lugar, ela existe. Cabe a alguém descobrir. Guernica não existia já feita em nenhum lugar, é um produto de uma investigação extremamente particular de um artista. Nenhuma outra pessoa teria pintado Guernica. Essa é a diferença entre pensamento convergente e pensamento divergente. E um processo criativo é fruto da capacidade de criar uma ponte entre essas duas maneiras de pensar.

ZH — De tudo que você transmite aos alunos, qual é a lição que mais gostaria que eles absorvessem?
Watson — Eu não posso especular sobre a lição, isso é com eles. Eu sei que eles vão sentir um certo desconforto, porque quando você tira talento e Deus da cena, o que fica é a responsabilidade pessoal pelo que você faz. Ou melhor, pelo que você não faz. E isso nem sempre é muito confortável para todo mundo ouvir. Mas é um curso que joga muita responsabilidade sobre o que a gente faz com as nossas vidas, sobre o indivíduo, não sobre circunstâncias alheias.
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Reportagem por  Isadora Neumann
Fonte: ZH on line, 30/05/2014 | 10h02
Foto: Divulgação / Dynamic Encounters
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Descubra cinco dicas para se tornar mais criativo

Pensamento inovador é altamente valorizado e depende de experiências inusitadas

16/04/2014 | 17h31
Descubra cinco dicas para se tornar mais criativo Stock.xchng/Stock.xchng
Alterar a perspectiva e analisar o problema dentro de outros contextos auxilia a propor novos conceitos Foto: Stock.xchng / Stock.xchng
O pensamento criativo é um diferencial importante em praticamente todos os ramos de atuação. A criatividade é uma função altamente sofisticada do cérebro humano, que de tempos em tempos nos surpreende com uma visão diferente, inédita e altamente efetiva sobre determinado problema.
Segundo o neurologista Leandro Teles, a solução criativa aflora quando conseguimos driblar os caminhos do raciocínio lógico sequencial. Quando escapamos do óbvio e alcançamos uma visão alternativa, diferente da média da população.

A criatividade resolve elegantemente inúmeros problemas do dia-a-dia e é altamente valorizada social e profissionalmente. 

— Pensar diferente, de forma não ortodoxa, lançar um foco novo sobre um dilema antigo, isso é criatividade. Fazer os outros enxergarem aquilo que sempre esteve diante deles, criar atalhos mentais, surpreender o cérebro alheio gerando a famosa pergunta: como eu não pensei nisso antes? Para isso, devemos desenvolver uma série de modalidades cognitivas, colocá-las em prática e, enfim, colher os frutos— explica o especialista.

O médica enumera e esclarece cinco passos fundamentais para quem quer se tornar mais criativo:
Direito ao erro
Quem quer ser criativo tem, obrigatoriamente, que se permitir o erro. O que diferencia a ideia genial da absolutamente equivocada é, muitas vezes, um detalhe. O raciocínio lógico e de senso comum é menos fadado ao erro. O criativo arrisca mais, inventa, testa, ousa… com isso paga seu preço: erra bem mais. 

Mudar a visão do problema
Se quiser ver o que ninguém viu, precisa olhar as coisas como ninguém ainda olhou. Mude a visão do problema! Dê um passo pra trás e olhe tudo de longe, aperte os olhos, desfoque. Se coloque na visão de outras pessoas, brinque de resolver o problema em outros contextos. Você vai ver como o cérebro irá traçar caminhos novos e pode surgir um conceito inédito a ser trabalhado.

Conhecer os caminhos já trilhados
Não é fácil fugir do lugar comum se não conhecemos o lugar comum. Tentar ser criativo sem determinar o que já foi dito, pensado e sentido sobre o problema é perder tempo. Conhecer as trilhas já abertas ajuda a evitá-las. Busque criar atalhos, fundir conceitos, condensar. Estude o assunto, sob vários aspectos, pesquise, não menospreze tudo que já foi feito sobre ele antes. Conhecimento e visão são modalidades fundamentais para as pessoas altamente criativas. 

Dar liberdade ao cérebro
O raciocínio criativo precisa do cérebro apto a alçar voos livres e complexos. O cérebro humano é fruto de genética, vivência e contexto. A genética é imutável, cada um nasce com um potencial criativo. Mas a vivência e o contexto estão em nossas mãos! Alimente-se de experiências novas, diferentes, inusitadas. Conheça pessoas, culturas e artes em todas as suas formas. Seja uma esponja de soluções criativas. Saia do escritório, afrouxe a gravata, medite, corra na praia, aguarde a resposta olhando uma lagoa em um dia ensolarado, etc. A resposta não tradicional surge, muitas vezes, em momentos não tradicionais. O repouso e o sono também são fontes criativas. 

Entenda e use a intuição
Sexto sentido, o que tem de ciência nisso? Tudo. O que chamamos de intuição é um tipo peculiar de raciocínio dissociado de linguagem. Surge um conceito pronto sem o rastro da lógica. Não dá pra argumentar, explicar, traçar a linha que justifica a conclusão. Ela aflora geralmente de divagações do hemisfério direito do cérebro (uma vez que a linguagem fica geralmente no hemisfério esquerdo). Não a menospreze, nem dê a ela ares de magia e misticismo sem credibilidade. Pessoas criativas exercitam, valorizam e expressão suas intuições. Dê vazão, com bom senso, a suas sensações pouco ancoradas na lógica e na razão.
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FONTE:  ZH on line, 16/04/2014

Envelhecer jovem

Frei Betto* 
 
O título pode parecer paradoxal, mas faz sentido. Hoje em dia quase ninguém curte a velhice. Ou se assume como velho. Mesmo quem já atingiu idade avançada costuma fazer questão de dar a impressão de ser mais jovem.

Chamar alguém de "velho” é quase uma ofensa. Eu, que velho estou, costumo brincar que sou "seminovo”, como em revendas de veículos. O carro é velho, mas o adjetivo ajuda a iludir o freguês.

Ficar velho está cada vez mais caro. Tanto para o governo, obrigado a arcar com o crescente número de aposentadorias e pensões, e atendimento pelo SUS, quanto para o cidadão, impelido a investir em plano de saúde, academia de ginástica, medicamentos fitoterápicos e alimentação saudável, como frutas e legumes orgânicos.

Agora a Cellectis, empresa francesa de biotecnologia, coloca no mercado a iPS (sigla em inglês para designar células-tronco de pluripotência induzida). A última novidade em medicina regenerativa.

Para produzir iPS basta introduzir quatro genes em células maduras e, assim, estas regridem ao estado de células-tronco. Esse processo, descoberto pelo cientista japonês Shinya Yamanaka, assegurou-lhe o prêmio Nobel de Medicina, em 2012. As células-tronco obtidas por esse método (iPS) teriam a mesma capacidade que caracteriza as células embrionárias: transformar-se em novos tecidos e órgãos.

Quem deseja evitar a natural degradação de seu organismo e, desde já, estocar células da pele para que se tornem iPS, basta recorrer à empresa francesa Scéil, braço da Cellectis. A saúde em idade provecta não custa barato. A Scéil cobra US$ 60 mil (pouco menos de R$ 140 mil) para coletar as células, e uma taxa anual de US$ 500 (cerca de R$ 1,1 mil) para armazená-las. Por enquanto esse luxo está disponível apenas nos EUA, Reino Unido, Suíça, Dubai e Cingapura.

"As pessoas devem poder viver jovens”, alardeia André Choulika, presidente da Cellectis. Por enquanto é um luxo adotar esse procedimento de recauchutagem genética, mas pode-se recorrer, a preços mais em conta, a cirurgias plásticas por mero capricho estético. De preferência em regiões predominantemente frias, para justificar o uso de cachecol e luvas. Pescoço e mãos são traiçoeiros à vaidade senil: denunciam que o nosso corpo e a nossa idade não são tão jovens quanto o rosto remodelado.

No México, o Instituto de Medicina Regenerativa promete operar curas via células-tronco. Basta extrair 200 mililitros de gordura da coxa do paciente e, em seguida, colher cerca de 130 milhões de células-tronco para implantá-las no órgão enfermo. O procedimento custa, em média, US$ 13,5 mil (em torno de R$ 30 mil).

Além de jovialidade perene, muitos buscam a imortalidade (sem entrar para academias de letras). Como o limite natural da célula humana é de 130 anos, há esperança de que, graças às células-tronco, haja possibilidade de substituir células envelhecidas, com prazo de validade vencido, por novas.

O título de pessoa mais velha do mundo é atribuído à francesa Jeanne Calment, que viveu 122 anos (1885-1997). Passeou de bicicleta até os 100 anos, andou até os 115, e tinha o hábito de beber um copo de vinho e fumar um cigarro todo dia.

O boliviano Carmelo Flores Laura, índio Aimara, alega ter 123 anos, graças às longas caminhadas como pastor de gado e ovelhas. Para o Guinness de Recordes, ninguém ainda superou a japonesa Misao Okawa, de 115 anos. A chinesa Alimihan Seyiti afirma ter 127 anos. Seus maiores prazeres são beber água gelada, e cantar e brincar com crianças.

O curioso é que, em geral, vive muito quem não teme morrer. E sobretudo quem imprime à sua vida um sentido altruísta. A ansiedade de prolongar a existência a qualquer custo pode gerar na pessoa um estresse que lhe abrevia os dias.

Vi na TV, há tempos, Datena entrevistando um casal longevo, habitantes da zona rural paulista. Ele com 111 anos, ela com 108. O marido se mostrava mais lúcido que a mulher. O entrevistador perguntou a ele a que atribuía tão longa existência. Dieta? "Adoro um torresminho”, reagiu o homem. E beber? Não se fez de rogado: "Uma cachacinha antes da comida cai muito bem. ” E fumar? perguntou Datena. "Fumar? Nem pensar. Parei desde os 108." 
Importa na vida é ser feliz. E a felicidade não resulta da soma de prazeres nem do acúmulo de bens. É fruto do sentido que se imprime à existência.
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*Frade dominicano. Escritor, autor de "O que a vida me ensinou” (Saraiva), entre outros livros.
Fonte: Adital
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Ler e escrever na cibercultura

 Talita Moretto*
 
Recentemente, eu fui questionada se as práticas que envolviam o conceito da educomunicação (ou mídia e educação) poderiam contribuir para incentivar o gosto pela leitura entre crianças e adolescentes, considerando que muitas pesquisas* realizadas em nível nacional apontam para o baixo índice dessa habilidade importante para a aquisição do conhecimento e para a formação do sujeito crítico.

É importante, antes de avaliar se os jovens integrantes de um grupo específico (uma sala de aula, por exemplo), leem ou não, os professores perguntarem-se até que ponto a cibercultura (relacionada aos fenômenos sociais relacionados à internet e às formas de comunicação em rede) está sendo contemplada naquele ambiente e quais são as possibilidades dadas aos alunos para reconhecer a leitura como parte do processo do seu letramento e da sua aprendizagem.

Um texto divulgado no portal Todos Pela Educação com o título "Leitura no papel ou na tela: a diferença está em quem lê” traz as considerações da professora da área de linguística da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), Rejane Dania, a respeito das diferenças entre a leitura em papel e na tela. Ela afirma que essas diferenças estão relacionadas com as características de quem lê, ou seja, idade, experiência em leitura e grau de contato com a tecnologia, fatores individuais de cada leitor, é que vão apontar se ele terá dificuldades em apreender os significados em qualquer um dos formatos. Então, conclui-se que o processo de leitura é o mesmo, independente do suporte, mas a capacidade de absorção depende do objetivo da leitura.

Terá um jovem de 16 anos algum objetivo para ler clássicos da literatura em um livro com páginas amarelas, letras pequenas e palavras rebuscadas? Pode ser que sim, mas pode ser que não. No entanto, se o professor inserir a obra em uma proposta de leitura interativa, com recursos visuais e incentivos de criação em cima do tema, promovendo o trabalho em equipe, a cooperação, a partilha e a divulgação dos resultados, talvez a leitura seja mais apreciada, talvez ela faça mais sentido para esse jovem. 

Na década de 1990, Jesús Martín-Barbero definiu a educomunicação como "um processo educativo que permite aos alunos apropriarem-se criativamente dos meios de comunicação, integrar a voz dos estudantes ao Ecossistema comunicativo da escola e, em última instância, melhorar a gestão do ambiente escolar com a participação dos educandos" (a definição pode ser lida aqui: http://www.unicef.org/brazil/pt/br_educomunicacao.pdf )

Para isso acontecer, os jovens precisam ter acesso aos meios de informação e às novas tecnologias e o direito à livre expressão, lembrando que um "ecossistema” inclui as pessoas, o ambiente e as suas interrelações. Neste sentido, eu acredito que se os profissionais da educação entenderem as práticas educomunicativas como alavancas para resgatar o potencial de criação do aluno, tornando-o agente e participativo no ambiente da escola e no seu processo de ensino e aprendizagem, a educomunicação pode incentivar a frequência da leitura, pois os alunos produzem (escrevem) mais quando sabem que serão lidos, quando terão o seu conhecimento, a sua criatividade e a sua criação conhecidos, e a leitura é uma consequência da escrita. 
 
Uma atividade dinâmica e atual que incentiva a leitura e a escrita são os Programas Jornal e Educação, que funcionam assim: aos alunos, dentro da sala de aula, é entregue um meio de comunicação impresso, com informações que fazem parte do seu cotidiano; a leitura acontece naturalmente e com interesse, pois as notícias estão relacionadas à cidade, ao bairro ou à escola; com isso, debate-se o tema/assunto/fato exposto e dialoga-se com os participantes da aula, constrói-se um olhar crítico; em seguida, acontece uma pesquisa mais profunda em outros meios de informação (outras fontes), a fim de se obter mais dados a respeito do assunto, o que significa mais leitura; munidos com informações, os alunos partem para a produção textual (no papel ou no computador); a livre expressão deve ser incentivada e a opinião respeitada; um novo diálogo surge com essas reflexões. No caso do Programa Vamos Ler , os textos dos alunos são publicados e lidos pela população local. Trata-se de uma estratégia educomunicativa para se trabalhar leitura e escrita.

Os estudantes leem muito hoje, porém são imediatistas. Desejam estar informados, mas que isso aconteça sem delonga; gostam de aprender, desde que a orientação seja rápida. Percebe-se que não querem perder tempo, mas sim ler o máximo que conseguirem para conhecer cada vez mais. Com a mediação certa, essa forma de leitura também é possível. 

Conhecer o que o aluno espera de um ecossistema comunicativo ideal dentro da escola e aceitar as mudanças nas esferas social e educacional, ambas sob a influência das novas tecnologias e da web 2.0, e inovar as práticas de leitura com novas plataformas, novos formatos de textos e de livros, pode ser o caminho para melhorar os números das pesquisas.


*Um exemplo é a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil(3ª edição) realizada pelo Instituto Pró-Livro ,com apoio da ABRELIVROS, CBL e SNEL. O estudo tem como objetivo medir intensidade, forma, motivação e condições de leitura da população brasileira. A primeira edição foi em 2011 e tornou-se uma referência quando se trata do comportamento leitor; seus resultados orientaram estudos e projetos e a implantação de políticas públicas do livro e da leitura no país.
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* Jornalista, educomunicadora, especialista em mídias e tecnologias na aprendizagem, coordenadora de Programa Jornal e Educação e blogueira:www.salaaberta.com. Twitter: @talitamoretto
Fonte:  http://site.adital.com.br/site/noticia.php?boletim=1&lang=PT&cod=80818
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quinta-feira, 29 de maio de 2014

Para Tazio Zambi: qual o poema mais importante da língua portuguesa?

 
Convidamos o poeta, editor e designer Tazio Zambi para responder em poucas palavras qual poema para ele é um monumento, um rio e um mar. Zambi nasceu em Vitória, Espírito Santo, e vive atualmente em Maceió, Alagoas. Publicou “retráteis” (Edufal,  2009) e “cerco” (randomia, 2013). É editor de Randomia & Terroria. e autor da instalação web “maquinamenos” e da série conceitual “espólio”.

Abaixo seguem a justificativa de Zambi e o poema escolhido.

“O poema ‘Carta aberta a John Ashbery’ de Waly Salomão, do livro Algaravias (1996), é um dos lances mais luminosos de nossa língua e compõe a maquinaria exuberante de formas e modos de formar que é a obra do poeta baiano. Um contramonumento: organismo vivo “na esfera da produção de si-mesmo” que se reinventa a cada aproximação renunciando às leituras totalizantes.”

CARTA ABERTA A JOHN ASHBERY

Waly Salomão

A memória é uma ilha de edição – um qualquer
passante diz, em um estilo nonchalant,
e imediatamente apaga a tecla e também
o sentido do que queria dizer.

Esgotado o eu, resta o espanto do mundo
não ser levado junto de roldão.
Onde e como armazenar a cor de cada instante?
Que traço reter da translúcida aurora?
Incinerar o lenho seco das amizades
esturricadas?
O perfume, acaso, daquela rosa desbotada?

A vida não é uma tela e jamais adquire
o significado estrito
que se deseja imprimir nela.
Tampouco é uma estória em que cada minúcia
encerra uma moral.

Ela é recheada de locais de desova, presuntos,
liquidações, queimas de arquivos,
divisões de capturas,
apagamentos de trechos, sumiços de originais,
grupos de extermínios e fotogramas estourados.

Que importa se as cinzas restam frias
ou se ainda ardem quentes
se não é selecionada urna alguma adequada,
seja grega seja bárbara,
para depositá-las?
Antes que o amanhã desabe aqui,
ainda hoje será esquecido o que traz
a marca d’água d’hoje.

Hienas aguardam na tocaia da moita enquanto
os cães de fila do tempo fazem um arquipélago
de fiapos do terno da memória.
Ilhotas. Imagens em farrapos dos dias findos.
Numerosas crateras ozonais.

Os laços de família tornados lapsos.
Oco e cárie e cava e prótese,
assim o mundo vai parindo o defunto
de sua sinopse.
Sem nenhuma explosão final.

Nulla dies sine linea. Nenhum dia sem um traço.
Um, sem nome e com vontade aguada,
ergue este lema como uma barragem
antientropia.
E os dias sucedem-se e é firmada a intenção
de transmudar todo veneno e ferrugem
em pedaço do paraíso. Ou vice-versa.

Ao prazer do bel-prazer,
como quem aperta um botão da mesa
de uma ilha de edição
e um deus irrompe afinal para resgatar o humano fardo.
Corrigindo:
o humano fado.

Confira abaixo um poema de Zambi indicado pela revista Pessoa.

UM TRATADO
Tazio Zambi

do branco
enquanto
cor
do todo

o cada
pouco
inscrito a toque
tímido

avesso a
vácuos
vícios
de carícias

&
o esconder
na lira
fria

interrompida
no irromper
de
nada
 ---------------------------------
Escrito por Carlos Henrique Schroeder em 16 de maio de 2014
Conheça o projeto Cerco de Tazio Zambi:
Fonte: Revista Pessoa online, acesso 29/05/2014

O Efeito Francisco

Documentário ressalta particularidades do primeiro Papa sul-americano
Por Ann Schneible

Um novo documentário pretende ressaltar a figura amada e muitas vezes desafiadora do Papa Francisco, que em apenas um ano, atrai a atenção do mundo.

The Francis Effect - O Efeito Francisco – estreia no Salt and Light Network em 31 de maio, e pretende explorar várias questões sobre este pontificado, desde a histórica eleição, com suas improvisadas conferências de imprensa, as mudanças institucionais relacionadas à Cúria, à ênfase sobre os ensinamentos fundamentais do Evangelho. Ou seja, o documentário revela o que se tornou conhecido como "efeito Francisco" através dos olhos do clero, professores e jornalistas, com o objetivo de compreender o particular ministério do primeiro Papa sul-americano.

"Ficou muito claro logo no início do pontificado do Papa Francisco que havia algo diferente, as pessoas prestam atenção como nunca antes”, disse Sebastian Gomes, escritor e diretor do documentário.

"À medida que os meses passavam, percebemos que o "Efeito de Francisco” crescia. Não era o que algumas pessoas chamam de período 'lua de mel'. Pareceu-nos ser algo que estava aqui para ficar".

Enquanto significativa atenção era dada a algumas mudanças superficiais do papado - seus novos sapatos, sua mudança para a residência de Santa Marta, etc - a equipe do Salt and Light percebeu a oportunidade de ir além.

O principal objetivo [do documentário], disse Gomes, "é ir mais fundo e levar as pessoas para dentro da história de uma forma que pudessem ver não apenas as mudanças superficiais, mas também histórico, cultural, burocrático, mudanças estruturais que ele também está implementando".
Uma das qualidades do Papa Francisco que o documentário enfoca é a sua forma de comunicar. "Há uma antiga máxima no Vaticano que você nunca deve falar sem um texto preparado", disse Gomes. "Isso definitivamente não se aplica a este Papa, porque ele fala o tempo todo sem um script. Se há um script, ele se desvia bastante do roteiro. Nós não sabemos o que ele vai dizer, e nem para quem".

 "Há muitas pessoas no mundo que não são católicas 
e não são cristãs, mas reconhecem 
que ele é a voz moral de maior 
autoridade no planeta hoje"

"Ele se cercou de pessoas - isso é uma mudança - e se comunica diretamente, e em linguagem simples que as pessoas entendem. Você não precisa ser uma pessoa educada para entender o que este Papa está dizendo. Pode ser qualquer um. Você não tem que ser um cristão para entender o que este Papa está dizendo. Isso faz parte do seu apelo para o mundo, e também é algo que exige uma certa investigação da nossa parte para fazer o filme: O que isso significa?"

O Efeito Francisco destaca alguns dos exemplos mais conhecidos de ‘improvisação’, como aquela coletiva de imprensa no avião voltando do Rio de Janeiro, e a entrevista do ano passado com o padre jesuíta Antonio Spadaro para La Civiltà Cattolica.

Muitos comentários que foram feitos pelo Papa durante esses encontros são pessoais, afirmou Gomes. "As pessoas realmente não sabem como interpretá-los, porque nunca ouviram um Papa falar assim antes. Ele faz alguns comentários muito significativos que nós, como Igreja, não necessariamente sabemos como aplicar, como interpretar o significado".

Outra questão explorada em The Francis Effect é a reforma interna da Igreja proposta por Francisco. "Está se tornando cada vez mais evidente que este é um Papa não só para a Igreja Católica, mas para todo o mundo. Percebemos isso na forma como ele apela para a paz, na forma como ele convidou para o dia de oração pelo que estava acontecendo na Síria há quase um ano”.

"Há muitas pessoas no mundo que não são católicas e não são cristãs, mas reconhecem que ele é a voz moral de maior autoridade no planeta hoje", disse. "Isso tem implicações significativas para a Igreja".

Por fim, o documentário explora se a particular abordagem do Papa Francisco é apenas um estilo, ou uma mudança substancial. “As pessoas tendem a dizer que é só estilo", disse Gomes. "No entanto, está se tornando cada vez mais evidente que, de certa forma, o estilo do Papa Francisco é substancial. Isso é uma coisa importante a considerar".

Uma das qualidades centrais do pontificado do Papa Francisco, afirma Gomes, é a ênfase na ideia de que "toda a missão da Igreja não é para a Igreja", mas para o mundo todo.

"O mundo precisa que a Igreja seja a Igreja no seu melhor", disse ele, "e a Igreja faz o seu melhor quando fala sobre os atributos fundamentais do Evangelho e de Jesus: amor, aceitação, abertura, misericórdia, perdão. Isso é o que o mundo precisa. Isso é o Evangelho. Francisco, encarnando isso à sua maneira, está mudando várias cabeças, atraindo muita atenção, e abrindo muitos corações e mentes. Isso é muito bom".
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Fonte: Zenit.org. 28/05/2014
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quarta-feira, 28 de maio de 2014

Robert De Niro fala sobre a relação com o pai homossexual

 O ator Robert De Niro ao lado do pai, o pintor Robert De Niro Sr. Foto: Reprodução 
O ator Robert De Niro ao lado do pai, o pintor Robert De Niro Sr. Reprodução 

Ator homenageia o pintor, morto há 20 anos, no documentário 'Remembering the artist Robert De Niro Sr.'

Lembrado principalmente por papéis durões, como um gângster, um boxeador ou um chefe da máfia, Robert De Niro raramente se abre sobre sua vida pessoal. No entanto, com o documentário sobre seu pai, "Remembering the artist Robert De Niro Sr.", que estreia na HBO em junho, nos Estados Unidos, o ator de "Taxi driver" e "Touro indomável" tem falado mais sobre seu pai, abertamente gay.

Descrevendo seu progenitor, um pintor que morreu de câncer há 20 anos, como sendo "sempre um grande artista", De Niro, o filho, falou sobre sua família. "Sim, ele provavelmente tinha conflitos por ser gay, sendo daquela geração, especialmente em uma cidade pequena do interior", disse o ator, em entrevista à revista "Out"

"Eu não estava muito a par da situação. Eu queria que ele tivesse falado mais sobre isso. Minha mãe não gostava de falar sobre situações em geral, e você não está muito interessado quando tem uma certa idade".

Admitindo que o assunto o deixa emocionado, o ator de 70 anos continuou: "Nós não éramos o tipo de pai e filho que jogam beisebol juntos, como você pode perceber. Mas nós tivemos uma conexão. Eu não ficava muito com ele, porque meu pai e minha mãe estavam divorciados. Como eu disse no documentário, eu tomava conta dele de certas maneiras".

"Ele era ausente em alguns aspectos", revelou o ator. "Mas ele era muito amoroso, ele me adorava... assim como eu adoro meus filhos". O documentário conta a história do pai do ator através de seus diários. Em um trecho do filme, De Niro lê algumas das lembranças do pai, como quando ele decidiu deixar a mãe do ator quando percebeu que era gay.

"Remembering the artist Robert De Niro Sr." estreia nos EUA em 9 de junho. 
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Fonte: O Globo online, 28/05/2014

terça-feira, 27 de maio de 2014

Como nascem os preconceitos

 Frei Betto*
García Márquez, em Doze contos peregrinos, conta a história de um cachorro que, todos os domingos, era encontrado no cemitério de Barcelona, junto ao túmulo de Maria dos Prazeres, uma ex-prostituta.

Com certeza se inspirou nas histórias reais de Bobby, um terrier de Edimburgo, Escócia, que durante catorze anos guardou o túmulo de seu dono, enterrado em 1858. Pessoas comovidas com a sua fidelidade cuidavam de alimentá-lo. O animal foi sepultado ao lado e, hoje, há ali uma pequena escultura dele e uma lápide, na qual gravaram: “Que a sua lealdade e devoção sejam uma lição para todos nós.”

Em Tóquio, ergueram também uma estátua, na estação Shibuya, em homenagem a Hachiko, cão da raça Akita que todos os dias ali aguardava seu dono retonar do trabalho. O homem morreu em 1925. Durante onze anos o cachorro foi aguardá-lo na mesma hora em que ele costumava regressar. Hoje, a estação tem o nome do animal.

Cães e seres humanos são mamíferos e, como tal, exigem cuidados permanentes, em especial na infância, na doença e na velhice. Manter vínculos de afeto é essencial à felicidade da espécie humana. A Declaração da Independência dos EUA teve a sabedoria de incluir o direito à felicidade, considerada uma satisfação das pessoas com a própria vida.

Pena que atualmente muitos estadunidenses considerem a felicidade uma questão de posse, e não de dom. Daí a infelicidade geral da nação, traduzida no medo à liberdade, nas frequentes matanças, no espírito bélico, na indiferença para com a preservação ambiental e as regiões empobrecidas do mundo.

É o chamado “mito do macho”, segundo o qual a natureza foi feita para ser explorada; a guerra é intrínseca à espécie humana, como acreditava Churchill; e a liberdade individual está acima do bem-estar da comunidade.

O darwinismo social é uma ideologia cujos hipotéticos fundamentos já foram derrubados pela ciência, em especial a biologia e a antropologia. Basta ler os trabalhos do pesquisador Frans de Waal, editados no Brasil pela Companhia das Letras. Essa ideologia foi introduzida na cultura ocidental pelo filósofo inglês Herbert Spencer, que no século XIX deslocou supostas leis da natureza, indevidamente atribuídas a Darwin, para o mundo dos negócios.

John D. Rockfeller chegou ao ponto de atribuir à riqueza um caráter religioso ao afirmar que a acumulação de uma grande fortuna “nada mais é que o resultado de uma lei da natureza e de uma lei de Deus.”

Na natureza há mais cooperação que competição, afirmam hoje os cientistas. O conceito de seleção natural de Darwin deriva de sua leitura de Thomas Malthus, que em 1798 publicou um ensaio sobre o crescimento populacional. Malthus afirmava que a população que crescer à velocidade maior que o seu estoque de alimentos seria inevitavelmente reduzida pela fome.

Spencer agarrou essa ideia para concluir que, na sociedade, os mais aptos progridem à custa dos menos aptos e, portanto, a competição é positiva e natural. E os que são cegos às verdadeiras causas da desigualdade social alegam que a miséria decorre do excesso de pessoas neste planeta, e que medidas rigorosas de limitação da natalidade devem ser aplicadas.

Nem Malthus nem Spencer se colocaram uma questão muito simples que, em dados atuais, merece resposta: se somos 7 bilhões de seres humanos e, segundo a FAO, produzimos alimentos para 12 bilhões de bocas, como justificar a desnutrição de 1,3 bilhão de pessoas? A resposta é óbvia: não há excesso de bocas, há falta de justiça.

Quanto mais são derrubadas barreiras entre classes, hierarquias, pessoas de cor de pele diferente, mais os privilegiados e seus ideólogos se empenham em busca de possíveis justificativas para provar que, entre humanos, uns são naturalmente mais aptos que outros.

Outrora os nobres eram considerados uma espécie diferente, dotada de “sangue azul”. Como quase não tomavam sol e tinham a pele muito branca, as veias das mãos e dos braços davam essa impressão.
Com a Revolução Industrial, gente comum se tornou rica, superando em fortuna a nobreza. Foi preciso então uma nova ideologia para tranquilizar aqueles que galgam o pico da opulência sem olhar para trás. “Que o Estado e a Igreja cuidem dos pobres”, insistiam eles. E tão logo o Estado e a Igreja passaram a dar atenção aos pobres (e é bom frisar, sem deixar de cuidar dos ricos, que o digam o BNDES e a Cúria Romana), como no caso do Estado de bem-estar social, do socialismo e da Teologia da Libertação, os privilegiados puseram a boca no trombone, demonizando as políticas sociais, acusadas de gastos excessivos, e a “opção pelos pobres” da Igreja.

Preconceitos e discriminações não nascem na natureza. Brotam em nossas cabeças e contaminam as nossas almas.
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* Frei Betto é escritor, autor de “A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio), entre outros livros.
Fonte: Mercado ético, 26/05/2014
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segunda-feira, 26 de maio de 2014

"Algumas formas de desigualdade são justificáveis?”

 

O filósofo político norte-americano – e fenômeno global pop – Michael Sandel é o conferencista de hoje do Fronteiras do Pensamento. Professor da Universidade de Harvard, ele chega a Porto Alegre depois de já ter palestrado em mais de 30 países e lançado na internet um curso (intitulado Justiça, como um de seus best-sellers) que já foi visto por mais de 3,5 milhões de pessoas ao redor do mundo.

A partir da abordagem de temas tão diferentes como genética, aborto, casamento homossexual, mercado financeiro e, principalmente, justiça, Sandel mostra como as maiores questões da vida podem ser analisadas com a razão:

– As soluções passam pelo debate, e não precisam ser as mesmas para todas as sociedades democráticas. O que cada sociedade tem que descobrir é como ela quer viver junta.

A conferência terá início às 19h45min, no Salão de Atos da UFRGS. Ainda há ingressos disponíveis – os passaportes são vendidos para todas as oito palestras da temporada, que se estende até novembro na Capital.

Confira, a seguir, a entrevista concedida por Sandel a ZH por e-mail.

O senhor poderia antecipar os principais assuntos que abordará em sua conferência? Sobre o que tem falado em suas palestras ultimamente?

Quero discutir alguns dos desafios éticos mais importantes com os quais deparamos hoje, em nossas vidas pessoais e também como cidadãos. Por exemplo, o que fazer para termos uma sociedade justa? Como as coisas boas da vida – renda e riqueza, poder e oportunidade, honra e reconhecimento – deveriam ser distribuídas? De acordo com quais princípios? É justo que Neymar ganhe tanto dinheiro a mais, na comparação com um professor de colégio? Toda a desigualdade é injusta, ou algumas formas de desigualdade são justificáveis? Esses são alguns assuntos que abordo no livro Justiça – O que É Fazer a Coisa Certa (Civilização Brasileira, 2011, 352p., R$ 42). Também planejo discutir uma questão ética que nós frequentemente ignoramos nos debates públicos: qual deve ser o papel do dinheiro e do mercado na sociedade? Há algo que o dinheiro não deveria conseguir comprar? Isso já é algo que discuto no meu livro mais recente, O que o Dinheiro Não Compra – Os Limites Morais do Mercado (Civilização Brasileira, 2012, 240p. R$ 32). E é o que tenho abordado nas minhas palestras recentes ao redor do mundo. É fascinante ouvir como plateias diferentes, em países diferentes, respondem a essas questões e a esses dilemas éticos. Nos últimos meses, palestrei na China, na Índia, na Austrália, na Itália, na Espanha, na Alemanha, na Grã-Bretanha, no Japão e na Colômbia, entre outros lugares. A despeito das diferenças políticas e culturais que esses países têm entre si, todos parecem ansiosos para enfrentar essas discussões. Quero ver como os brasileiros vão receber esse debate.

Como devemos entender a ética? Como um conceito atemporal ou como algo que muda constantemente de acordo com a história, os lugares e o contexto de cada abordagem?

Ética é um conceito sobre o que é certo e o que é errado, justiça e injustiça. Nós podemos ler hoje o que diziam filósofos muitos antigos e entender seus argumentos sobre o tema. Isso sugere que a ética, do ponto de vista filosófico, tem um aspecto atemporal, ou ao menos uma aspiração universal. Também é verdade, no entanto, que culturas e tradições diferentes fazem uso desse conceito a partir de perspectivas diferentes. Acredito que é um erro ignorar tradições particulares e específicas ligadas ao conceito quando se vai refletir sobre o assunto. Da mesma forma, é um erro assumir que essas tradições não podem conversar com outras e às vezes aprender com culturas e abordagens distintas do mesmo tema.

Muitos escritores e filósofos têm ponderado sobre o fenômeno da internet. O senhor tem permitido o acesso online aos seus seminários sobre ética. Acredita que, atualmente, a internet pode desempenhar uma mediação que é ela própria ética?

A internet não pode por si só impor melhorar a compreensão do homem ou tornar o mundo um lugar melhor. É apenas uma ferramenta. E não podemos esquecer que as ferramentas, às vezes, podem ser usadas para propósitos bons ou maus. Eu acho que a internet pode ser usada para fins que valem a pena, como a educação cívica e o discurso público global. Mas isso requer a constituição de comunidades de aprendizagem e que estejam dispostas ao diálogo. Quando, alguns anos atrás, disponibilizamos online minhas palestras na Universidade de Havard (www.justiceharvard.org), o fizemos experimentalmente com acesso livre. Minha intenção era mostrar que a mais alta educação pode ser um bem público, e não apenas um privilégio de poucos. Fiquei surpreso: nunca tinha imaginado que milhões de pessoas assistiriam a uma conferência de filosofia na internet! Mais recentemente fiz um novo experimento, transmitindo uma aula ao vivo no formato de videoconferência. Conectamos minha sala de aula de Harvard com estudantes de universidades em quatro países bem diferentes – China, Índia, Japão e Brasil. E tivemos uma discussão em tempo real conectando pessoas desses lugares com os EUA. Espero continuar experimentando outras maneiras de superar limites nacionais e culturais para fazer as pessoas discutirem as grandes questões éticas impostas pela civilização democrática.

O senhor escreveu, no prefácio de seu livro Justiça: “Para saber se uma sociedade é justa, basta questionar como ela distribui aquilo que valoriza”. Seguindo essa definição, o mundo tem ficado mais ou menos justo depois da crise de 2008?

Não acredito que tenhamos respondido efetivamente à crise financeira do fim da década passada. Embora tenhamos visto algumas reformas regulatórias modestas, muitos bancos e instituições financeiras ainda estão na condição de “grandes demais para falir”. Não me parece que podemos dizer que o mundo ficou mais justo desde 2008. Quando a crise financeira surgiu, acho que muitas pessoas esperaram que nós teríamos um profundo debate público sobre o propósito do mercado financeiro nas nossas vidas. Em que momento o mercado serve à população? Em que tipo de ocasião ele não deve estar envolvido? Infelizmente, contudo, não tivemos um debate de fato. Na maior parte do mundo, a distância entre os ricos e os pobres cresceu, e não encolheu, desde a crise. Ainda temos muito trabalho para tornar nossas sociedades mais próximas daquilo que seria o ideal de justiça e democracia.
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carlos.moreira@zerohora.com.br
Reportagem por CARLOS ANDRÉ MOREIRA
Fonte: ZH online, 26/05/2014
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“Marx Global”: Entrevista con Jan Hoff

 marx global Jan Hoff
El libro de Jan Hoff Marx Global representa sin duda el estudio más completo de las diferentes interpretaciones de la crítica marxiana de la economía política desde los años 60 hasta la actualidad. En esta entrevista, el autor presenta las cuestiones principales de este trabajo, reexamina las grandes interpretaciones y propone descentrar nuestro enfoque de Marx poniendo en primer plano algunos debates ampliamente ignorados en Europa o en los Estados Unidos.
 
En tu libro, Marx Global1, propones una cartografía exhaustiva y ambiciosa de los debates en economía política marxista desde 1965. Puedes presentarnos los objetivos principales de esta obra? Por que las interpretaciones de Marx deben ser examinadas a la luz de su contexto de elaboración geográfico, social y político?
J.H.: El objetivo principal de Marx Global hace referencia al contexto específico de Alemania, donde siempre ha habido una cantidad considerable de investigaciones sobre Marx y su crítica de la economía política. Hoy, existen tres revistas alemanas dedicadas no solamente al marxismo en general (como es el caso, por ejemplo, de Actuel Marx) sino a los “estudios marxianos” (o a la “marxología” como habría dicho Maximilien Rubel). En Alemania, mucha gente sigue leyendo El Capital y participan en debates que giran en torno a cuestiones metodológicas, la teoría del valor, la teoría de las crisis, etc.
En la Alemania Occidental (después de la Segunda Guerra Mundial), este interés por Marx arraigó en el movimiento estudiantil de los años 60, dentro del cual emergió una nueva consciencia de la pertinencia de las investigaciones metodológicas sobre El Capital (en este aspecto, la obra de Roman Rosdolsky fue crucial). La otra cara de la moneda de este debate alemán floreciente es su “provincialismo”, exacerbado en las últimas décadas, notablemente desde los años 80.
La mayor parte de los alemanes interesados en la crítica marxiana de la economía política apenas han conocido las discusiones que se desarrollaron en otros idiomas. Autores como Jaques Bidet, Enrique Dussel, Kozo Uno, etc. generalmente no son ni leídos ni mencionados en el debate alemán. Incluso la reciente literatura anglófona sobre Marx (pienso claramente en la “dialéctica sistemática”, en la teoría de la forma-valor y en las discusiones sobre las relaciones Marx-Hegel) es más bien desatendida en Alemania.
Escribí Marx Global como reacción a esta laguna, teniendo en cuenta el lector alemán, con la esperanza que el debate alemán se beneficie de una relación más estrecha y de un conocimiento más profundo de las discusiones que se desarrollaban en el exterior del país. Como escribe Marx en el prefacio del Libro I de El Capital “una nación puede y debe aprender de las otras”. Esta célebre máxima debería igualmente aplicarse a los debates alrededor de su teoría.
Por consecuente, el objetivo último del libro era contribuir a la “universalización” de las discusiones sobre la teoría marxiana del valor y del dinero, el método y la estructura de su proyecto, las categorías centrales como “capital en general” y la comprensión específica de su objeto.

Algunos capítulos de tu libro están dedicados a las lecturas japonesas, sur-asiáticas y latinoamericanas de Marx. Que podemos aprender no solamente teóricamente sino también política y estratégicamente de este enfoque descentrado de las interpretaciones “occidentalo-centradas” de la crítica de la economía política?
J.H.: Japón es un ejemplo asombroso, sin duda el caso más impresionante a escala mundial. Los estudios serios de El Capital comenzaron a desarrollarse después de la Primera Guerra Mundial, tras el lanzamiento de la primera edición completa en tres volúmenes (1920-1924). En el intervalo de unos años, asistimos a una recepción masiva de la crítica de la economía política. Aunque el marxismo fue oficialmente liquidado y numerosos intelectuales influyentes como Fukumoto (en 1928) o Kawakami (en 1933) fueron arrestados por razones políticas, se vendieron cientos de miles de ejemplares de El Capital. En 1945, con la emancipación del marxismo japonés de la represión del Estado, asistimos a un nuevo auge de este.
Comparamos con la Alemania Occidental: durante el periodo de posguerra, aunque solo un puñado de marxistas podían (es decir, estaban autorizados a) enseñar en (el marco de) la universidad, el estudio sistemático de El Capital estaba ampliamente expandido en Japón y ocupaba una posición de fuerza en el corazón mismo del mundo académico. Las diferentes escuelas “heterodoxas” que vieron la luz durante los años 1950-1970 -la escuela de Uno, la escuela- de la sociedad civil, la escuela de Hiromatsu- aún existen en el presente.
El debate latinoamericano parece más familiar y bastante similar a las discusiones llevadas a cabo en Europa occidental. Desde los años 1960-1970, diferentes corrientes de pensamiento marxista se disputaban la hegemonía, y la cuestión de saber si se era pro o anti-Althusser estaba generalmente en el centro de las controversias. Entre los estudios marxianos latinoamericanos, destaca el proyecto de lectura sistemática de los diferentes “borradores” de la obra central de Marx (esto es, de los Grundrisse a El Capital pasando por los Manuscritos de 1861-1863) llevado a cabo por Enrique Dussel entre 1985 y 1990. El debate contemporáneo sobre Marx en Latinoamérica es muy activo, especialmente en Brasil. La recepción brasileña reciente de Marx se ha enriquecido con la publicación, en 2011, de la primera edición completa de los Grundrisse en portugués.
De ahora en adelante, está claro que la discusión de la crítica de la economía política es imposible de llevar a cabo desde un punto de vista eurocéntrico. En mi libro, he intentado mostrar que los países no europeos aportan un amplio abanico de contribuciones muy elaboradas a la discusión de la teoría de Marx que no pueden simplemente ser ignoradas por los actores del debate europeo.

La categoría de “marxismo occidental” elaborada por Perry Anderson sigue siendo pertinente? O necesitamos un nuevo tipo de topografía teórica?
J.H.: El término “marxismo occidental” popularizado por Perry Anderson es, en mi opinión, más bien problemático. Por otro lado, la definición que ofrece me parece bastante vaga. El principal problema que señalaría es que un tipo de categorización geográfica está asociada a criterios que remiten a un contenido más estrictamente conceptual. Algo que hace el mantenimiento del término, a mi parecer, muy delicado. Observemos algún caso concreto que muestre como el uso de esta categoría suscita una serie de problemas.
Georg Lukács y Karl Korsch son tradicionalmente considerados como los padres fundadores de esta tradición, pero estos dos teóricos fueron también influyentes (a través de Kazuo Fukumoto) durante el primer periodo de recepción del marxismo en Japón. Ahora bien, es pertinente utilizar esta categoría de “marxismo occidental” para caracterizar una cierta corriente del marxismo japonés de los años 1920?
Una cuestión similar podría plantearse a propósito del marxismo latinoamericano, en lo que concierne por ejemplo la reformulación de la teoría marxiana como “filosofía de la praxis” por parte del filósofo mexicano Adolfo Sánchez Vázquez en los años 1960. Podemos circunscribir este enfoque a las coordenadas del “marxismo occidental”?
E incluso, el humanismo marxista es tradicionalmente considerado como inscrito en el espectro teórico del “marxismo occidental” (a pesar del hecho que el anti-humanismo althusseriano sea también, según Anderson, parte de esta tradición), pero podemos decir tanto de la basta discusión sobre el humanismo marxista que se produce en China durante los años 80… Y qué pasa con varias corrientes de Europa del Este cuyas lecturas de Marx parecen bastante cercanas del “marxismo occidental”, como por ejemplo la Escuela de Budapest o el Grupo Praxis?
En todos estos casos, es difícil trazar una línea de demarcación clara entre “Marxismo occidental” y “Marxismo no-occidental”, al menos cuando se concentra en el contenido teórico de diversas interpretaciones de Marx antes que en su proveniencia geográfica.
 
Podríamos decir que, retrospectivamente, pudo existir en los años 60 una matriz conceptual común, en el plano de la crítica de la economía política, entre el althusserismo en Francia, el operaismo en Italia y lo que se elaboraba por parte de ciertos sectores de la Teoría Crítica en Alemania (Backhaus, Reichelt, Krahl)?
J.H.: Si examinamos esta cuestión más de cerca, puede resultar difícil delimitar y responder con un “sí” o un “no”. Pero es ciertamente posible identificar puntos de convergencia, de tensión y similitud entre estas corrientes.
De entrada, parece bastante difícil señalar un uso común de las obras de Marx desde un punto de vista filológico o bibliográfico, excepto el hecho que todas estas corrientes se refieren al Marx de madurez, el de la crítica de la economía política, antes que al joven Marx (pero esto de maneras cada vez diferentes). El operaismo así como la Neue Marx Lektüre (parcialmente influenciada por la Teoría Crítica frankfurtiana) tienen en común la insistencia en ciertos textos, realmente descubiertos y discutidos en esta época, como los Grundrisse; aunque en Francia, no es por parte de Althusser sino más bien de cierta “ultra izquierda” (Rubel, Camatte, Dangeville) o del trotskismo (el joven Jean Marie Vicent) que los Grundrisse fueron en un primer tiempo estudiados.
La coyuntura política es en cada uno de estos tres países singular, lo que hace complicada la idea de una “matriz conceptual común”: Althusser seguirá fiel al Partido Comunista Francés que fue durante un periodo suficientemente largo un verdadero partido de masas, mientras que la primera ola de la Neue Marx Lektüre era cercana al ala antiautoritaria y extraparlamentaria del movimiento estudiantil (representado por Hans Jürgen Krahl y otros) y guardó siempre sus distancias con el minúsculo Partido Comunista Alemán.
Desde el punto de vista teórico, también hay que tener en cuenta que ciertos teóricos asociados a la Escuela de Frankfurt como Alfred Schmidt criticaron rápidamente a Althusser cuando su pensamiento llegó a Alemania. En comparación con otros países de Europa occidental (Reino Unido, España), Althusser tuvo mucha menos influencia en Alemania Occidental durante los años 1970. Sin embargo, reconozcamos que Althusser y la Neue Marx Lektüre comparten una misma insistencia en la pertinencia de una lectura epistemológica de Marx.
La asociación mas célebre ente Althusser y el operaismo es probablemente la invitación hecha a Antonio Negri para dirigir un seminario parisino a finales de los 70, seminario que acabaría con la publicación de Marx más allá de Marx. Finalmente, el operaismo fue introducido en Alemanía Occidental durante los años 70, pero su recepción alimentó más las discusiones políticas que los debates especializados sobre Marx.

Tu libro acaba con una discusión de las teorías marxistas de la crisis. Cuales son las principales divergencias entre las diferentes concepciones marxistas de las crisis en general y los diferentes análisis de la crisis actual del modo de producción capitalista en particular? Podríamos interpretar la actual recuperación del interés por la “teoría de la forma-valor” como una voluntad de elaborar una teoría crítica unificada y sistemática de las crisis?
J.H.: Primeramente, mencionemos una cierta matriz canónica que proviene de los diferentes enfoques de la teoría marxista de las crisis ubicados entre la vuelta de siglo XIX al XX hasta los años 30. A saber, diferentes concepciones relativamente célebres y más o menos opuestas: interpretaciones de las crisis en términos de subconsumo o de desproporción, teoría de la sobreacumulación y diversas teorías del derrumbe.
En un segundo momento, a partir de de los años 1960-1970, aparecen nuevos enfoques: teoría del profit squeeze, enfoques relacionados con la escuela de la Regulación, tentativas diversas de combinar Marx y Minsky. En Japón se traza una vía propia con un amplio debate sobre la teoría de las crisis desde 1929 (Kuruma, Uno/Itoh, Tomizuka).
En todos los casos, soy bastante escéptico sobre la pertinencia y la utilidad de una gran teoría unificada y sistemática de la crisis. De todos modos, observemos con más precisión que hay en la obra misma de Marx.
He llegado a la conclusión que Marx tuvo razón en no considerar la crisis como un sujeto autónomo a tratar aisladamente y “en sí”, sino más bien como el reverso de la inmensa dinámica de acumulación del capital, como el reverso de la pulsión del capital a realizarse más allá de sus propios límites. La crisis no es nada más que el punto de inflexión del proceso cíclico de acumulación donde la autovalorización (Selbstverwertung) del valor se encuentra enfrentado a sus propios límites internos. El Capital de Marx posee una arquitectura compleja, es una totalidad estructurada que comprende diferentes niveles de abstracción. La crisis se refiere al proceso de acumulación del capital en múltiples niveles. De entrada, Marx no nos ha dejado una explicación o un único y sistemático capítulo referente a su teoría de las crisis, pero intentó tratar esta cuestión según sus diferentes aspectos y contextos, y según los diferentes niveles de abstracción de su conceptualización -partiendo de la teoría de la circulación simple hasta la teoría del crédito en el libro III.
Para concluir, pienso que las lecturas de Marx que tratan eso que podemos calificar de “teoría de la forma-valor” poseen una pertinencia real para la teoría de las crisis. La teoría marxiana del valor y de la forma-valor está relacionada internamente a su concepto de dinero -por ello algunos investigadores alemanes hablan de “teoría monetaria del valor” (monetäre Wertheorie) en Marx-, sabiendo que las nociones de dinero y crédito son fundamentales en la concepción marxista de las crisis. A nivel internacional, algunos investigadores se apoyan precisamente en el examen de las estrechas relaciones que pueden existir entre estas categorías con el objetivo de reformular el concepto marxiano de la crisis (podríamos citar, por ejemplo, el investigador sur-coreano No-Wan Kwack).

Entrevista realizada por Vincent Chanson y Frédéric Monferrand.
Traducción para Marxismo Crítico de Ivan Gordillo

1Jan Hoff, Marx global. Zur Entwicklung des Internationalen Marx-Diskurses seit 1965, Berlin, Akademie Verlag, 2009 
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Fonte:  http://marxismocritico.com/2014/05/26/marx-global/