sábado, 12 de abril de 2014

Precisamos falar sobre os nossos velhos,

Luís Gustavo Pedroso Lacerda*

Todos nasceram velhos – desconfio.

Em casas mais velhas que a velhice,

em ruas que existiram sempre –

sempre assim como estão hoje

e não deixarão nunca de estar:

soturnas e paradas e indeléveis

mesmo no desmoronar do Juízo Final.

Carlos Drummond de Andrade

Reza a lenda que os elefantes, ao verem se aproximar a morte, afastam-se voluntariamente do grupo principal a que pertencem, optando por um exílio no qual são acompanhados, muitas vezes, por outros elefantes que sentem findar o tempo e, até que exalem o último suspiro, não restarão abandonados ou desamparados nos derradeiros momentos da vida.

Entre nós, seres supostamente racionais, conhecida é a atenção dada pelos orientais aos pares mais velhos, valorizados, menos pelos galardões e honrarias passageiras do que pela experiência, pelo conhecimento e pela sabedoria amealhados na longa trajetória da vida. São considerados, respeitados e até mesmo cultuados pelos mais jovens.

Mas e nós, como cuidamos dos nossos velhos?

A preocupação especial com os idosos não se trata de generosidade oportuna ou de demagogia de ocasião, mas se sustenta apenas na consideração das estatísticas demográficas. Segundo dados do IBGE, a expectativa média de vida do brasileiro já ultrapassou 74 anos, tendo aumentado mais de três anos desde o início deste século. Neste aspecto, o Rio Grande do Sul merece ainda mais a atenção, pois aqui no extremo meridional do Brasil a expectativa média de vida ficou, igualmente a partir de levantamentos de dados do IBGE, em 76 anos. Se observada, então, a projeção do índice de envelhecimento da população brasileira, que vai de 18,7%, em 2000, a 206,2%, em 2060, também de acordo com aquele órgão federal, a preocupação com os idosos é mais do que justificada.

Nessa linha de argumentação é que se está propondo ao Tribunal de Justiça do Estado, no âmbito adequado, a criação de uma vara especializada no enfrentamento das demandas envolvendo especialmente os idosos que necessitem da nomeação de outra pessoa que lhes possa gerir a vida civil e assumir a responsabilidade pelos cuidados imediatos necessários. Tais demandas, com o incremento da expectativa de vida acima mencionada, tendem, por corolário lógico, somente a aumentar. A especialização de uma das unidades jurisdicionais do foro da Capital, ao invés da distribuição desses feitos entre quase uma dezena de varas, permitiria a harmonização dos procedimentos, a atenção peculiar do magistrado e, especialmente, a uniformização do acompanhamento das responsabilidades assumidas por terceiros para com as pessoas curateladas.

Lógica, e felizmente, nem todos que avançarem na idade vão necessitar ser interditados, tampouco se concebe haja viés pejorativo simplesmente ao se denominar alguém de “velho”, mas a entonação retórica impende ficar, de forma límpida e clara, afastada, para o resultado da proposta vir ao encontro do seu verdadeiro objetivo.

Precisamos, enfim, falar sobre os nossos velhos. Mas não apenas falar. Devemos transmudar as palavras em atos concretos, para que se sintam amparados por aqueles que os sucederam na marcha inexorável do tempo, mesmo que “soturnos, parados e indeléveis, no desmoronar do Juízo Final”.
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*JUIZ DA 2ª VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES DE PORTO ALEGRE
Fonte: ZH online, 12/04/2014
imagem da Internet

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