domingo, 19 de janeiro de 2014

Orgulho e preconceito

Marcelo Pires*
Imagine a cena: rapaz está de bicicleta atravessando o parque. Na camiseta que veste, estampa de Che Guevara. Um amigo do rapaz, também de bicicleta, aparece na cena. Na camiseta dele, Bob Marley.

Nova cena. Senhora está fazendo ioga. Na parede do fundo da sala ampla e iluminada, vemos um pôster com o rosto de Dalai Lama e a frase: “Só existem dois dias no ano em que nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro se chama amanhã”.

Uma nova cena aparece aí na sua imaginação. Um executivo toma café em seu escritório. Na xícara, vemos um retrato pop e colorido de Mao Tsé-tung.

Outra cena. Menino na escola. Sala de aula. Sobre a mesa, o estojo de lápis tem uma foto de Pelé. E na capa do caderno, foto de Neymar.

Nova cena. Bairro boêmio, bar de universitários. Na bolsa de uma jovem, estampa de Jesus Cristo. No boné de outro, Martin Luther King. E na camiseta baby look de uma terceira jovem, Psy. Todos conversam e, de repente, caem na gargalhada. A menina da camiseta gangnam style é muito engraçada.

Última cena do filme que estamos imaginando juntos. Praia. Na canga da moça bonita que acaba de chegar, vemos os Beatles. Um cara, vestindo uma bermuda que tem várias estampas com o rosto de Gandhi, logo puxa papo com ela (você já reparou, ele diz, Jonh Lennon e Gandhi usavam os mesmos óculos. A garota sorri, gostando da abordagem).

Nosso roteiro, apesar das cenas imaginárias, deixa claro: temos orgulho de demonstrar, no dia a dia, o quanto certos ídolos da humanidade – talentosos, idealistas, revolucionários – influenciaram nosso jeito de pensar.

O orgulho é tanto, que incorporamos esta influência à indumentária – ou aos objetos da vida doméstica. Ideologia virou tema de coleção.

Agora, reveja nosso “filminho” e constate: os ídolos da humanidade vêm de lugares bem distintos – e têm origem em várias raças. Latinos, afros, asiáticos, americanos, admiramos pessoas de todas as cores e procedências.

Se a humanidade é pródiga em gerar gente admirável pelos quatro cantos do mundo, vale perguntar como é que ainda pode existir quem julgue alguém apenas por sua aparência. Apenas por sua origem. Apenas por sua estampa.

O mundo já melhorou muito em tolerância. Mas precisa melhorar muito mais. A ponto de não apenas “tolerarmos” os outros – mas nos divertirmos com os contrastes.

Vamos parar de nos assustar quando vemos na rua um sujeito que – com as mesmas roupas, a mesma cor de pele, a mesma atitude – a gente aplaude quando surge na tela da TV. Rolezinho no shopping dos outros é movimento social. No nosso mall, sempre será vandalismo.

A ironia disso tudo: uma pessoa que, por ser diferente, sofre preconceito, de um dia pro outro vira um ídolo de todos nós – justamente por ser diferente.

Ergo meu copo com a estampa de Nelson Mandela e faço um brinde a este ainda recente feliz ano novo.

Que nossos corações sejam tão elegantes e diversificados quanto as lojinhas de objetos de design.

Falar em gente admirável: não consigo parar de escutar o novo CD de Marcelo Jeneci, De Graça. Letras incríveis, melodias inspiradas e arranjos generosos. De Graça você escuta de graça no site marcelojeneci.com. O paulistano Jeneci já pode virar estampa de camiseta.
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Fonte: ZH online, 19/01/2014
Imagem Iternet

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