quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

O espírito do Natal, segundo o papa Francisco

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Numa banda desenhada recentemente publicada, uma menina contava à sua amiga que, para este Natal, tinha pedido aos pais que não lhe dessem presentes, mas apenas “espírito natalício”, e que os pais tinham ficado desconcertados, sem entender nem saber que fazer. A mensagem parece-me muito pertinente e coloca-nos certamente a pergunta: o que é o espírito natalício? 

Dá a impressão de que para responder haveria que empreender uma corrida de obstáculos através de muitas barreiras, entre outras as que nos impõe o acelerado consumismo de fim de ano. Mas a pergunta está aí. Ao longo dos tempos, a arte procurou expressá-lo de mil maneiras e conseguiu avizinhar-nos muito do significado desse espírito natalício. Quantos contos de Natal nos oferecem histórias que nos aproximam dele! As belíssimas narrativas de Andersen, Tilich, Lenz, Böll, Dickens, Gorki, Hamsun, Hesse, Mann e muitos outros conseguiram abrir horizontes de significado que nos fazem entrar por este caminho de compreensão do mistério, porém são insuficientes.

E, no entanto, é precisamente um relato, um relato histórico, que nos abre as portas ao real significado do “espírito natalício”. Um relato simples e preciso. Diz assim: «Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto para ser recenseada toda a terra. Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino governador da Síria. Todos iam recensear-se, cada qual à sua própria cidade. Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que se encontrava grávida. E, quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria» (Lucas 2, 1-7).

Trata-se de um relato histórico, simples e com marcada referência ao caminho percorrido pelo povo de Israel. Quando Deus elegeu o seu povo e começou a caminhar com ele, fez-lhe uma promessa; não lhe vendeu ilusões, mas semeou a esperança nos seus corações; a esperança nEle, Deus que se mantém fiel pois não pode desdizer-se a si mesmo; deu-lhe essa esperança que não defrauda. Baseados no relato acima transcrito, nós, cristãos, sustentamos que essa esperança se consolidou. Consolida-se e lança-nos para diante, até ao momento do reencontro definitivo. Assim se manifesta o “espírito natalício”: promessa que gera esperança, consolida-se em Jesus e projeta-se, também na esperança, até à segunda vinda do Senhor.

O relato citado continua a narrar a cena dos pastores, a aparição dos anjos e o cântico que é mensagem para todos: «Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens por Ele amados». A esperança consolidada não aponta só para o futuro, mas também transborda no próprio presente e expressa-se em desejos de paz e fraternidade universal que, para se converterem em realidade, têm de se enraizar em cada coração nosso.

Cada vez que leio o relato e contemplo a cena, penetrando neste espírito de esperança e de paz, penso em todos os homens e mulheres, crentes ou não crentes, que percorrem o caminho da vida e trilham a senda de muitas procuras, na esperança ou na desesperança, e em mim brota o desejo de me aproximar, de desejar paz, muita paz, e também de a receber; paz de irmãos, pois todos o somos, paz que constrói. Desejar e receber essa paz que definitivamente possibilita, no meio de tantas névoas e noite, podermos reconhecermo-nos e reencontrarmo-nos como irmãos, podermos reconhecermo-nos no nosso rosto que nos reflete criados à imagem de Deus. Será isto parte do espírito natalício que aquela menina da banda desenhada reclamava ao seus pais?

Este texto, intitulado "O espírito do Natal", foi publicado em 23.12.2011 no jornal argentino "La Nación", assinado pelo cardeal Jorge Mario Bergoglio, hoje papa Francisco, à época arcebispo de Buenos Aires.
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In AICA (Agencia Informativa Católica Argentina)
Fonte: © SNPC (trad.) | 24.12.13

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