sábado, 26 de outubro de 2013

Machos x poderosas

Diana Lichtenstein Corso*

 

O desafio é aprender a amar sem defender-se 
nos clichês de gênero.
Amor e sexo são intimidade e ternura, mas também confronto, duelo, perigo. Deles são aqueles momentos em que se pensa: Eu poderia morrer agora, não importa, numa aventura radical, em que cada um dos parceiros precisa ultrapassar os limites do outro.

Bataille, em seus escritos sobre erotismo, diz que somos seres “descontínuos”, peculiares por sermos diferentes uns dos outros. Nessa especificidade, reside tudo o que sabemos ser. Num movimento contrário a essa diferenciação, amar e desejar são a busca de uma “continuidade”: queremos ser um só em vez de dois.

A entrega amorosa, principalmente em sua versão aguda, que é a paixão, viola as muralhas da fortaleza em que habitamos. É um estado de obsessão exigente, pede de ambos que a consciência de si e do mundo se apaguem. Por isso, ela anda de mãos dadas com a fantasia de morte, já que significa que só haja vida para essa entrega, todo outro interesse será traição. É por isso que o erotismo brinca nas fronteiras do masoquismo e do incesto. Brinca, como se brinca com monstros: com excitação, cautela e muito medo. Que fique bem claro, isso é totalmente diferente de exercer e atuar qualquer tipo de ato abusivo. Brinca, porque ao amar ou desejar muito, lembramos da violência, na qual perdemos a soberania, ou da infância, em que se depende do outro para quase tudo. Trocando em miúdos, sexo é vertigem.

Para proteger-se desses riscos, homens e mulheres têm construído barreiras, diques, legislado e normatizado o sexo, os relacionamentos e as identidades de gênero. Os homens, que sem exceção começam a vida nos braços de uma mulher, a mãe, deram-se ao direito de por isso mesmo desprezar seu gênero por séculos. Infelizmente muitas mulheres os seguiram.

Nesse sentido, o machismo é a fortaleza construída pelo filho crescido, onde ele se tranquiliza falsamente de que jamais cairá novamente nos braços de outra “dominatrix”, fora a mamãe. Disfarçado de vingança, o machismo também está presente nas mulheres. Embora às avessas, elas não desmontam esse esquema. Mulheres “Poderosas”, como descritas pela jovem cantora Anitta, sucesso viral do momento, entram nesse jogo, mesmo que no outro lado do campo: “Vem, se deixa render/ Vou como sereia naufragar você/ Satisfaço o meu prazer/ Te provocar e deixar você querer/ Agora eu vou me vingar: menina má”.

O jogo em questão é a guerra dos sexos: frente ao perigo de desaparecerem um no outro, os amantes alardeiam a própria supremacia, como as cornetas e bravatas antes das batalhas. As mulheres querem defender-se com as mesmas armas deles, protagonizando um motim, a revolta dos objetos sexuais contra seus donos. Faz parte dessa guerra a recorrente violência contra mulheres e filhas, como nos abusos e nos incessantes crimes passionais que nunca faltam ao noticiário.

O desafio é aprender a amar sem defender-se nos clichês de gênero. Sem as regras defensivas do macho dominante e da fêmea submissa, ou mesmo da simples inversão desses papéis. É preciso muita coragem para enfrentar a entrega amorosa e sexual. Principalmente para fazê-lo desarmado.
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*Psicanalista
Fonte: ZH on line, 26/10/2013

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