sábado, 21 de setembro de 2013

PERDÃO POR NÃO SER GAÚCHO

 André Pereira*
 Como se gaúcho fosse, quem sabe, uma etnia superior, perigosa tese que o passado já nos mostrou o quão danosa 
pode ser para todos os outros.
Evocar o passado pode ser uma iniciativa laudatória, legítima e merecida, pelo reconhecimento que se devota aos protagonistas dos acontecimentos aos líderes conhecidos e aos heróis anônimos, que contribuem para o resultado da missão vitoriosa. Na sempre rememorada Guerra dos Farrapos, os soldados e peões rio-grandenses defenderam, principalmente, interesses econômicos de estancieiros e donos de charqueadas liderados pelo general e fazendeiro Bento Gonçalves contra a política tributária da administração central. Os federalistas se impuseram militarmente aos farrapos enfraquecidos e fragilizados, após quase uma década (20 de setembro de 1835 a 1º de março de 1845) da mais grave e duradoura das revoltas regenciais. Ao final, depois de concretizarem a ideia de um Estado separado do Império, proclamando a chamada República de Piratini, o Rio Grande perdedor foi reintegrado novamente à União, com a reaproximação do Estado ao poder central, a partir da ação do Duque de Caxias.

Apesar disso, entre os gaúchos, é lógico, há até quem alardeie que não houve vitoriosos. Mas em uma guerra sempre é derrotada a humanidade pelo poder de destruição das armas que substituem a razão e a negociação. Em um confronto armado, sobretudo entre irmãos da mesma nação, entre brasileiros, mais triste e doloroso é o luto, o ferimento, a cicatriz, a morte, o predomínio da barbárie.

O ufanismo destes dias também leva à outra reflexão imprescindível aos humanistas: calcula-se que cerca de 3,5 mil soldados morreram – e os farroupilhas foram vitimados em dobro em relação aos adversários federalistas.

É certo, também, que o sentimento de bravura e a dimensão do enfrentamento, com cenas cinematográficas, contribuíram decisivamente para a afirmação da identidade do povo gaúcho. O problema é que ela é contaminada, por muitos, especialmente nessa data, aos extremismos fanáticos de sempre. Há uma megaoperação da apologia ao gauchismo, desde as proclamas verbais apoiadas no vocábulo exclamativo “tchê”, na fanfarra exagerada dos gaudérios de butique, impunemente armados de facas, até as peças publicitárias que lucram com a conveniência comercial da data, passando pela curiosidade de autoridades travestidas de pilchas adequadas a ambientes de CTGs e, acima de tudo, pelas massacrantes campanhas de comunicação, de TV, rádio e jornais estimulando o “orgulho de ser gaúcho”. Como se gaúcho fosse, quem sabe, uma etnia superior, perigosa tese que o passado já nos mostrou o quão danosa pode ser para todos os outros.

Prefiro interrogação mais singela e atual: os tantos nascidos em outros Estados, que aqui vivem contribuindo para nossas façanhas modelares, devem pedir desculpas por não serem gaúchos?
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*Jornalista gaúcho
Fonte: ZH on line, 21/09/2013
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