quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Maria divide os cristãos

Aldo Pereira*
 

Protestantes também veneram Maria, mas condenam como fetichismo idólatra o enlevo do papa ao beijar sua imagem esculpida em Aparecida
 
Há mais templos consagrados a Maria do que a Jesus, e toda catedral reserva a ela uma capela (recesso provido de altar). Católicos dirigem mais orações à Mãe do que ao Filho. 

Descontadas as jaculatórias (orações facultativas intercaladas), as contas do terço correspondem a 106 invocações mântricas de Maria (duas em cada ave-maria), mais uma referência na salve-rainha e outra no credo. Em contraste, o terço menciona o nome de Jesus 55 vezes: uma em cada ave-maria, uma no credo e outra na salve-rainha. Invoca Deus uma única vez, no pai-nosso. 

Segundo o catecismo católico, Maria nunca morreu: após misteriosa Dormição, subiu ao Céu levada por anjos. Vive lá em carne e osso. Duvidar desse portento, a Assunção, configura anátema, sujeita o incrédulo a excomunhão e tormentos perpétuos do Inferno. Mas o próprio papa Pio 12, que decretou esse dogma em 1950, parece ter hesitado, pois antes consultou 1.181 bispos; 1.169 aprovaram. 

A mais antiga referência à Assunção menciona celebração da festividade em 15 de agosto de 431 na cidade de Kathisma, entre Jerusalém e Belém. Não se sabe qual é a origem dessa data, nem por que outras denominações cristãs adotaram data alternativa próxima. Dezenas de países celebram a Assunção como feriado nacional. No Brasil, é feriado local em muitos municípios. 

Protestantes veneram Maria (até muçulmanos a reverenciam), mas reprovam "mariolatria". Como outros não-católicos, objetam que a Bíblia não menciona Assunção. Condenam como fetichismo idólatra o enlevo do papa ao beijar imagem esculpida de Maria em Aparecida no mês passado. 

Maria pode ter ganhado proeminência hagiográfica a partir do século 4 por facilitar a conversão de pagãos mediante incorporação sincrética de elementos de outros credos no cristianismo, e vice-versa. Muitos pagãos cultuavam deusas-mães. Representações de Ísis amamentando Horus bebê inspirariam madonas lactantes na pintura renascentista. 

Antes de denotar fieira de contas representativa de 150 ave-marias (número inspirado pelos 150 salmos do saltério), o termo "rosarium" denotava grinalda de rosas como as de Vênus e outras deusas celestes tutelares de amor carnal e procriação. Terço é a terça parte do rosário. 

Teólogos protestantes argumentam que o clero católico confere status de divindades menores a Maria e outros santos (quase 8.000) quando lhes atribui milagres. Milagres como os de aparições de Maria, certificadas pela igreja a partir do século 16 (Guadalupe, Fátima, Lourdes e outras). Deificação de Maria, acusam os anticatólicos, viola o preceito monoteísta das religiões abraâmicas. 

Réplica dos católicos: reverenciam Maria como santa, mas não a adoram como deusa. E a chamam de Rainha por ser mãe do Rei Imortal dos Séculos. (Na tradição bíblica, rei judeu conferia título de rainha apenas à mãe, não a suas muitas esposas, que no caso de Salomão seriam 300.) 

O cognome Virgem refere outro controvertido atributo de Maria. A Bíblia faz menção explícita a irmãos de Jesus. Mateus 13:55-56 e Marcos 6:3 nomeiam quatro, enquanto Mateus 12:46, Marcos 3:32 e Atos 1:14 referem outros. Segundo Mateus 1:18-25, José não "conheceu" Maria antes de ela ter tido o primeiro filho, o que sugere que ele a "conheceu" depois. 

Para a igreja, tal entendimento configura audaciosa blasfêmia, pois o Primeiro Concílio de Latrão (649) reafirmou a virgindade de Maria "ante partum", "in partu" e "post partum". "Irmãos" de Jesus? A apologética assegura haver aí mera referência figurada a "primos" ou "parentes". 
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aldopereira.argumento@uol.com.br
* ALDO PEREIRA, 80, é ex-editorialista e colaborador especial da Folha
Fonte: Folha on line, 15/08/2013
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