segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Estas pessoas escolheram isolar-se do mundo

 
Christopher McCandless, o homem que inspirou 
o filme 'Into the Wild', morreu há 21 anos.
Conheça outros casos de pessoas que 
trocaram a civilização 
pela natureza.


Por Marta Gonçalves Miranda

Christopher McCandless tinha um futuro promissor: licenciado na Universidade de Emory, vinha de boas famílias e preparava-se para seguir Direito. Aos 22 anos, parecia ter o mundo nas mãos. Mas não era este “mundo” que ele queria. Farto de uma sociedade cada vez mais materialista, Chris largou tudo e partiu sozinho para as regiões selvagens do Alasca. Sobreviveu durante 112 dias, até acabar por morrer à fome no dia 18 de Agosto de 1992.

A história do homem que inspirou o filme ‘Into the Wild’ está longe de ter sido a única. Corria o ano de 1845 e o filósofo Henry David Thoreau já criticava a mesma sociedade de consumo que tanto atormentava Chris. No século seguinte, mais precisamente em 1929, Noah John Rondeau sentiu o mesmo e decidiu deixar a cidade de Nova Iorque para ir viver sozinho para os altos picos de Adirondack. Em 1990, Timothy Treadwell partiu com a namorada para o Parque Nacional Katmai. Passou 13 Verões entre os ursos, que considerava serem bem melhores que os humanos. Acabou por ser devorado por um.

No dia do aniversário da morte de Christopher McCandless, recorde estas histórias de pessoas que decidiram isolar-se do mundo. Há mais ou menos anos, por períodos mais ou menos curtos, todos eles tiveram uma coisa em comum: em determinada altura, ficaram simplesmente fartos de viver em sociedade.

Christopher McCandless

Em 1990, Christopher McCandless terminou o curso na Universidade de Emory, doou todo o seu fundo universitário (cerca de 18 mil euros) à organização Oxfam e escreveu uma última carta aos pais. De seguida, conduziu em direcção a Atlanta, deixou o carro numa floresta, queimou todo o dinheiro que tinha e escreveu no seu diário: “Eu não preciso de nada. Eu consigo sobreviver apenas com a natureza.”

Com apenas 22 anos, Christopher McCandless decidiu abandonar a civilização. Adoptou o nome de Alexander Supertramp e durante dois anos viajou pelo México e Estados Unidos - até decidir aventurar-se pelas regiões selvagens do Alasca. Com pouco mais do que uma máquina fotográfica e uma espingarda, Chris sobreviveu durante 112 dias, até acabar por morrer à fome no dia 18 de Agosto de 1992. Só foi encontrado algumas semanas depois.

Inspirado pelos seus diários, verdadeiros registos da sua aventura, pouco tempo depois o jornalista Jon Krakauer publicou na revista ‘Outside’ a história de McCandless. Em 1996 escreveu o livro ‘Into the Wild’, transposto para os cinemas em 2007 pela mão do realizador Sean Penn. 


Quando decidiu embarcar na sua aventura, Christopher McCandless adoptou o nome de Alexander Supertramp. Durante os dois anos seguintes, viajou pelo México e Estados Unidos. O seu sonho, porém, era uma “odisseia pelo Alasca” – e foi exactamente esse o destino que marcou no mapa.

Foi visto vivo pela última vez em Abril de 1992 por Jim Gallien, que lhe deu boleia para Stampede Trail. Na mala, “Alex” não tinha mais do que 4 quilos e meio de arroz, alguns livros, uma máquina fotográfica, uma espingarda de calibre 22 e várias caixas com cartuchos. Gallien ainda tentou dissuadi-lo, mas em vão: McCandless estava determinado em deixar a civilização. Estava farto de uma sociedade hipócrita e materialista. Ainda assim, aceitou um par de botas, duas sandes de atum e um pacote de batatas fritas.

Ao longo da viagem, McCandless foi escrevendo continuamente no seu diário. No início de Maio encontrou um autocarro abandonado, usado antigamente pelos caçadores como abrigo. “Liberdade total”, escreveu. “A minha casa é a estrada.”

 Mas o sonho de uma “odisseia pelo Alasca” estava prestes a tornar-se num pesadelo. Era cada vez mais difícil encontrar comida. A sua alimentação era à base de esquilos, aves, gansos, e às vezes um alce que conseguia caçar; à parte disso, ia colhendo batatas e cogumelos selvagens, e bagas. Começou a perder peso muito rapidamente. A 30 de Julho, escreveu: “Extremamente fraco. Culpa da semente de batata. Esfomeado. Perigo.” O mais provável é que tivesse ingerido uma semente envenenada. Sem conseguir ir muito longe para procurar comida, a 5 de Agosto escreveu: “Estou encurralado na selva.”

Cada vez mais fraco, Christopher McCandless acabou por morrer à fome. Uma das últimas coisas que fez foi tirar uma fotografia a si próprio. Com um sorriso corajoso no rosto, posou para a câmara com a sua última nota no diário numa mão, e a outra levantada a despedir-se. No dia 12 de Agosto, escreveu pela última vez no diário: “Lindos mirtilos.” De acordo com a autópsia, terá morrido dias depois, a 18 de Agosto.

Poucas semanas depois, mais precisamente no dia 6 de Setembro de 1992, o seu corpo foi encontrado já em decomposição por um caçador da região. De acordo com os registros do seu diário, Christopher sobreviveu 112 dias na selva.
Henry David Thoreau

 

"Fui para os bosques viver de livre vontade
Para sugar todo o tutano da vida…
Para aniquilar tudo o que não era vida
E para, quando morrer, não descobrir que não vivi!"

Henry David Thoreau nasceu a 12 de Julho de 1817 em Concord, uma cidade de Massachusetts, nos Estados Unidos da América. Naturalista, filósofo e crítico do desenvolvimento, Thoreau foi um ávido crítico da sociedade capitalista da época. Em 1845, tinha então 27 anos, decidiu abandonar tudo e partir para o meio da floresta, num terreno que pertencia ao poeta e escritor Ralph Waldo Emerson, amigo de longa data. Nas margens do lago Walden, Thoreau construiu uma cabana, e passou a viver do que a terra lhe dava. Queria "viver deliberadamente", defrontar-se "apenas com os factos essenciais da existência, em vez de descobrir, à hora da morte, que não tinha vivido."

Os dois anos que viveu na floresta deram origem ao livro ‘Walden ou A Vida nos Bosques’, uma das suas obras mais famosas de sempre. Publicado em 1854, o livro é um manifesto poético contra a civilização industrial que ganhava cada vez mais força nos Estados Unidos. Durante toda a sua vida, Walden opôs-se ao capitalismo, à sociedade de consumo, à guerra e à devastação ambiental. Acreditava que devia ganhar apenas o necessário para sobreviver, e chegou a ser preso por não pagar impostos – recusava a ideia de dar dinheiro aos Estados Unidos, uma vez que não queria financiar nem a escravatura nem a guerra.

 
Era o regresso a uma vida mais simples. No meio da floresta e com poucas ferramentas ao seu alcance, Walden aprendeu a sobreviver sem a ajuda de ninguém. Construiu a sua própria casa e os seus móveis. Apesar de perceber pouco de agricultura, começou a cultivar alguns alimentos e chegou até a fazer o seu próprio pão.

Nunca chegou a ser um verdadeiro eremita: durante os dois anos em que esteve isolado da sociedade fez e recebeu visitas. Porém, procurava encontrar na solidão as respostas para o que era afinal a sociedade, e do que precisamos realmente para sobreviver. As suas conclusões? Pouco. Muito pouco. Uma vida simples e humilde é viável em termos financeiros, constatou. Em todo o ano de 1845, Walden sobreviveu com pouco mais de 800 euros. 
Timothy Treadwell
 

Nascido em Nova Iorque, Timothy Treadwell estudou no colégio Connetquot. Era um aluno mediano: não tinha nem notas muito boas nem muito más. Quando entrou na adolescência, envolveu-se com o álcool e as drogas, alegadamente depois de perder um papel na série de sucesso ‘Cheers – Aquele Bar’ para Woody Harrelson.

Depois de quase falecer com uma overdose de heroína nos anos 80, Treadwell foi encorajado por um amigo a ir para o Alasca observar os ursos. Foi amor à primeira vista: mais tarde, o jovem admitiu que foi o relacionamento com os animais que o libertou das drogas.

Em 1990, partiu com a namorada Amie Huguenard, para o Parque Nacional Katmai, no Alasca. Durante 13 Verões, o casal viveu totalmente isolado com os ursos. No último dia no acampamento, porém, um problema inesperado obrigou-os a prolongar a sua estadia. Acabaram por ser mortos e parcialmente devorados por um (possivelmente dois) urso-pardo pouco tempo depois.

Uma câmara de vídeo registou os sons dos seus últimos momentos de vida, porém o áudio nunca foi divulgado ao público. A história de Treadwell deu origem ao documentário ‘O Homem Urso’, realizado em 2005 por Werner Herzog.

 Timothy Treadwell nunca conseguiu adaptar-se à vida em sociedade. Anti-social, “trocava” várias vezes de personalidade, usou drogas durante vários anos e mostrava-se incapaz de lidar com as suas fraquezas. Subitamente, encontrou nos ursos uma inocência que não conseguia detectar na vida em civilização que admitia desprezar.

Não tinha medo de se aproximar deles, tocar-lhes e até brincar com eles. Durante 13 Verões, Timothy isolou-se com a namorada no Parque Nacional Katmai, no Alasca, para viver com os ursos. Ambientalista fervoroso, o jovem americano fez tudo o que estava ao seu alcance para proteger os animais – deu palestras e participou em programas de televisão, sempre com o objetivo de proteger os ursos e os habitats naturais em geral, para além de discutir a sua experiência com eles.

Estava prestes a abandonar o parque, em Outubro de 2003, quando teve um desentendimento com a companhia aérea. Acabou por decidir ficar mais tempo, até porque achava que os ursos que tinha avistado durante o Verão já estariam a hibernar. Apercebeu-se mais tarde que estava enganado: nas suas últimas filmagens, Timothy gravou um urso a mergulhar várias vezes no rio, à procura de um pedaço de salmão já morto. Nesses registos, o jovem admitiu que não se sentia muito confortável com a presença dos animais.

Porém, nada parecia fazer prever a tragédia que se avizinhava. No dia 5 de Outubro de 2003, por volta da meia-noite, Timothy falou com o seu sócio que estava em Malibu. Tudo parecia estar bem: o americano não referiu qualquer problema com os ursos. No dia seguinte, Treadwell e Huguenard foram encontrados mortos pelo piloto que os ia buscar ao acampamento.

O cenário era devastador: os seus corpos estavam desmembrados e desfigurados. Enquanto tentavam recuperar os restos mortais do casal, os guardas do parque dispararam sobre dois ursos que os tentaram atacar. A necropsia revelou partes de corpos humanos, como dedos e membros.

 Noah John Rondeau

 

1929. Aos 46 anos, Noah John Rondeau decidiu deixar a cidade de Nova Iorque de vez. Dizia-se “não muito satisfeito com o mundo e as suas novas tendências”, e queria deixar de viver em sociedade. O destino? Os altos picos de Adirondack. A partir desse dia, Noah passou a designar-se como Presidente da cidade de Cold River (População 1).

Nunca chegou a ser uma verdadeiro eremita: não tinha problemas em receber visitas, e até gostava de tocar violino para elas. Nos Invernos mais rigorosos, de vez em quando um avião passava pela área para deixar cair pelos ares alguns mantimentos para o ajudar a sobreviver. Ainda assim, o americano era totalmente auto-suficiente – chegou a estar 381 dias seguidos sem sair da “sua” cidade. 

 Durante a Segunda Guerra Mundial, já Rondeau estava na casa dos 60 anos, um grupo de visitantes confundiu-o com um desertor. Achavam que ele se teria escondido na floresta para não ir para a guerra. A propósito desta questão, no dia 4 de Agosto de 1943 o americano escreveu uma carta para o ‘Record-Post’.



“Eu nunca fui para Cold River para fugir de nada. O que podem dizer é que, entre 1930 e 1940, fugi do fracasso do sistema laboral americano. Não conseguia tirar o suficiente da civilização para viver como em Cold River”, escreveu.

“Eu não apareci pela primeira vez em Cold River no dia em que Pearl Harbor foi bombardeado. O que eu estou a fazer em relação à guerra pode não parecer nada, mas é tudo o que eu consigo fazer, é o que eu estou a fazer, e é isto – sou auto-sustentável.”
 No final da década de 40 e início da década de 50, Rondeau apareceu em vários espectáculos. O primeiro foi o ‘National Sportsmen's Show’, corria o ano de 1947. O Departamento de Conservação estava de tal forma determinado em levá-lo a Nova Iorque que mandou um helicóptero buscá-lo.

Em 1950, o Departamento de Conservação fechou a área de Cold River ao público depois do ‘Big Blowdown’, uma forte tempestade que provocou chuvas e ventos fortes durante vários dias. Apesar de ter sido obrigado a mudar de casa, continuou a viver na zona, até de morrer de velhice em 1967. Nunca viu o seu último desejo cumprido: ser enterrado no seu eremitério. Os seus restos mortais permanecem até hoje no cemitério de North Elba.
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Fonte: Site de Portugal:  http://www.sabado.pt/18/08/2013

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