domingo, 21 de julho de 2013

Maiakóvski: O Poeta da Revolução

maiakóvski
“Retirem as mãos vaga­bun­das das calças
Peguem a pedra, a faca ou a bomba
E aquele que não pos­sui mãos
Venha e lute com a testa!”

CORAÇÃO EM CHAMAS

Reflexões sobre vida e obra de um dos mais importantes poetas do século 20, Vladimir Maialóvski (1893–1930)

mikhailov 
Ele foi um dos mais magis­trais reno­va­do­res da poe­sia no século 20 e um dos mais bri­lhan­tes porta-vozes da Revolução Russa, que abra­çou com ardor e lou­vou em ver­sos imor­tais. Vladimir Maiakóvski (1893–1930) só pre­ci­sou de 37 anos de vida para incen­diar o mundo como um coque­tel molo­tov humano. Explodiu sol­tando cha­mas de lirismo e rebel­dia que ainda hoje con­ti­nuam a arder. O lei­tor bra­si­leiro agora tem a chance de mer­gu­lhar em sua vida através da bio­gra­fia O Poeta da Revolução, de Mikhailov (Ed. Record, 560 pgs).

“A vida de Maiakovski se desen­vol­veu num período de entu­si­asmo irrefreável, de crença plena no futuro, herança da ide­o­lo­gia do pro­gresso cul­ti­vada durante todo o século 19”, comenta Alexei Bueno no pre­fá­cio. Poeta revol­tado, agres­sivo e infla­mado, Maiakóvski segu­rava a caneta como se fosse uma metra­lha­dora. Seus ini­mi­gos? Muitos: a explo­ra­ção ope­rá­ria, a arte desen­ga­jada, os hábi­tos pequeno-burgueses, os últi­mos ester­to­res do cza­rismo, a alvo­rada som­bria da buro­cra­cia totalitária.

Maiakovski foi uma personalidade controversa, provocativa, extremada. Testemunhas oculares chegaram a descrever seu surgimento assim: “como se um hipopótamo chegasse numa loja de louças e aprontasse excessos messiânicos…” (Kniazev). Roberto Goldkrin, no prefácio de Como Fazer Versos, o descreve como “um ser contraditório e fascinante, que ao mesmo tempo que destronou a poesia e o poeta do alto de um Olimpo elitista e classicizante, elevou-se a dimensões aquém dos formulários e especificações do fabricante”. Já Boris Schaiderman, professor de língua russa na USP e autor de A Poética de Maiakovski, descreve-o como uma criatura “vibrante e polêmica, toda agressividade e ímpeto”. E o próprio poeta descrevia-se como alguém em quem a anatomia enlouqueceu:

“nos demais – eu sei,
qualquer um o sabe –
o coração tem domicílio
no peito.
comigo
a anatomia ficou louca.
sou todo coração –
em todas as partes palpita.”

maia 
Seja à frente da vanguarda futurista, trabalhando em revistas de esquerda, fazendo propaganda para o Estado ou se derramando em efusões líricas, Maiakovski se entregava a tudo com extrema intensidade. “Na força e na fraqueza, ele surgiu como um homem que se entregava a tudo de corpo e alma. A nenhuma idéia, a nenhum trabalho ele se dava pela metade”, diz Alexei Bueno.

Poeta das mas­sas, aban­do­nou a torre de mar­fim para des­cer ao meio das tur­bu­lên­cias soci­ais. “É neces­sá­rio par­tir em mil peda­ços a fábula da arte apo­lí­tica!”, recla­mava. Maiakóvski escre­via sem­pre cen­trando fogo na trans­for­ma­ção con­creta da vida das mul­ti­dões. Para ele, a poe­sia não é menos bela por ser útil. “O poeta incita à rebe­lião e está pronto para mar­char na pri­meira fileira dos rebel­des”, des­taca Bueno. O pró­prio poeta reconhecia-se como um perigo à ordem cons­ti­tuída: “O nariz capi­ta­lista fare­java em nós a dina­mite”, escre­veu. 

Em vários poe­mas incita à insur­rei­ção: 

“Retirem as mãos vaga­bun­das das calças
Peguem a pedra, a faca ou a bomba
E aquele que não pos­sui mãos
Venha e lute com a testa!”

“Maiakovski transfere toda a força de negação para a sociedade burguesa. Nela vê o mal que degrada a moral e a própria idéia da arte”, comenta Mikhailov. “O ‘abaixo!’ de Maiakovski era um gesto característico do russo rebelde, estivesse ele pegando em machado, em tocha ardente de incendiário, ou em bomba caseira – e expressava sua prontidão de ir para a batalha e morrer.”

Quando os bolcheviques concretizam sua “grande heresia” e tomam o poder, Maiakovski aplaude com entusiasmo e se entrega ao posto de poeta da revolução, engajadíssimo em fazê-la perseverar e vencer. “Ao encontro de Outubro de 1917, Maiakovski caminhou de peito aberto”, comenta Mikhailov, “pois não assumira, como significativa parte da intelectualidade russa, compromisso com as tradições e outras ligações com a velha cultura. Por isso, quando aconteceu a Revolução, pôde com toda sinceridade dizer: ‘A minha revolução’.”

Liderando a van­guarda futu­rista, Maiakóvski e seus com­pa­nhei­ros colo­ca­ram em ebu­li­ção a cul­tura russa. O escân­dalo foi enorme. Foram acu­sa­dos de terem uma rela­ção nii­lista com a cul­tura clás­sica, de não pos­suí­rem uma base teó­rica sólida ou de serem meros arru­a­cei­ros. O mani­festo futu­rista era mesmo extre­mista e man­dava “ati­rar fora Puchkin, Dostoievski e Tolstoi do Navio da Modernidade!” Burliuk, um dos líde­res do movi­mento, se jus­ti­fi­cava dizendo: “Não dese­ja­mos virar para trás nos­sas cabe­ças, que­brar nos­sas vér­te­bras cer­vi­cais para olhar a poe­sia com a naf­ta­lina dos perversos!”

Apesar das idéias des­tru­ti­vas em rela­ção à herança cul­tu­ral, Maiakóvski era um grande conhe­ce­dor da lite­ra­tura clás­sica. “Ele ouvia a voz viva dos clás­si­cos, mas negava as impo­si­ções dos seus câno­nes para a arte do seu tempo”, sugere Mikhailov. Ou, como o pró­prio Maia dizia: “Eu vos amo, mas vivos, não como múmias.”
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Esse poeta de cora­ção ardente e impa­ci­ente não pode­ria durar muito e virar uma das “velha­rias” que tanta ener­gia pôs em com­ba­ter. “Não tenho nenhum fio gri­sa­lho em minha alma!”, escre­veu. Quando deu um tiro no peito, em 1930, pôs um san­grento ponto final em um des­tino trá­gico e fas­ci­nante. 150 mil pessoas passaram na frente de seu caixão nos 3 dias em que ele ficou exposto. A União Soviética chorava a morte precoce de um de seus maiores poetas. Sua vida e obra per­ma­nece um emblema deste que foi um dos mais impor­tan­tes acon­te­ci­men­tos his­tó­ri­cos do século 20: a Revolução Russa.

Da bio­gra­fia de Mikhailov conclui-se que den­tro da alma de Maiakóvski desenhou-se uma con­tra­di­ção cruel entre a uto­pia e a decep­ção. De um lado, uma vida inteira dedi­cada à Revolução, à gló­ria de Lênin e ao enga­ja­mento na cons­tru­ção do soci­a­lismo. De outro, o sur­gi­mento do espec­tro do sta­li­nismo, que tra­zia a dita­dura, a buro­cra­cia e o eclipse do sonho. Dividido entre os ver­sos de lou­vor às con­quis­tas revo­lu­ci­o­ná­rios e as sáti­ras ácidas con­tra as ano­ma­lias do novo poder, Maiakóvski viu-se ras­gado entre o entu­si­asmo da entrega total a uma uto­pia e a tra­gé­dia da perda do ideal.

Nos seus últimos anos de vida, Maiakovski parece ter chegado a uma cruel encruzilhada – ele que sempre as enfrentou de peito aberto e palavras em punho. Mikhailov, em sua biografia, arrisca uma especulação magistral a respeito das frustrações de Maiakovski:
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Cartaz de Maiakóvski onde se lê: “Ucranianos e russos gritam – Não haverá senhor sobre o trabalhador, Milorde!”

“Em tudo o que ele escreveu durante estes anos, de um lado, estava a glória à Revolução, e do outro, a sátira sobre a sua continuação. O mundo realmente, como afirma Heine, partiu-se em duas metades e a rachadura atravessou o coração do poeta. (…) Sobre a mesa do escritório, bastava levantar a cabeça, estava a fotografia de Lênin, que continuava a personificar para Maiakovski o ideal de líder e de ser humano, a sua crença. Já nos corredores do poder encontra pessoas bajuladoras, burocratas, corruptas e pomposas. (…) É muito significativo que associe o seu ideal somente àqueles que já estão mortos e a nenhum dos vivos.” Já em 1926, quatro anos antes de seu suicídio, “Maiakovski percebe que o nepotismo, a corrupção, a mesquinhez, a burocracia perpassam a nova sociedade de cima para baixo. (…) Percebe que estavam sendo traídos os ideais de Outubro. (…) No coração precipita-se a amargura que minava a crença na justiça social, na vida…”

Mas havia algo mais empur­rando o cora­ção do poeta para o des­pe­nha­deiro. Ele, que escre­veu algu­mas das mais pun­gen­tes poe­sias líri­cas que conhe­ce­mos, entrou em deses­pero por não con­se­guir abo­ca­nhar, neste mundo, sua fatia de amor. As pai­xões que viveu Maiakóvski, quase todas não cor­res­pon­di­das, pare­cem nunca ter con­se­guido saciar seu cora­ção faminto. Na nota de sui­cí­dio, a frase lapi­dar: “O barco do amor espatifou-se con­tra o cotidiano”.

Em uma carta à Lília Brik, amor de sua vida, escre­veu: “O amor é vida. O amor é o cora­ção de tudo. Se ele inter­rom­per o seu tra­ba­lho, todo o resto morre, faz-se exces­sivo, des­ne­ces­sá­rio. (…) Sem você não há vida.” Esmagado sob o peso da uto­pia que se esfa­re­lava e do amor que não con­quis­tou, bus­cou no sono eterno o des­canso para um per­curso ter­res­tre que foi, de fato, exaustivo. Mas por ter sido intenso, extremo, infla­mado, con­tra­di­tó­rio — e apaixonante.

Como resume Roman Jakobson em A Geração Que Esbanjou Seus Poetas: “A angústia diante dos limites fixos e estreitos e o desejo de superação dos quadros estáticos constituem um tema que Maiakovski varia sem cessar. Nenhum curral no mundo poderia conter o poeta e a horda desenfreada de seus desejos.”

Maiakovski, que sem­pre teve uma ban­deira de luta has­te­ada em seu cora­ção incen­di­ado, saiu com estrondo do mundo para entrar, tam­bém estron­do­sa­mente, na História. Como um dos mais autênticos e vigorosos poetas da Revolução.
maia-lili
                Maiakóvski & Lília Brik

Alguns poemas:

A FLAUTA VÉRTEBRA
A todos vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.
Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.
Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.

(Tradução: Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman)

* * * * *
 
LÍLITCHKA!

Em Lugar de Uma Carta

(Petrogrado, 1916)
 
De qualquer forma
o meu amor
- duro fardo por certo -
pesará sobre ti
onde quer que te encontres.
Deixa que o fel da mágoa ressentida
num último grito estronde.Quando um boi está morto de trabalho
ele se vai
e se deita na água fria.
Afora o teu amor
para mim
não há mar,
e a dor do teu amor nem a lágrima alivia.Quando o elefante cansado quer repouso
ele jaz como um rei na areia ardente.
Afora o teu amor
para mim
não há sol,
e eu não sei onde estás e com quem. Se ela assim torturasse um poeta,
ele
trocaria sua amada por dinheiro e glória,
mas a mim
nenhum som me importa
afora o som do teu nome que eu adoro.
E não me lançarei no abismo,
e não beberei veneno,
e não poderei apertar na têmpora o gatilho.
Afora
o teu olhar
nenhuma lâmina me atrai com seu brilho.
Amanhã esquecerás
que eu te pus num pedestal,
que incendiei de amor uma alma livre,
e os dias vãos – rodopiante carnaval -
dispersarão as folhas dos meus livros…
Acaso as folhas secas destes versos
far-te-ão parar,
respiração opressa?
Deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa.
(trad. Augusto de Campos)

maia

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Fonte: http://acasadevidro.wordpress.com/2013/07/21/maiakovski-o-poeta-da-revolucao/

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