segunda-feira, 17 de junho de 2013

Galimberti e a religião do céu vazio

Giuseppe Cantaranoa*
Assim como não seria possível imaginar a era medieval sem a fé generalizada em Deus, também seria igualmente impossível imaginar a nossa época sem a racionalidade técnico-científica.

Do céu do cristianismo, o sagrado – aquela dimensão do divino inacessível e indiferenciada, temível e ao mesmo tempo atraente – teria saído em êxodo. Emigrando para a terra. Já que, fazendo-se homem, Deus não perde apenas a sua transcendência. Com ela, Ele também perde irremediavelmente a sua sacralidade (p. 29). E, já que o cristianismo nada mais é do que o Ocidente, a dessacralização do cristianismo comportaria inevitavelmente a consequente dessacralização do Ocidente, defende Umberto Galimberti (Cristianesimo. La religione dal cielo vuoto, Ed. Feltrinelli, 436 páginas).

Nós – talvez um pouco ingenuamente – estávamos acostumados a acreditar que a dessacralização do cristianismo era o resultado do processo de secularização, que a modernidade tende a imprimir sobre as sociedades ocidentais. Cada vez mais moldadas pela desencantada racionalidade técnico-científica. E cada vez menos sensível à sedução do sagrado. Ao encanto do divino.

Seria, ao invés, o processo niilista no qual – desde as suas origens – o cristianismo é abalado, que irremediavelmente teria contagiado a moderna sociedade ocidental. Que pode perfeitamente continuar "funcionando" – garante-nos Galimberti – mesmo abrindo mão da dimensão do sagrado. Mesmo renunciando a Deus. Enquanto não conseguiria funcionar, nem mesmo por um instante, por exemplo, se dela desaparecesse a ciência. E a técnica.

Digamo-lo de forma diferente: assim como não seria possível imaginar a era medieval sem a fé generalizada em Deus, também seria igualmente impossível imaginar a nossa época sem a racionalidade técnico-científica.

Em suma, não seria o moderno niilismo da ciência que estaria enxugando o mundo de todo traço divino. Não seria o moderno niilismo da técnica que estaria apagando da nossa sociedade toda sobrevivência residual do sagrado. Ao contrário, é o próprio cristianismo que está operando essa dessacralização. Porque o niilismo está fincado no coração da religião cristã. Uma religião cujo Deus não só se encarna no ser humano, mas também compartilha até o fim o resultado dissolutivo – portanto, niilista – dessa encarnação. Dessa humanização. Morrendo na cruz.

E como um Deus que morre – perguntava-se Sergio Quinzio – poderá nos salvar? Não, não poderá mais ser Deus a nos salvar. Essa é agora a consciência generalizada do Ocidente, nos diz Galimberti. É por isso que é na terrível e onipotente "sacralidade" da técnica – e da ciência – que colocamos as nossas últimas esperanças de salvação. Porque, apesar da dessacralização da escatologia cristã, apesar da secularização do Ocidente, o que todos nós imploramos é a salvação.

Certamente, "nenhum Deus pode nos salvar", como dizia Heidegger. E não pode nos salvar porque o triunfo da técnica serve de contraponto ao desaparecimento de Deus.

No entanto, por que, apesar disso, não desaparecem a necessidade, a esperança, a demanda "religiosa" de salvação? Essa talvez seja a pergunta mais surpreendente à qual o livro de Galimberti deveria ter fornecido uma resposta.
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*  A opinião é do filósofo italiano Giuseppe Cantarano, pesquisador da Universidade da Calábria. O artigo foi publicado no jornal L'Unità, 14-06-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 17/06/2013
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