quarta-feira, 12 de junho de 2013

Brasileiros no exterior ainda são ''invisíveis'', diz antropóloga americana

 Loja de produtos brasileiros no Queens (Foto: Alessandra Correa/BBC Brasil)
Desde os anos 1980, quando hiperinflação, desemprego e baixos salários impulsionaram a primeira grande leva de emigrantes a deixar o Brasil em busca de oportunidades no exterior, milhões de brasileiros rumaram para países como EUA, Inglaterra, Portugal, Espanha, Itália e Japão.

A evolução do perfil desses imigrantes - e das comunidades que formam no exterior - é o tema do livro Goodbye, Brazil: Émigrés from the Land of Soccer and Samba, que acaba de ser lançado nos EUA pela antropóloga americana Maxine Margolis e deve chegar ao mercado brasileiro no segundo semestre, com o título Goodbye, Brasil: Emigrantes Brasileiros no Mundo.

Professora emérita da Universidade da Flórida, Margolis é pioneira no estudo de imigrantes brasileiros e uma das maiores autoridades do mundo no assunto.

Começou a estudar os brasileiros que viviam nos EUA em 1989 e tem outros dois livros sobre o tema: Little Brazil: Imigrantes brasileiros em Nova York, de 1994, e An Invisible Minority: Brazilians in New York City (Uma Minoria Invisível: Brasileiros em Nova York, em tradução livre), de 1998.

No novo livro, ela diz que resolveu compilar pesquisas de diversos acadêmicos para traçar um panorama global da diáspora brasileira. Além de EUA e Europa, o livro aborda as comunidades de brasileiros no Japão, Austrália, Nova Zelândia e países latino-americanos.

Margolis diz que, com a crise nos países desenvolvidos, hoje há mais brasileiros retornando ao país do que indo ao exterior. O Itamaraty calcula em cerca de 30% a redução do número de brasileiros no exterior desde 2008, apesar de afirmar que é difícil chegar a números exatos, em parte devido ao fato de muitos estarem em situação irregular.

Segundo a antropóloga, os que permanecem no exterior ainda são a "minoria invisível" que ela abordava em seus trabalhos anteriores. 

A entrevista é publicada pela BBC Brasil, 10-06-2013.

Eis a entrevista.

A senhora se dedica há mais de 20 anos a estudar os imigrantes brasileiros. Como o perfil desses imigrantes evoluiu?
Na década de 90 a grande maioria era das classes média e média baixa. Tinham estudado mais que a média da população brasileira. Encontrei muitos que tinham educação universitária. De 2000 para cá, baixou o nível educacional.
Nos EUA, na década de 90 a grande maioria chegava de avião, com visto de turismo. Depois de 2001, ficou mais e mais difícil conseguir um visto de turismo, por causa do 11 de Setembro. Então, a classe mais baixa que queria "fazer a América" chegou via México, com a ajuda de "coiotes", atravessadores.
Antes, a maioria dos imigrantes brasileiros nos EUA vinha de grandes cidades. A partir de 2000, chegaram brasileiros vindos da zona rural. Hoje em dia, há muitos de Rondônia, Acre, Goiás.
(Seu perfil) é mais ou menos o mesmo. poucos estão chegando, há mais brasileiros saindo, por causa da recessão nos EUA e na Europa e porque talvez tenham mais oportunidades no Brasil, devido ao crescimento da economia.

Que impacto a crise mundial e o bom desempenho da economia do Brasil tiveram sobre os imigrantes brasileiros?
Impactou muito, tanto nos EUA quanto na Europa e no Japão. Na Europa, principalmente em Portugal e Espanha. Antes, brasileiros nos EUA diziam que em uma semana aqui ganhavam o equivalente a quatro semanas no Brasil. Até 1994, deixavam o Brasil principalmente por causa da hiperinflação, mas também de desemprego, salários baixos, alto custo de vida.
Acho que o catalisador foi que os brasileiros bem estudados não conseguiam achar empregos nas suas áreas no Brasil que pagassem salários para manter o estilo de vida da classe média. Nos EUA, ganhavam salários melhores, mesmo fazendo faxina.
No Japão, a maioria dos imigrantes está lá legalmente. Trabalham em fábricas, em empregos que os japoneses não querem. Lá, na década de 90, ganhavam até mais, cinco vezes o que ganhariam no Brasil.
Também acho que acima de 90% dos brasileiros chegaram aqui, na Europa e no Japão com a ideia de voltar depois de três, quatro anos. Aqui, a grande maioria diz que os EUA são lugar para trabalhar, e o Brasil é lugar para morar. Mas muitas vezes acabam adiando, mais um ano, mais um ano, e logo são 20 anos. Mas nunca sai da cabeça a ideia de um dia voltar.

A senhora afirma que a sociedade formada por brasileiros no exterior é caracterizada pela falta de instituições de base comunitária bem desenvolvidas. Por que isso ocorre?
Os brasileiros são muito menos organizados do que outros grupos de imigrantes, como coreanos, por exemplo. Mas acho que um dos principais motivos é porque já chegam ao país de destino achando que vão voltar ao Brasil. E pensam: "Por que perder tempo?" (formando associações e se organizando). Seu objetivo é ganhar dinheiro e sair.
Mas mesmo no Brasil, há muito menos associações do que nos EUA, por exemplo. Tenho um amigo americano que sempre diz que no Brasil não há clubes de jardinagem, clubes de culinária, clubes de leitura, não como nos EUA. Então, quando chegam aqui é a mesma coisa.
 Maxine Margolis
 Maxine Margolis é autora de vários livros sobre imigrantes brasileiros
Em seus trabalhos anteriores, a senhora destacava a invisibilidade dos brasileiros no exterior - o fato de que, apesar de estarem por toda parte, não se organizavam em grupos nem apareciam nas estatísticas. Isso ainda é uma marca desses imigrantes?
Sim. São invisíveis. Acho que por três motivos. Nos EUA, essa invisibilidade vem primeiro da ignorância americana, que não entendem que os brasileiros não falam espanhol e não são hispânicos, por exemplo. Segundo, no Censo americano não há um lugar onde escrever "brasileiro". Se fizer um X ao lado de latino e escrever "brasileiro", não vai ser computado assim. E também porque grande parte dos brasileiros estão nos EUA ilegalmente, não querem preencher formulários, participar do Censo.
Eles também são invisíveis na Inglaterra, na Espanha. Mas em Portugal, de jeito nenhum. Quando um brasileiro fala português lá, na hora se sabe que é brasileiro. E também Portugal é um dos poucos lugares em que brasileiros com alto nível de educação conseguem achar empregos nas suas áreas. E como é um país pequeno, a visibilidade dos brasileiros lá é maior do que em outros lugares.

No seu novo livro a senhora aborda também a questão das novas gerações, filhos de imigrantes brasileiros que muitas vezes não têm qualquer familiaridade com o país natal dos pais. Quais as perspectivas para essas novas gerações?
Alguns pesquisadores dizem que a segunda geração vai ser exatamente igual a seus pais. Dizem que não dão muito valor à educação, querem terminar apenas o Ensino Médio e começar a trabalhar. Mas outros pesquisadores dizem que não. Não há consenso. Uma amiga socióloga diz que a ignorância da segunda geração sobre o Brasil é incrível. Eles não conhecem o Brasil. Se os pais estão aqui ilegalmente, nunca viajaram para lá.
Mas ainda é muito cedo para saber o que vai acontecer, se os brasileiros da segunda geração nos EUA serão brasileiros-americanos ou apenas americanos.
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Fonte: IHU on line, 12/06/2013
Imagem da Internet

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