sexta-feira, 21 de junho de 2013

A voz da rua - Para Cohn, partidos permanecem essenciais

 Ruy Baron/Valor / Ruy Baron/Valor
 Manifestação na frente do Congresso Nacional: "Ao lado dos ene movimentos não partidários, falta a militância partidária para cobrar qualquer governo sobre as grandes questões não resolvidas", diz Cohn

 Uma das características da mobilização social que se espalhou por praças de diversas cidades brasileiras é ter o apartidarismo como um de seus princípios, como destaca o Movimento Passe Livre, articulador de protestos que pressionaram pela redução das tarifas de ônibus. Para Gabriel Cohn, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, essa desqualificação dos partidos revela a incapacidade das legendas atuais de servirem como instância intermediária apta a converter demandas pontuais em pontos programáticos ou de governo. "Uma das minhas angústias é que não estamos tendo mecanismos propriamente políticos, sobretudo institucionais", afirma.

Valor: O Movimento Passe Livre, um dos embriões das manifestações, se define como horizontal, autônomo, independente e apartidário. O que esses adjetivos dizem sobre a organização política na contemporaneidade?
Gabriel Cohn A palavra-chave é apartidário. Isso é um dado que vem se acentuando e, dadas as condições políticas no plano global, é cada dia mais preocupante. Não é verdade que você tenha alternativa, no plano da federação, à presença dos partidos. Você pode e deve ter, no interior da sociedade, ene movimentos independentes. Isso é saudável. Mas salientar o apartidário revela o aprofundamento da incapacidade dos partidos de servirem como instância intermediária apta a converter demandas pontuais em pontos programáticos ou de governo.

Valor: Há meses o ex-presidente Fernando Henrique citou o Occupy Wall Street, os indignados na Espanha e os conflitos do mundo islâmico como exemplos de manifestações que mostrariam o potencial das redes sociais para dizer "não", mas faltaria à rede o potencial para dizer "e então o quê". Como o senhor vê o uso das redes sociais na organização de protestos públicos?
Cohn: A citação é interessante porque essa comunicação em rede permite ventilar e, eventualmente, aumentar a temperatura desse ou daquele desconforto. Mas não há intermediação. De repente isso explode, e você vai para a rua. Não havendo as instâncias que são formadoras de debate e reflexão você acaba tendo reações espasmódicas. No nosso caso não é uma reação contra uma opressão.

Valor: A avenida Paulista, em São Paulo, tem sido palco do Movimento Passe Livre, de marchas pela liberação da maconha, de passeata gay, entre muitas outras, que, mesmo não sendo organizados em torno de partidos, marcam posição sobre demandas sociais em uma espécie de micropolítica. Como o senhor avalia essa dinâmica?
Cohn: Uma das minhas angústias é que não estamos tendo mecanismos propriamente políticos, sobretudo institucionais. Não temos mecanismos de articulação ampla, crescente e reflexiva daquilo que atualmente é qualidade de microssegmentos da sociedade. Não há como organicamente trabalhar isso. Precisaria haver partidos vigorosos capazes de responder. Nem o PT nem o PSDB estão qualificados para isso. Se não há instâncias intermediárias capazes de dar organicidade para ene microexpressões de reivindicações, você vai criando uma espécie de fervilhamento constante, que pode se manifestar na rua, mas continua sendo aquilo que, quando se manifesta, ganha caráter mais espasmódico. Não há a transição entre os diversos micros para um macro.

Valor:
O professor Marcos Nobre diz que há duas consequências possíveis das manifestações. Uma seria a reforma radical no sistema político, outra seria uma oposição a um sistema político que "roda em falso, fechado nele mesmo, e uma sociedade que vai protestar contra essa democracia de baixo teor democrático".
Cohn: Se não estancarmos esse sangramento democrático, que é a ideia de que o político não presta, teremos problemas. Se você não tem partidos organizados, com militantes saindo às ruas, não estanca o sangramento. Isso promove uma seleção perversa. Uma das coisas que liquidaram com a velha União Soviética, deixando de lado os horrores, é que um partido único, que na origem era de devotados e militantes, foi sendo, aos poucos, tomado por todo tipo de oportunistas. O que aconteceu? Houve uma seleção perversa: nenhuma pessoa decente se apresentava para entrar naquele negócio. Há uma desconstrução interna, que é ajudada por processos de seleção perversa: tanto você fala que os políticos não prestam, e uma parcela do Congresso [brasileiro] realmente não está à altura de grandes padrões éticos, que você começa a assustar aqueles que têm atitudes e convicções democráticas. Isso os desestimula a entrar no jogo político. Você destrói por dentro as instituições básicas e cria essa forma de organização política e social que me assusta: miríade de pequenos interesses que não se articulam, com a desqualificação de instâncias do tipo partido. O resultado é uma atuação mais espasmódica do que democraticamente construtiva nos grandes processos.

Valor: Há indicações de que alguns desses movimentos venham a se tornar orgânicos?
Cohn: Gostaria que houvesse os dois lados. Ao lado dos ene movimentos não partidários, falta a militância partidária para cobrar qualquer governo, incluindo o do seu partido, sobre as grandes questões não satisfatoriamente resolvidas. Eu me sentiria bem se visse a militância do PT cobrando Haddad nas ruas, para não falar da "Pacwoman" Dilma. Mas há inibição, porque supostamente o menor gesto pode "levar água" para a oposição. E, com isso, deixam-se as boas causas para a oposição.
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Reportagem Por Robinson Borges | De São Paulo
Fonte: http://www.valor.com.br/cultura/3168986/voz-da-rua-para-cohn-partidos-permanecem-essenciais#ixzz2Ws0KQRoP

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