quarta-feira, 29 de maio de 2013

Tempos Líquidos, O Tabu Da Morte E A Indústria Cultural

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A Morte pode ser experimentada de diversas maneiras. É o que Zygmunt Bauman, um dos sociólogos mais influentes da atualidade, afirma. Como então, podemos retirar exemplos de sua análise dos produtos da indústria cultural? É aqui que as grandes produções funcionam como pontes para esclarecer pontos nebulosos de nossa época.


 
A morte é um tema tabu. Ela é um tabu. Para Bauman, a sociedade é um dispositivo que visa tornar a noção da morte menos temerosa e angustiante. É aí que entram as experiências de morte: podem ser numeradas em três tipos (três graus): 1) morte propriamente dita, 2) a morte de alguém com quem nos relacionávamos - esta seria experiência primária de morte, a mais perto da morte propriamente dita que alguém pode ter - e 3) a quebra de um laço, de um relacionamento (em outra palavras, a exclusão).

Por que estou escrevendo este texto? Basicamente para falar que, mesmo sendo a morte um tema tabu, há duas maneiras que a nossa sociedade tenta nos acalmar perante este certo destino: a banalizando/espetacularizando (um exemplo são os reality shows, que promovem a exclusão como condição necessária para sua existência – afinal, se quase todos não forem excluídos, como um vai ganhar? Outro exemplo são os programas de jornalismo policial sensacionalistas ou os filmes de guerra e conflito ao estilo Tropa de Elite e Rambo) e a desconstruindo (ou seja, dando detalhes das causas da morte para tornar viável a frase "viu, poderia ter evitado!"). 

A Indústria Cultural é sempre uma fonte boa de exemplos:

Em House, sua incapacidade e má vontade para se relacionar com seus companheiros de trabalho pode ser muito bem traduzida no despreparo para a quebra de relacionamentos duradouros. House se conecta às pessoas, justamente para ter a facilidade em se desconectar quando necessário (ou seja, quando ele quiser). Não firma nenhum laço mais forte exatamente porque aquilo que ele representa é a sociedade em que não há equipamentos muito bem postos à disposição das pessoas para saber como lidar com as incertezas de qualquer tipo de relacionamento.
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Os filmes e seriados de Zumbi, como Walking Dead, são uma prova clara (e bota clara nisso!) de que a morte está num processo rápido (à passos larguíssimos!) de ser colocada como algo do cotidiano. Os zumbis estão mortos, mas mesmo assim precisam ser mortos novamente. Não estão mortos, pois estar morto ainda é, de certa forma, estar vivo. É necessário, então, matar novamente. O herói deste tipo de filme é o sujeito que mata aquilo que, apesar de já estar em outro mundo, perturba sua realidade, seu presente. O que perturba nosso presente, mesmo sem existir de maneira material? As lembranças, as memórias, que, por sua vez, levam à culpa. 

Os heróis de séries e filmes de zumbis são eliminadores de culpa e memórias. São sujeitos do presente e só vivem no presente. É neste momento que a morte adquire a leveza do “morreu, antes ele do que eu!”. E a indiferença se torna um dos equipamentos para se lidar com a morte.

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Closer é um exemplo clássico da quebra do relacionamento. Da exclusão. Mas a exclusão definitiva é de Dan – que se perde nas incertezas de um relacionamento propriamente dito e, acostumado aos laços frágeis e fáceis de serem quebrados da conexão (aquela que o House adora manter com seus companheiros de trabalho), experimenta a exclusão definitiva.

Pode-se dizer que quebra de relacionamentos acontece todo dia em todo o mundo, entretanto, o significado que ela tem para uma sociedade desacostumada com a relação e acostumada com a conexão (em outras palavras, desacostumada e despreparada para a rigidez e responsabilidade de uma relação, e acostumada e confortável na fragilidade de um laço que pode ser chamado de conexão – e que é mais atraente exatamente por ser fácil e nem um pouco incômodo desconectar) é imensurável. O fim de Dan e Alice foi um fim pesado e penoso, foi um fim de relacionamento, não de conexão. Foi um tipo fim que tenta ser evitado em nossa bem aventurada sociedade líquido moderna.
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Como exemplo final e, talvez, um tanto quanto político, creio que os filmes vingança (Justiceiro e Max Payne, por exemplo) são importantes de se falar. Este filmes fazem da morte de segundo grau, a número 2, lá no primeiro parágrafo, algo possível de ser superado... Desde que haja alguma ação de limpeza. O que isso quer dizer? 

Estes filmes dizem que a morte pode ser superada (ou seja, há como o sujeito que experimenta a morte de um parceiro, por exemplo, viver em paz após este fato), mas só se o indivíduo tomar como projeto de vida a aniquilação daquilo que levou seu companheiro. O que isso pode significar? Um movimento reacionário à modernidade líquida. 

É o grito daqueles que querem se manter no mundo panóptico moderno. A vingança dos personagens deste tipo de filme é uma vingança contra um malfeitor ou contra grupos de malfeitores que só existem em uma sociedade de fácil mobilidade (são os traficantes que viajam de país a país, são os grupos que sequestram adolescentes para vender no mítico leste europeu, são as gangues russas dentro dos Estados Unidos e etc e etc). Este tipo de filme é o urro do conservador que gostaria de guardar uma espingarda em baixo da cama para proteger a família de um assalto. Típica reivindicação patriarcal.

É assim que a indústria cultural acaba sendo parte do dispositivo que tenta fazer da vida menos angustiante, entretanto, transformando a morte em algo banal, digno de indiferença; espetacular, digna de consumo; mas também mostra as reações conservadoras a este tipo de sociedade líquida moderna, que é a morte digna de vingança, uma vingança que, na realidade, nunca é alcançada.
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 em recortes por em 27 de mai de 2013
Fonte: http://lounge.obviousmag.org/hepatopatia_cronica/2013/05/27

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