sábado, 25 de maio de 2013

O olho do capitão

 KLÉCIO SANTOS*
 

Quem era o médico que falhou em corrigir o estrabismo de Simões Lopes

Poucos escritores gaúchos atraem tantos garimpeiros de sua vida e obra como João Simões Lopes Neto. Eles estão sempre em busca de um fato novo ou tentando esclarecer algum episódio obscuro do passado do autor de Contos Gauchescos e Lendas do Sul.

Pois agora surge nova versão para uma cirurgia de correção de estrabismo, à qual Simões foi submetido quando tinha 10 anos. Até então, os detalhes do procedimento permanenciam um mistério. À época, a operação foi comemorada com sucesso, e a fotografia do jovem neto do político e charqueador João Simões Lopes Filho, o Visconde da Graça (1817 – 1893), exibida como um troféu da medicina. O retrato foi exposto na vitrine da farmácia Pilão de Ouro, em Pelotas, de propriedade de Adolpho Cornetet.

A operação ocorreu em maio de 1875, um ano após o guri criado na Estância da Graça ter se transferido para a cidade com intuito de estudar no Colégio Francês. Foi vasculhando antigos jornais da Bibliotheca Pública Pelotense que o pesquisador, escritor e livreiro Adão Fernando Monquelat descobriu a verdadeira história, bem como o nome do médico responsável pela cirurgia: Nunes da Costa, que atendia na Rua Santa Bárbara (hoje Marechal Deodoro), no centro da cidade.


Os recortes sobre o médico que realizou ...
 

Em pelo menos duas obras – na biografia João Simões Lopes Neto, escrita por Carlos Francisco Sica Diniz e em Simões Lopes Neto na Intimidade, de autoria de Ivete Massot – o episódio é mencionado, mas atribuído a um charlatão que, diante do resultado negativo da operação, teria inclusive fugido da cidade. Contudo, notícias com operações e anúncios de Nunes da Costa, que tencionava se mudar para a Europa, continuaram a ser publicados nos jornais da época por pelo menos dois anos, incluindo tabela de preços e horários de consultas. Além de oculista, Nunes da Costa era parteiro e cuidava das “vias urinárias”.

Segundo Monquelat, que é autor, entre outras obras, de Novos Textos Simonianos, editado em 1991, as consultas com o médico eram recorrentes:

– Era difícil imaginar que o Visconde da Graça iria deixar seu primeiro neto varão sob o cuidado de um charlatão – pondera Monquelat.

Em exposição na farmácia havia fotografias de antes e após a cirurgia não só de Simões Lopes, mas também de Hortência Salles, outra paciente do médico. “Tanto a Sra Hortência quanto o neto do barão da Graça sofriam de um estrabismo na vista, porém, tendo sido operados pelo Dr. Nunes da Costa, ficaram bons desse defeito”, anunciava a edição do Jornal do Commercio de 9 de maio de 1875. A notícia ainda destaca a habilidade do médico diante de complicada cirurgia, pouco comum à época.

De todo modo, e apesar da operação ser comemorada na ocasião, o certo é que a fisionomia de um dos nomes mais festejados do regionalismo brasileiro sempre foi marcada pelo desalinhamento nos olhos, cuja estampa entrou para história por conta do olhar prostrado, gacho.
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* Jornalista. Escritor.
Fonte: ZH on line, 25/05/2013

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