terça-feira, 23 de abril de 2013

Solidão moderna

ANNA VERONICA MAUTNER*
 

Queremos estar no meio de gente, nas academias ou em concertos de rock, mas não queremos interagir 
Cada dia mais, a vida urbana vai se organizando em torno de características semelhantes às da ágora/ mercado da Antiguidade. 

Nesses espaços públicos, todos os segmentos da população se encontravam, livres para entrar, sair, falar, silenciar, ouvir, trocar. Não eram restritos a segmentos, castas ou classes. O religioso procurava atrair fiéis, o político procurava rodear-se de simpatizantes, os camponeses traziam seus produtos para trocar e vender. 

Espaço público. Espaço livre. 

Hoje figuram entre as atividades da moda ir a concertos de rock, frequentar academias de ginástica, fazer caminhadas, andar de bicicleta, fazer sauna etc. 

Todas essas modalidades são realizadas isoladamente, promovendo encontros esporádicos. Será que existe algo em comum entre a velha ágora e o mundo que estamos montando? 

Parece-me que estamos voltando para uma época mais sensorial e oral. Em todas essas atividades eu estou em contato comigo mesma, meu corpo, meu aparato sensorial. Não estou me referindo apenas a prazeres solitários, como ler ou ouvir música. Existe algo a mais. 

Muitas dessas atividades são autônomas, porém realizadas em lugares públicos, com a presença de outros. Todas dispensam organização e planejamento. Todas são realizadas em lugares aonde você vai sem ter que marcar horário. Você quer estar no meio de gente, mas sem interação um a um. Estaremos voltando ao café parisiense, que tinha muitas dessas características? 

As redes sociais são novas aquisições da condição de ser humano, além de vivente. Você conhece, mas não encontra. Procura ou não procura, informa e se informa no seu ritmo e de acordo com sua necessidade. 

Sentimos muita falta desse recurso de semianonimato, ainda mais que nos últimos anos cresceu muito e ficou forte o mecanismo de inclusão e exclusão. Nas redes sociais, o fenômeno de exclusão se dilui, como se diluía nas praças da Antiguidade, primeiro refúgio da sociedade que veio a se tornar a sociedade ocidental. 

Isso tudo ocorre porque o homem dispõe de um aparato indispensável à liberdade: a linguagem. Somos mais do que meros sobreviventes com recursos. Somos o homem político, como diziam os gregos: aquele que, se quiser, pensa, leva em conta o seu semelhante. 

A caminhada silenciosa, a tranquilidade das academias, o isolamento na multidão dos shows de rock são os campos de exercício do homem político no século 21. Estamos aperfeiçoando a pertinência a esses espaços, onde reasseguramos nossa condição de humanos. 

P.S. Se eu não tivesse lido Agamben, Foucault e Hannah Arendt, talvez não entendesse o fenômeno dessa forma. 
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