quarta-feira, 24 de abril de 2013

O testamento de Hessel: ''Não basta se indignar. É a política que muda o mundo''

 
A indignação não é suficiente. Se alguém acredita que, para mudar as coisas, basta manifestar pelas ruas, está errado. É necessário que a indignação se transforme em um verdadeiro compromisso. A mudança requer esforço.

Eu nunca pensaria que um pequeno livro de 30 páginas como Indignai-vos! pudesse ter tal repercussão e mobilizar tantas pessoas. Mas o que é certo é que o movimento dos jovens espanhóis na primavera de 2011, adotando a indignação como bandeira, foi um claro apelo para todos, um apelo que superou as fronteiras da Espanha.

O movimento dos Indignados, espontâneo e alheio ao mundo dos partidos políticos tradicionais – que hoje suscitam tanta confiança – representou algo novo, a expressão de uma rejeição das manobras de uma oligarquia, não só financeira, que queria sequestrar o poder político. E a manifestação de uma reivindicação sentida por uma verdadeira democracia. Foi também, por parte dos jovens, uma forma de mostrar a sua responsabilidade através de canais diferentes dos estabelecidos.

A força que esse movimento adquiriu em Espanha não deve nos fazer esquecer que essa aspiração a uma autêntica democracia e essa rejeição da oligarquia são comuns aos jovens de muitos outros países. Movimentos semelhantes de protesto se produziram na Europa, especialmente na Grécia e em Portugal, nos Estados Unidos e na América Latina, na China, na Índia... As formas de contestação popular da chamada Primavera Árabe, que ocorreram em 2010 em vários países do Norte de África, da Tunísia ao Egito, fazem parte dessa corrente de fundo.

O problema, tanto para uns como para outros, é como traduzir esse movimento em uma alternativa eficaz para mudar as coisas, para influenciar as escolhas do governo e promover as reformas desejadas pela maior parte dos cidadãos. No caso da Espanha, a trajetória dos Indignados nem sempre foi fácil de decifrar. Em 2011, paradoxalmente, os Indignados derrubaram um governo de esquerda e contribuíram para entregar o poder a um governo de direita muito distante das suas reivindicações.

Eu fui um dos primeiros defensores de José Luis Rodríguez Zapatero: eu pensava que um governo socialista faria a política de que os espanhóis precisavam. O seu fracasso realmente me decepcionou. [...]

Mas a indignação não é suficiente. Se alguém acredita que, para mudar as coisas, basta manifestar pelas ruas, está errado. É necessário que a indignação se transforme em um verdadeiro compromisso. A mudança requer esforço. É muito bom expressar a nossa rejeição da oligarquia, mas, ao mesmo tempo, é preciso propor uma visão ambiciosa da economia e da política, que seja capaz de transformar a condição do nosso país. Não podemos nos limitar ao protesto. É preciso agir. [...]

A situação hoje na Europa, embora não idêntica, lembra um pouco a situação provocada pela grave crise dos anos 1930, que desembocou na Segunda Guerra Mundial. Hoje também nos encontramos diante de riscos semelhantes. A crise atual e o sofrimento que ela gera exacerbam o ódio e o medo. Os extremismos estão à espreita.

Mas o caminho da revolução, das ideologias totalitárias, não leva a lugar nenhum. Revolução e totalitarismo são palavras que levam uma à outra. Eu nasci com a revolução soviética e, talvez, por sua culpa, contraí a alergia à ideia de revolução... A resposta ao sofrimento causado pela crise não me parece que possa ser dada por um Fidel Castro ou um Che Guevara, mas sim por uma aliança das forças democráticas reformistas em defesa dos valores democráticos.

Durante o século XX, muitos europeus – espanhóis, franceses, italianos... – se renderam a movimentos organizados e a ideologias que se apossaram das suas consciências, estabelecendo aquilo que podia ou não podia ser, e que os levaram a perder toda a confiança em si mesmos. O ser humano basta a si mesmo, não precisa de um líder supremo. Por todos esses motivos, eu nunca fui comunista. E nem mesmo anticomunista.

É que eu não acredito que a mudança possa vir de ações revolucionárias ou violentas que destroem a ordem estabelecida. Eu acredito em um trabalho inteligente, de longo prazo, através da ação e da concertação política e da participação democrática. A democracia é o fim, mas também deve ser o meio.

Os Indignados espanhóis foram criticados pela incapacidade de traduzir o seu movimento em uma organização eficaz. De um certo ponto de vista, essa é a sua principal fraqueza. Mas também é a sua grandeza. Um excesso de organização também pode ser um perigo. E, em certo sentido, estou particularmente contente por ver que os Indignados espanhóis foram suficientemente prudentes para evitar a tentação de se colocarem nas mãos de um grande líder incontestável. Não há nenhuma necessidade de uma organização piramidal, onde alguns – os líderes – dão as ordens, e os outros as executam.

Então, como canalizar esse impulso? Como fazê-lo frutificar? Um dos campos em que os jovens que querem mudar as coisas podem mostrar-se úteis é o âmbito da economia social e solidária. O âmbito da defesa da ecologia e do ambiente é outro. São dois lados da mesma moeda. Só nos salvaremos se criarmos um novo modelo de desenvolvimento, socialmente justo e que respeite o planeta.

Além disso, é preciso redescobrir o gosto pela política, porque sem política não pode haver progresso. Há muitos modos de intervir na política, de suscitar o debate, de propor ideias. O escritor Václav Havel, histórico dissidente contra a dominação soviética e defensor dos direitos humanos, que assumiu a presidência da antiga República da Tchecoslováquia depois da queda do Muro de Berlim, disse uma vez: "Cada um de nós pode mudar o mundo. Mesmo que não tenha nenhum poder, mesmo que não tenha a menor importância, cada um de nós pode mudar o mundo". [...]

Os partidos políticos tradicionais se encerraram demais em si mesmos. Estão anquilosados e precisam de uma sacudida. Apesar de tudo, porém, continuam sendo um instrumento essencial da participação política. Eu acredito que também não devemos duvidar da oportunidade de entrar em um partido. Estou totalmente convencido de que devemos utilizar as forças políticas existentes. Melhor ficar dentro do que fora. Aos meus amigos, eu sempre repito a mesma coisa: se vocês querem combater os problemas, se vocês querem que as coisas mudem, nas democracias institucionais em que vivemos, o trabalho deve ser feito com a ajuda dos partidos. Até mesmo com os seus defeitos, as suas imperfeições, as suas insuficiências.

Cada um de nós deve encontrar o partido mais próximo das próprias preocupações, o mais disposto a apoiar as próprias reivindicações e fazer parte dele. Não devemos nos iludir. Vocês nunca encontrarão um, nem mesmo um, que coincida 100% com a sua linha. Mas as coisas são assim, isso faz parte do jogo. Vocês acham que não têm o vigor suficiente? Que não são determinados o suficiente? Não se esqueçam que são vocês que podem lhes infundir esse vigor e essa determinação.
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* A opinião é do diplomata e embaixador francês Stéphane Hessel (1917-2013), conhecido como o pai intelectual dos "indignados". O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 20-04-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line,24/04/2013
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