quinta-feira, 18 de abril de 2013

Imagens

  • Luiz Fernando Veríssimo *

    Na investigação desse atentado em Boston, a polícia e o FBI têm a sua disposição as imagens de dezenas de câmeras de circuito fechado dispostas em postes, frentes de lojas e portarias de edifícios ao longo do percurso da maratona. E contarão com as imagens gravadas nos celulares e câmeras portáteis de participantes e assistentes da maratona, num número incalculável. Talvez esta megacobertura não ajude em nada, mas o fato é que vivemos na era do registro universal, em que, pelo menos em tese, nenhum movimento do cidadão de uma cidade moderna deixa de ser captado ou – se for um criminoso – flagrado. Cheguei a imaginar como seria um filme que contasse a vida de algum representante da nossa espécie e da nossa época apenas através de registros selecionados, do teipe do seu parto, gravado pelo pai, através de todos os super-8 da sua infância e juventude, até a gravação da sua posse como ministro ou do seu assalto a uma mercearia abanando para a câmera, a escolher.

    Também se pode especular como teria sido a história do mundo se detalhes dos seus grandes momentos ou de suas passagens mais terríveis tivessem o escrutínio eletrônico de hoje. Na ausência da câmera onipresente, os acontecimentos eram conhecidos por testemunhos pouco confiáveis, que transformavam banalidades em feitos heroicos e barbaridades em mitos. Hoje se sabe que o repúdio do público americano à guerra no Vietnã cresceu porque aquela foi a primeira guerra com cobertura instantânea da História, a primeira que não foi mostrada em filmes desatualizados, mas gravada e despejada diariamente pela TV no tapete da sala. E não é preciso ir muito longe. Imagine se na tropa que acompanhava dom Pedro I às margens do Ipiranga houvesse uns quatro ou cinco celulares gravando tudo. A cena da proclamação da nossa independência certamente não seria tão retumbante. A cena retratada na pintura famosa é mais bonita, mas é falsa. Ou – para quem acha que entre o fato e a lenda deve-se sempre publicar a lenda – é falsa, mas é mais bonita.
  • Crônica vovô

    Tenho uma poltrona para ler os jornais, ver TV e, eventualmente, cochilar na sala. Tenho, não. Tinha. Nossa neta Lucinda descobriu que o melhor lugar para assistir a seus programas é a mesma poltrona. Não concorda que na poltrona, apertando um pouco, cabem dois. Só faz concessão na hora do Jornal Nacional, quando permite minha reintegração de posse. No resto do tempo, a poltrona é dela, e meus protestos são recebidos com indiferença ou ironia. No outro dia, diante de mais uma reivindicação dos meus direitos, ela tapou a boca com a mão para eu não ouvir e disse: “Vovô pirou”. Enfim, estou envolvido numa guerra por território, com poucas possibilidades de vitória.
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    * Escritor. Cronista da ZH
    Fonte: ZH on line, 18/04/2013

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