sábado, 27 de abril de 2013

A vivência da fé numa sociedade secular. Um relato autobiográfico de Charles Taylor

 Taylor enquadrou-se no grupo daqueles que admitem ter sido um erro abandonar a fé.
Foto: Mariana Staudt

Na manhã de sexta-feira, 26-04-13, Charles Taylor esteve à frente da Conversação com teólogos/as: vivência da fé numa era secular. Um relato autobiográfico. Ele recuperou aspectos sobre sua vivência religiosa, referindo-se à experiência da igreja católica de língua inglesa em Quebec, no Canadá, cujo início se deu no século XVII.

A reportagem é de Márcia Junges.

De acordo com Taylor, há três tipos de biografias entre os cristãos no nosso tempo. Primeiramente mencionou aquelas pessoas que não vivenciaram rupturas em sua fé, prosseguindo com o credo que professavam em família, desde cedo. Essas pessoas se sentem ameaçadas pela secularização que se propaga pelo mundo, e querem se defender desse tipo de ambiente. Bento XVI se encaixa nesse perfil, comentou.

No segundo grupo de cristãos se enquadram aqueles que ainda creem, ao passo que no terceiro grupo figuram os que passaram a crer novamente.

Os cristãos que ainda creem são aqueles que pensam que talvez tenham uma perspectiva semelhante à primeira categoria de pessoas descritas por Taylor, as tradicionais. Essas são pessoas cujo hiato que ocorreu em sua vida foi motivado pela forma contínua da fé que seus pais tinham. Descobriram nova caminhada para dentro da fé. Esse hiato aponta para formas muito diferentes de vivenciar a fé, na qual as pessoas não podem simplesmente recuperar a forma que esta tinha no passado. Isso não significa nada para elas. Mas trata-se de recuperar uma nova abordagem para a fé. O Concílio Vaticano II constituiu a base para uma série de pessoas que voltaram a crer. Tratava-se de um empreendimento extraordinário de teólogos que organizaram esse evento.

Para os teólogos Yves Congar e Henri De Lubac estas formas diferentes estão no contexto de uma profunda continuidade da tradição. De certa forma, toda trajetória intelectual desses teólogos frente ao antimodernismo era de recuperar as fontes dos padres da Igreja para ver que havia uma forma de se apropriar dessa herança. A teologia por trás do Vaticano II se deu conta da importância do voltar a crer.
O retorno à fé

No grupo três há a percepção de que foi um erro abandonar a fé, e passa-se a ver sentido novamente na crença, destaca Taylor. O filósofo canadense se disse integrante dessa parcela de cristãos. “Antes do Vaticano II eu era um adolescente confuso. Agora sou um octogenário confuso”, gracejou. “Muitas coisas não eram aceitáveis na Igreja no meu tempo de juventude. A Igreja em Quebec era muito autoritária. Quando você saía da religião, era visto como uma pessoa desajustada”. Taylor mencionou a importância das obras de Congar e De Lubac nessa fase de questionamentos que viveu na juventude.

Uma busca constante

Dando início ao debate que seguiu ao relato autobiográfico de Taylor, o coordenador do curso de Jornalismo da Unisinos, Elberto Behs, questionou a pertinência de se falar de um quarto grupo de cristãos. Trata-se daqueles que não se ligam a nenhuma instituição, mencionou. Charles Taylor destacou que evidentemente existe uma relação entre o terceiro e a quarto grupos. As pessoas do grupo três entendem a si como envolvidos numa busca. Uma das diferenças é que não estão simplesmente mais uma vez em busca de uma verdade que colocaram em dúvida e voltaram a ela. “Mas se envolveram numa busca que residia na fé cristã e precisavam organizar isso”, assinalou. E completa: “Existe, sim, uma quarta biografia, mas seus integrantes estão no mesmo espaço. Há uma conexão entre ainda crer e crer novamente. As pessoas estão em busca sempre”.
Sociabilidade difusa

Outra temática que surgiu no debate foi a questão da relação mídia e religião. Para Edelberto Behs, a sociedade da informação está criando uma nova ambiência e transformando a religião. “Não sabemos o que vai ser isso, mas é inegável que essas relações com a fé estão em processo de mutação”. As igrejas tradicionais têm perdido espaço nesse cenário, acrescentou.

Para Taylor, a continuidade não se constitui na nova tecnologia, mas intensifica algo que já estava acontecendo. Num mundo de pessoas em busca há aqueles que habitam. Entre os buscadores já surgiram vários tipos de sociabilidades diferentes, de modo que pode haver conexão entre elas porque são pessoas que buscam de forma geral, ou querem uma disciplina de meditação. Se essas pessoas tem fé e pertencem à igreja, esse tipo de sociabilidade difusa foi incrementada, intensificada pelas novas mídias. Podemos ver isso em todos os campos, como na política. “A conectividade adquiriu uma nova qualidade. Essa busca difusa começou nos EUA. As novas mídias fazem diferença na era secular, mas não são cruciais”, ponderou o filósofo.
Convívio problemático com a diversidade

O Frei Luís Carlos Susin, da Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre – PUCRS questionou sobre a o crescimento do fundamentalismo, que toma conta de modos diferenciados de várias partes do mundo, bem como do pentecostalismo e das experiências carismáticas. Para Taylor, o fundamentalismo bíblico norte-americano introduz uma noção de sentido literal que não seria compreendida por Santo Agostinho. Existe uma tecnologia na criação de mais solidariedade fundamentalista, como a Al-Qaeda, e existe a tecnologia para as pessoas que buscam crer. Há uma sensação de ameaça que algumas pessoas experenciam. Quanto ao fundamentalismo ateísta, Taylor disse que a postura de Richard Dawkins é semelhante àquela dos bispos anglicanos do século XIX em relação a Charles Darwin.

O diálogo entre a primeira e a segunda modernidade, o sincretismo religioso brasileiro e a nova gramática do mistério foram outros temas abordados na conversa. Sobre o sincretismo, Taylor mencionou que tal experiência é também encontrada no Japão e Índia. Estamos em um mundo de múltiplas possibilidades e conexões sincretistas entre indivíduos. Vive-se na fronteira, mencionou.

Outra questão que suscitou discussões foi sobre a possibilidade de articular politicamente a fraternidade, a igualdade e a liberdade. Para Taylor é preciso ver a estranha dialética da histórica, com essas ideias apontadas. “Elas foram assumidas em formas que negam inteiramente a fé”. Existem várias formas pelas quais esses ideais foram assumidos e distorcidos. No caso político da Revolução Francesa a igualdade foi suprimida rapidamente. No Novo Testamento vê-se um conjunto de regras que parecem corretas e inquestionáveis, mas que quando aplicadas vão contra o espírito de Deus. Em seu ponto de vista, “convivemos muito mal com a diversidade”.
Sacerdócio e gênero

Taylor se diz muito encorajado pelas ações do Papa Francisco, que foi escolhido em 13-03-2013 pelo colégio cardinalício. O Sumo Pontífice aponta para os novos tempos que vivem a sociedade e a igreja. “O mundo moderno pode ser tudo, menos relativista. Há malucos fundamentalistas por todo lado. E quando a igreja fala a partir do Evangelho, ela sempre cativa as pessoas”.

Questionado sobre a possibilidade do Papa Francisco autorizar o sacerdócio feminino ele diz que “detestaria ser o Papa” nessa hora dada a complexidade da questão. Contudo, destacou: “È preciso romper o vínculo entre o sacerdócio e o gênero”. No futuro as pessoas se perguntarão pelo motivo que impedia as mulheres de serem ordenadas.
Charles Taylor no Basil

Charles Taylor está pela primeira vez no Brasil num roteiro de eventos acadêmicos que se estende de abril a maio de 2013. A convite do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ele iniciou com um Ciclo de Debates que se desenvolve em duas perspectivas temáticas: O debate liberais-comunitários: colóquio com Charles Taylor, ocorrido em 24 e 25 de abril, e Religiões e Sociedade nas trilhas da secularização. Diálogos com Charles Taylor marcado para 26 e 29-04-2013.

Trata-se de um evento de caráter multi e transdisciplinar que reune pesquisadores e estudiosos de diferentes áreas acadêmicas em conferências, mesas redondas, diálogos, entrevistas e apresentação de trabalhos. As contribuições de Charles Taylor para a discussão dos temas centrais do evento – sociedade, religiões, secularização –, visam ampliar os debates em torno a temas de interesse para diferentes áreas de estudos e pesquisas. 
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Fonte: IHU on line, 27/04/2013

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