sábado, 9 de março de 2013

O MITO E A REALIDADE

 Editorial*
 

As imensas filas de venezuelanos que deixam de comer e de dormir para fitar por 30 segundos o caixão do presidente Hugo Chávez dão o que pensar. O corpo do coronel comandante não será sepultado nem cremado: receberá tratamento especial, será embalsamado e exposto em uma urna de vidro “para que o povo possa tê-lo para sempre”, como explicou o vice-presidente Nicolás Maduro, ungido pelo próprio Chávez para substituí-lo. A intenção da cúpula chavista de transformar o governante morto em mito do socialismo bolivariano é tão clara, que Maduro comparou o projeto de embalsamamento ao culto a Lenin, Mao e Ho Chi Minh – líderes comunistas que até hoje estão insepultos em seus respectivos países, expostos em mausoléus que se tornaram atração turística e templos de devoção ideológica.

Não é gratuita essa decisão de transformar Chávez em objeto de romaria. Se a comoção em torno do presidente morto for mantida, será muito difícil superar o favoritismo de Nicolás Maduro na eleição presidencial que se realizará dentro de um mês. A construção do mito tem o sentido de mostrar ao povo que o homem está morto, mas suas ideias e seus projetos – o chavismo – estão mais vivos do que nunca e que só terão continuidade se seus correligionários forem mantidos no poder.

Como estratégia política de efeito imediato, parece infalível. O problema é que os mitos não governam. E o legado de Chávez não garante por muito tempo este louvamento nacional característico de um período de luto e homenagens. Logo os venezuelanos terão que encarar a realidade, que não pode ser representada apenas pelos bons resultados das políticas sociais mantidas pelo ex-presidente durante os seus 14 anos de poder. Se é verdade que Chávez governou para os pobres e tirou milhões de conterrâneos da miséria, seu modo personalista de governar também gerou problemas graves, como a economia desorganizada, a fragilidade das instituições democráticas e a insegurança. Basta observar que Caracas é hoje uma das cidades mais violentas do mundo, com um índice de cem homicídios por 100 mil habitantes.

A palavra mito tem vários significados, entre os quais “invenção, lenda, relato imaginário”. A Venezuela, como qualquer país que busca o desenvolvimento, vai precisar de líderes de verdade, com presença física e atuação forte no comando do país. Chávez conquistou apoio popular, mas também concentrou poderes, pisoteou a liberdade de expressão e manipulou as leis e as instituições em favor de suas causas. Sem ele, a tendência é de que, a médio prazo, essa democracia reprimida tente reencontrar o seu espaço.
-----------
* Jornal Zero Hora , Porto Alegre, RS.
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/09/03/2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário