domingo, 30 de dezembro de 2012

Phone home!

 Diana Lichtenstein Corso*
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Para entender as crianças, pense como você se sente em viagem a um país novo, uma cultura exótica, diferente, onde cada minuto é desconcertante. Ao final de um único dia, parece que transcorreu uma semana e só o que você quer é um banho e o quarto de hotel, sua casa nesse planeta distante. Quanto menores, mais estrangeiras ao nosso mundo elas são. Os pais terão que ser guias pacientes, saber a hora de recolher seus turistas confusos e estressados à bem-vinda rotina familiar.

Conviver com os pequenos exige atenção, sensibilidade de funcionar dentro de um ritmo que eles possam acompanhar, algo que poucos adultos e pais estão dispostos a fazer. É preciso manter-se falando com eles, diagnosticar seu desconforto. Crianças demandam tradução. Tudo lhes soa incompreensível, cansam fácil, precisam refugiar-se em seu mundo lúdico privado, em geral na hora em que o adulto gostaria de continuar na festa. São de tiro curto e, se forem forçadas a ir além de suas forças, vão acabar criando algum tipo de birra, litígio ou bagunça.

Crescemos, mas seguimos para sempre alienígenas às novidades do destino. Pelo resto da vida, as mudanças fascinam e assustam. Ao chegar, juventude, adultez e velhice sempre nos encontram contrariados, recalcitrantes e confusos. Somos como um computador superado, ficamos sobrecarregados e damos tilt a cada desafio. Nossa visão de mundo é como um sistema operacional condenado à defasagem.

Um bom exemplo disso está no filme E.T., de Spielberg, que completou três décadas neste ano que finda. Nessa história, só as crianças entendem o desamparo e o desterro do simpático extraterrestre, embora esse seja um sentimento universal. Todos temos nossa criança interior, essa que nos assombra para sempre. Ela também se confunde com o desconhecido e quer ligar para casa, precisa contato com a nave-mãe.

Ano novo é como lugar novo. A sensação de caderno virgem é a expressão otimista dos balanços de fim de ano. Prometemos que desta vez não haverá folhas incompletas, amassadas, em branco! Fazemos listas de boas intenções, votos depositários da insaciável cobiça de perfeição. Graças a isso, o primeiro dia do ano marca o início de uma jornada fadada à frustração. Meus cadernos continuam caóticos, em sentido figurado, mas, como todo mundo, tenho fé na renovação, ela abre a porta da esperança. Reincidentes, voltamos a acreditar na aposta em que “desta vez vou fazer tudo certo”, mas e se não? A cada recomeço reencontro a criança acuada que nunca me deixou. “Phone home, phone home!”, pedia o E.T.

Para o ano que entra e tantos outros, lembre-se de que dependemos de encontrar um equilíbrio instável entre o conhecido e o estranho. Precisamos seguir em frente, mas de tanto em tanto, repousar em território conhecido, mesmo que ele pareça um caderno rabiscado, com orelhas. Seja um adulto compreensivo consigo mesmo. Ao longo do trajeto, se agache, olhe sua criança interior nos olhos e a conforte. Seja um bom pai para você mesmo e feliz ano novo!
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dianamcorso@gmail.com
*Psicanalista
Imagem: Cristian Girotto com sua série L'Enfant Exterieur (A Criança Exterior).
Fonte:  http://www.clicrbs.com.br/zerohora/30/12/2012

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