domingo, 23 de dezembro de 2012

Natal em família


Martha Medeiros* 
 
 O Zé tem 61 anos e casou recentemente pela terceira vez. Possui duas ex-mulheres, e um filho com cada. Já tem inclusive uma netinha de dois anos por quem é alucinado. 
Além disso, o Zé tem mãe viva. E um pai também, que se divorciou da mãe dele há muitos anos e casou de novo. E o Zé tem dois irmãos. 

O Zé é afetivo e curte a família, que é grande. Inclui as ex-mulheres, os novos maridos delas, os filhos, as noras, a neta, a mãe, os irmãos, as cunhadas, os sobrinhos, o pai, a esposa do pai. Cada um no seu endereço. 
Então vai chegando o Natal e o Zé fica tenso, sem saber como dar conta de abraçar todo mundo. A nova mulher do Zé tem família também: mãe, irmãos, primos, aquela coisa toda. Ela quer passar o Natal com eles, e quer que o Zé fique em casa.
A mãe do Zé não abre mão de juntar os três filhos. O Zé não vai fazer essa desfeita, vai?
 O pai do Zé é pacífico, mas a mulher dele se sente rejeitada por qualquer ausência, e se o Zé não aparecer, será responsabilizado por mais um chilique da madrasta.
A primeira ex-mulher monopoliza a netinha. O Zé não pode ficar sem ver aquela menina adorável, a única criança da família, e Natal sem criança, você sabe. O Zé sabe.
A segunda ex-mulher passa o Natal com o outro filho do Zé e mais todo o grupo de amigos que eles tinham quando casados e de quem o Zé sente falta, já que os amigos ficaram na partilha dela.
Então esse é o Zé em trânsito no dia 24 de dezembro. Ele passa primeiro na casa da mãe. Chega tão cedo que não encontra um dos irmãos. Fica o Zé, a mãe e o outro irmão tomando uma cerveja e beliscando umas amêndoas meio velhas.
Aí o Zé se despede e vai ver a netinha. Não resiste quando pedem para ele se vestir de Papai Noel. Faz a encenação, morre de calor com a barba postiça, toma uma cerveja gelada, afana uma fatia do peru e corre pra sua própria casa, onde sua mulher está furiosa, isso são horas de chegar? Ele faz uma social com a família dela, aí bebe vinho e participa da ceia já meio enjoado, não deveria ter misturado cerveja e vinho. Pede licença, tem que sair para dar um beijo no outro filho.
“Vá num pé e volte no outro”, ela ordena. No meio do caminho, dá uma paradinha na casa do pai, marca presence com a madrasta, ouve três músicas natalinas, toma mais uma cerveja e segue seu périplo.
Então chega na festa da 
segunda ex, que está bombando. Assim que atravessa a porta alguém coloca uma taça de espumante em suas mãos. Localiza o 
filho, dá um abraço nele, depois outro abraço no amigo Tomás, um abração no Ricardo que não vê faz tempo, e também no Goes, que está enlaçado numa loira que ele nunca viu. Quem é? Separei, Zé, essa é minha namorada. Zé dá dois tapinhas nas costas do Goes a título de condolências.
Volta pra casa, a mulher que estava dormindo no sofá acorda e exige que ele leve a família dela em casa. Eles ainda estão aqui? Estão, Zé. Dormindo no nosso quarto.
O Zé chega a cogitar um novo divórcio, mas o que lhe resta de sobriedade avisa: melhor não. Aí virá outra mulher, outros parentes, como encaixar?
E suspira lembrando de quando era criança, quando reuniam-se todos embaixo 
da mesma chaminé.
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* Escritora. Cronista da ZH . Fonte: ZH on line, 23/12/2012 .Imagem da Internet

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