quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A vida espiritual é a arte da espera

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Entrevista a Enzo Bianchi, fundador da comunidade monástica de Bose, Itália

A nossa sociedade encerra-nos no instante, no imediato, numa espécie de zapping permanente. Como podemos encontrar o sentido da espera?
De facto as nossas sociedades contemporâneas ocidentais vivem sob o reino dominador do instantâneo. Não paramos de correr. Vivemos um tempo rápido, apressado, disperso, dividido numa multiplicidade de instantes que não têm verdadeiramente ligações entre eles. O homem do século XXI é muitas vezes uma pessoa sem memória, separado das raízes da sua história. 

É também um homem sem "futuro"?
É difícil projetar-se numa civilização do imediato. Não sabemos de que será feito o amanhã mas, mais grave, não se procura sabê-lo. Vive-se no presente. Isto implica identidades mais frágeis, que não tiram do passado as forças para construir o futuro. Por trás desta constatação coloca-se a grande questão da transmissão. A esperança alimenta-se da memória. É ao fazer memória da experiência progressiva de libertação vivida pelos seus pais que os Judeus voltam o olhar para a terra prometida e entram num caminho de salvação. A releitura do passado abre, de alguma forma, as portas do futuro. O Advento irrompe nos nossos calendários sobrecarregados e introduz nas nossas vidas uma palavra quase esquecida, da qual perdemos a tradução: a espera! É um encontro essencial, a não perder. 

O Advento é a arte da espera?
O Advento é uma caminhada íntima, pessoal e coletiva. Trata-se, para mim, de esperar o meu Salvador e, para um grupo humano, uma comunidade, de esperar em conjunto Aquele que vem. No cristianismo a espera é necessariamente individual e coletiva, solitária e comunitária. O mais difícil é encontrar o sentido numa sociedade que não cessa de nos desviar. A ideologia ambiente convence-nos muitas vezes que nos cabe avançar, construir através da nossa ação, criar as bases de um futuro. Mas o mistério do Advento diz-nos o inverso! Não procures construir compulsivamente por ti um futuro; deixa-te trabalhar pelas mãos do Deus oleiro! 

O Advento é uma espera passiva?
Não, mas é uma espera que deixa espaço à surpresa. Deus não vem como quero, quando quero, da maneira que eu desejo que chegue à minha vida. A única "atividade" que devo realizar é de me desimpedir para lhe deixar o lugar para nascer em mim, segundo o seu projeto e não segundo os meus planos. Durante o Advento a espera não é, por isso, passiva - uma mulher que espera um bebé também não o é. Ela deixa-se criar, deixa Deus tomar nela o rosto que ele lhe deseja oferecer. Ela alimenta a sua criança mas não lhe dá forma. Viver cristãmente o Advento é deixar de crer que se pode ter mão no tempo, que se pode controlá-lo. É deixar-se ir, ousar entrar no tempo das lentas maturações. Viver a espera do Advento é passar da necessidade ao desejo... A satisfação das necessidade dá-me a ilusão de estar cheio, satisfeito. O desejo, ao contrário, coloca-me a caminho; não me sacia mas estimula a minha fome. 

Precisamos de reabrir as portas da interioridade?
A aceleração do tempo, a pressão social, a carreira profissional, as solicitações incessantes de um mundo de imagens, sons e ruído afastam-nos de nós mesmos. Somos demasiadas vezes como o profeta Elias, surdos ao simples sussurro da leve brisa pela qual o Eterno tenta falar ao ouvido do nosso coração. Para viver a fecundidade do Advento é preciso dar-se as condições de parar um pouco, ir para um lugar isolado «na montanha». A espera do Advento é frutuosa se abre diante de nós um espaço de vazio, de silêncio, que nos permite finalmente mergulhar em nós mesmos, reler a nossa história pessoal para nela discernir os traços do Espírito. Sem isso não podemos fortalecer os laços com Cristo. Podemos tomar esta imagem: entrar no Advento é um pouco como entrar em resistência contra tudo aquilo que nos distancia desse «coração» que evoca a Bíblia onde, em nós, Deus plantou a sua tenda.

A vida espiritual cristã é uma escola da espera?
Sim porque Cristo está sempre a vir, sempre a nascer nas nossas existências. A vida espiritual consiste em deixá-lo ver o dia em nós e à nossa volta. Devemos exercer, na oração, a nossa vigilância, como sentinelas. No coração da minha oração, durante o Advento, há um pedido a Cristo: «Lembra-me de quanto preciso que venhas salvar-me no íntimo das minhas fragilidades». Porque a espera só se torna fecunda no minuto em que eu tomo consciência das minhas falhas, ou, como Pedro que se afunda nas águas do lago, eu grito: «Senhor, salva-me!». No Natal nós cantamos, com a Escritura: «Um Salvador nos nasceu, um filho nos é dado». Mas teremos nós a consciência de que precisamos de ser salvos? 

O que quer dizer?
A ideia de um Deus salvador é complexa a apreender. Evoluiu ao longo da História: quando o homem não tinha qualquer controlo sobre os elementos naturais nem os meios de evitar a doença e as catástrofes, tanto como tem hoje, ele foi espontaneamente atraído a ter do Deus salvador uma visão algo mágica, arcaica. Hoje esta visão precisa, sem dúvida, de ser purificada: Deus salva-me, pela morte e ressurreição do seu Filho, não porque me poupa de toda a infelicidade mas porque, pela sua Palavra, me ajuda a tornar mais pessoa, a penetrar mais na minha humanidade, ou seja, a libertar-me, a resistir às forças da morte que me habitam. Esperar Jesus é esperar um salvador como se espera um libertador, uma força que nos livra de tudo o que nos impede de nos tornarmos filhos e filhas de Deus. 

Que conselhos para entrar neste tempo do Advento pode dar às mulheres e homens que não são monges e que, tantas vezes, são engolidos pela vida profissional e familiar, pelas mil e uma solicitações da nossa sociedade?
Tomar consciência de que é a vinda de Cristo que é preciso esperar; e não esta festa consumista e pagã onde Jesus sufoca sob as ondas do materialismo. Mais profundamente creio que devemos evitar esta espécie de afetividade infantil que consiste em crer que o Menino Jesus vai voltar a nascer em 2012. Jesus nasceu num período preciso, há mais de dois mil anos. Este nascimento pertence à História. Funda a entrada na Nova Aliança. O que esperamos é o seu regresso, a sua vinda na glória. A espera do Advento não é tanto aquela, algo piegas, de um "bebé", mas a esperança escatológica do regresso de Cristo ressuscitado que virá dar a plenitude às nossas vidas e à História. Esquecemos uma expressão que os primeiros cristãos diziam muito: «Maranatha», «Vem, Senhor!». Se vivermos o Advento numa grande interioridade, à escuta da sua Palavra, poderemos então, como diz S. Pedro na sua epístola, «acelerar» a sua vinda. 

No Advento a nossa oração...
... é uma prece. «Vem, Senhor!», podemos repetir durante o Advento tantas vezes quanto possível. Devemos pedir a graça do Espírito para que ele precipite o regresso de Cristo no nosso coração e à nossa volta, num mundo muitas vezes ferido. Não cansemos o Senhor com os nossos pequenos desejos, as nossas pequenas esperas; peçamos simplesmente e ardentemente a vinda do seu Espírito. Deixemo-lo tornar-se para nós, em nós, e neste mundo, o mestre do desejo...
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In Prier, dezembro 2012
Digitado em português de Portugal.
Fonte: http://www.snpcultura.org/advento_2012.html#advento_2012_dia_20

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