domingo, 18 de novembro de 2012

A CIÊNCIA INQUIETA

Entrevista do professor João Lobo Antunes ao jornal italiano Avvenire [12-11-12].

ENTREVISTA

Uma família de talentos, sem dúvida. O seu irmão, António Lobo Antunes, é hoje um dos maiores escritores portugueses, autor de obras como Cartas da Guerra e A morte de Carlos Gardel. Mas também ele, João Lobo Antunes, é uma figura de peso na sociedade lusitana. Nascido em 1944, neurocirurgião de renome internacional (aperfeiçoou sua formação nos Estados Unidos, aonde chegou nos inícios dos anos setenta graças a uma bolsa da prestigiosa Fundação Fulbright Association), actualmente trabalha no Hospital CUF – Infante Santo de Lisboa e assume inúmeras posições institucionais. E também ele, como António, escreve livros com grande sucesso no seu país. Ensaios, mas, romances não: desde Um modo de ser de 1996 (ano em que foi agraciado com o Prémio Pessoa) a Memória de Nova York de 2002, até ao Eco do silêncio de 2009.

Portanto, um intelectual conceituado, que nunca deixou de operar e que tem muito a dizer sobre o «Valor da vida», tema que o Átrio dos gentios escolheu para celebrar nos próximos dias na sua versão portuguesa. A inaugurar os encontros estará o próprio João Lobo Antunes, num diálogo com o cardeal Gianfranco Ravasi, que se realizará na sexta-feira, 16 de Novembro, na Universidade do Minho, em Guimarães.

O professor é um clínico ilustre e um escritor influente: quando se confronta com o mistério da vida, confia mais na investigação científica ou na tradição humanística?
«Na realidade ambas são indispensáveis e hoje a fractura entre aqueles que Charles Percy Snow definia “as duas culturas” não é mais tolerável. De um certo ponto de vista poderia parecer que os formidáveis progressos no âmbito científico e tecnológico tenham relegado para segundo plano os estudos humanísticos, entendidos na sua acepção mais ampla. Mas o verdadeiro objectivo da cultura humanística continua a ser sempre o estudo, a contemplação e investigação sobre o significado do ser humano. O humanismo, em suma, é decisivo para destrinçar as complexidades da nossa época.

O início e o fim da vida são actualmente as questões mais debatidas: é uma posição que partilha?
«É verdade, a sociedade no seu todo e os próprios especialistas, especialmente no âmbito bioético, centram-se sobre o momento inicial e sobre o final. No entanto, há tanto para viver entre um e outro extremo! Dito francamente, preocupa-me mais a “vida vivida”, que traz consigo os desafios e dilemas morais da quotidianidade. Este é o motivo pelo qual concordo com as indicações da socióloga Renée Fox: a ética da vida deveria ser enfrentada com um olhar mais multidisciplinar e mais filosófico, evitando a petrificação em regras preconstituídas. Seria preciso mais atenção pelas convicções de fé, assim como pelos sistemas de valor e pelos interrogações de natureza metafísica. E seria igualmente necessário dar ouvidos às instâncias da dignidade, da doação e da compaixão».

A definição de morte cerebral provoca também muitas discussões. Os parâmetros fixados em 1968 pela Declaração de Harvard não seriam mais aceites, diz-se.
«Para a morte cerebral não existem de facto dados que possam desmentir os critérios fixados em Harvard ou noutras experimentações médicas. O estado vegetativo permanente é, pelo contrário, um argumento mais interessante do ponto de vista ético e científico. Alguns pacientes poderiam de facto conservar um certo grau de conhecimento, permanecendo destinados a nunca mais recuperar significativamente as suas capacidades cognitivas. Em qualquer circunstância têm portanto o direito de ser tratados com o máximo respeito pela sua dignidade (conceito, este último, bem mais complexo). Estou convencido que as regras a seguir na prática deveriam ainda inspirar-se nos ensinamentos de Pio XII nesta matéria.

O Professor tem uma longa experiência clínica: teve algum episódio particular que o levou a clarificar as suas convicções?
«Não, aconteceu simplesmente que, com o passar do tempo, considerei sempre mais interessantes as questões éticas levantadas pelos triunfos da medicina. Gosto de dizer que “a ética é história das minhas inquietudes”, e estas inquietudes nunca se aplacaram».

Do seu ponto de vista, quais são as principais diferenças que os Estados Unidos e a Europa enfrentam em questões de bioética?
«Os americanos, como tive ocasião de constatar, dão muita mais importância aos valores espirituais e religiosos, e estão sempre animados pelo desejo de testemunhar a própria fé na vida diária. Se tudo isto os leva a ser mais generosos e compassivos é todo um outro discurso. Permanece o facto que nos EUA o paciente está decididamente mais inclinado a discutir os aspectos espirituais da doença e do sofrimento. A bioética moderna é sem dúvida uma disciplina americana, claramente fundada sobre valores espirituais. O problema é que aqui, na Europa, tendemos a aplicar estes, que são de facto princípios estabelecidos pelos americanos, num contexto cultural e antropológico bastante diferente».
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Tradução: João Paulo Costa
Escrito a 12 de Novembro de 2012 por
Fonte:  http://www.patiodosgentios.com/sugestoes/a-ciencia-inquieta/

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