segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Hora de verão

Ronaldo Mourão*
Como os girassóis que dirigem a sua flor para captar o raio do Sol, o homem também tinha a obrigação de descobrir um meio simples que lhe permitisse aproveitar ao máximo a luz do Sol. Com o objetivo de economizar energia e gozar as ensolaradas tardes de verão, decidiu-se acertar os nossos relógios adiantando-os de uma hora durante o verão. A ideia de aproveitar ao máximo a luz solar, durante os dias longos, foi proposta há mais de dois séculos, em 1784, pelo cientista e político norte-americano Benjamin Franklin (1706-90), que escreveu o ensaio An economical project (1784), na realidade, um minucioso estudo relativo à economia de luz nas residências, que foi enviado ao seu amigo jornalista e farmacêutico Antoine Alexis-François Cadet de Vaux (1743-1828), editor do Journal de Paris.  Ao sentir a importância do problema, Cadet de Vaux  resolveu publicá-lo na  forma de uma carta  no jornal, em 26 de março de 1784, conservando o titulo inglês An economical project. 
“Meu gosto pela economia”, escreveu Franklin, “me levou a fazer o seguinte cálculo: seis meses, de 20 de março a 20 de setembro, fornecem 181 noites. Multipliquei esse número por 7 para ter o número de horas durante as quais queimamos as velas e encontrei 1.267. Como existem 100 mil famílias, obtemos 126,7 milhões de horas de consumação, o que representa uma despesa anual de 96,075 milhões de libras em cera, somente para a cidade de Paris, ou seja, mais de 100 milhões de francos”. 
Após fazer o elogio das lamparinas da época, Franklin afirmou que prefere muito mais a luz do Sol, e apresentou, para obrigar os franceses a economizarem, estas duas proposições: "Primeiro: Instituir uma taxa de um luís (moeda da época) em cada janela que tivesse as suas cortinas cerradas, impossibilitando a luz de entrar, logo que o Sol estivesse acima do horizonte. Segundo: Fazer com que todos os relógios das igrejas soassem ao nascer do Sol; se isso não fosse suficiente, acionar um tiro de canhão em cada rua”. 

Desperdiçando a luz do dia
A ideia foi pela primeira vez defendida objetivamente pelo construtor londrino William Willett (1857-1915) no panfleto Waste of daylight” (Desperdício da luz do dia, 1907), no qual propunha que todos os relógios fossem avançados em 20 minutos em um dos quatro domingos de abril e atrasados na mesma quantidade nos quatro domingos de setembro. Como gostava acordar muito cedo para andar a cavalo através do Petts Wood, próximo a Croydon, Willett ficou chocado ao verificar que a maioria das janelas das casas encontrava-se fechada enquanto o Sol já tinha nascido há muito tempo. Quando Willett questionava por que não acordavam mais cedo, após escutar a resposta, replicava com o humor britânico “o quê?”. Em seu panfleto, escreveu: “Todos apreciam as longas tardes iluminadas. Todo mundo lamenta a escassez de luz quando o outono se aproxima; e todo mundo tem dado sinais de queixar-se que as brilhantes luzes de uma manhã durante os meses de primavera e verão são raramente vistos ou aproveitados”. 
Cerca de 10 meses depois, Willett começou a defender o aproveitamento da luz do dia, atraindo a atenção das autoridades, dentre elas, o deputado Pearce, mais tarde Sir Robert Pearce, que apresentou um projeto na House of Commons (Casa dos Comuns), no qual se determinava um ajuste compulsório dos relógios. O projeto foi redigido em 1909, e apresentado no Parlamento diversas vezes, mas, receando o ridículo e a oposição, especialmente a dos fazendeiros interessados, a lei não foi aprovada. Willett morreu em 4 de março de 1915, lamentando o não aproveitamento da luz do dia. 
Na realidade, Willett tinha sugerido um esquema muito complexo que consistia em adicionar oito minutos em quatro separados momentos durante os meses de maior incidência de luz. Depois que a ideia foi adotada na Alemanha, uma lei foi aprovada em 17 de maio de 1916. O esquema colocado em operação no sábado seguinte, ou seja, 21 de maio de 1916. Além de uma forte oposição, ocorreu muita confusão e prejuízo. A Royal Meteological Society insistia que o tempo de Greenwich deveria permanecer sendo usado na medida das marés. Nos parques pertencentes ao Office of Works e ao Conselho do Condado de Londres decidiu fechar ao anoitecer, o que significa que eles estariam abertos uma hora extra à tarde. Por outro lado, Kew Garden, ignorando o esquema de aproveitamento da luz do dia, decidiu fechar sem considerar a correção do relógio. 
Em Edimburgo, a confusão foi mais acentuada. Os tiros do canhão do castelo eram acionados às 13 horas, durante a hora de verão, enquanto a bola sobre o topo do monumento de Nelson, no Calton Hill, caía segundo a hora de Greenwich. Este ajuste foi benéfico aos homens do mar. Como o tempo fixado para mudar o relógio foi de duas horas, no sábado, esta medida provocou uma forte oposição do povo em geral e, em particular, dos agricultores que já aproveitavam a luz do dia pela manhã. Realmente, os agricultores não consideravam essa ideia muito boa, pois o avanço da hora obrigava-os a começar e terminar sua jornada de trabalho uma hora mais cedo em relação à hora solar. Em consequência, as plantas não podiam ser recolhidas mais cedo, considerando ainda que estivessem cobertas pelo orvalho. E as vacas não poderiam ser tratadas uma hora depois da hora solar a que elas estavam habituadas. Os caseiros deviam, portanto, iniciar sua jornada de trabalho uma hora mais cedo. 
 

Alemanha e Áustria - primeiros países a adotarem a hora de verão
A hora de verão foi utilizada pela primeira vez na noite de 30 de abril para 1º de maio de 1916, quando todos os relógios da Alemanha e da Áustria foram adiantados uma hora. Esperavam as autoridades desses dois países obter, com este avanço, uma economia de 100 milhões de marcos na Alemanha e 100 milhões na Áustria. Tal economia era tão importante que, segundo se afirmava, poderia decidir o resultado da Primeira Guerra Mundial. 
Durante a Primeira Guerra, num esforço para conservar o óleo para produzir energia elétrica, a Alemanha e a Austrália decidiram começar com a hora de verão às 23 horas do dia 30 de abril de 1916, avançando o relógio uma hora até o outubro seguinte. Esta ação de 1916 foi imediatamente seguida pelos outros países da Europa: Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Portugal, Suécia, e Turquia, assim como a Tasmânia, Nova Escócia e Manitoba. Os britânicos começaram três semanas mais tarde em 21 de maio de 1916. Em 1917, Austrália, Nova Zelândia e Nova Escócia aderiram à hora de verão. 

Hora de verão no Brasil
No Brasil, a hora de verão foi instituída pela primeira vez durante o governo provisório de Getulio Vargas nos períodos de 1931-32 e 1932-33. A partir de 1º de dezembro de 1949, o governo brasileiro voltou a adotar a hora de verão; entretanto, alertado pela sua condenação internacional em 24 de fevereiro de 1953, as nossas autoridades revogaram o seu uso.

 Congresso Internacional de Cronometria
A oposição dos franceses a esse projeto de avanço da hora legal, durante o período do ano em que os dias são longos, e por essa razão denominada impropriamente hora de verão, persistiu até o ano de 1949, quando o astrônomo francês René Baillaud (1885-1977), diretor do Observatório de Besançon, entre 26 e 29 de agosto, ao analisar a situação da Europa, no Congrès International de Chronométrie (Congresso Internacional de Cronometria), reunido em Genebra, criticando o ponto de vista da hora oficial adotada para usos civis, propôs que todos os países renunciassem definitivamente ao emprego da hora de verão e que só utilizassem a hora legal definida pelo fuso horário, que só fizessem uso daquele que pertencesse ao seu território. 
Tal resolução que condenou a hora de verão, apesar de aprovada pelo Congresso de Cronometria e ter sido proposta por um astrônomo francês, não foi aceita pelo governo francês, que continuou a adotar o sistema da hora de verão até hoje. 
Ao contrário da maioria europeia, os suíços – fiéis às determinações dos cronometristas –, inicialmente, recusaram-se a aceitar o horário de verão, aceitando-o finalmente para evitar que a Suíça permanecesse como uma ilha.  

Segunda Guerra Mundial.
Os benefícios da economia de energia foram reconhecidos durante a II Guerra Mundial, quando os relógios foram atrasados em duas horas durante o verão, o que deu origem ao Doublé summer time (Tempo duplo de verão). Em consequência, durante a guerra, os relógios permaneceram uma hora avançada em relação ao tempo de Greenwich durante do o inverno.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o presidente Roosevelt instituiu o dia do aproveitamento da luz solar denominado de War time (Tempo de guerra), de 2 de fevereiro de 1942 a 30 de setembro de 1945. De 1945 a 1966, nenhuma lei federal instituiu a hora de verão.
 
 Brasil volta à hora de verão.
Nos períodos de verão dos anos de 1963-64, 1965-66 e 1966-67, o Brasil voltou a adotar a hora de verão. Lamentavelmente, a hora de verão no Brasil tem sido, em geral, adotada num período errôneo. Com efeito, a hora legal deve ser avançada no Hemisfério Sul no período que vai do início de outubro aos fins de março, quando realmente os dias são ligeiramente mais longos. 
A hora de verão que tem produzido tanta discussão é, na realidade, uma simples medida de economia que não tem nenhuma influência na atividade científica, pois os astrônomos e meteorologistas irão continuar a registrar as suas observações pelas horas em uso em Tempo Universal. Por outro lado, deslocar os horários da vida civil das cidades será uma medida desnecessária se avançarmos os relógios em uma hora, conservando as mesmas horas para as nossas atividades. Aliás, os agricultores já regulam suas ocupações pelo nascer e ocaso do Sol.

 A hora de verão nos Estados Unidos e na União Europeia.
Nos EUA, o tempo de economia da luz do dia começa às 2 horas da madrugada, no primeiro sábado de abril, e o tempo retorna a hora legal no último domingo do mês de outubro. Nos EUA, todas as zonas de tempo ou fusos horárias acompanham adotam a mesma mudança de hora. 
Na União Europeia, a hora de verão começa à 1 hora da madrugada do Tempo Universal no último domingo de março e termina à 1 hora madrugada do Tempo Universal no último domingo de outubro. Na União Europeia todas as zonas de tempo ou fusos horários mudam no mesmo instante. 

As vantagens e desvantagens da hora de verão
A avaliação das vantagens e desvantagens do sistema de hora de verão deve considerar: o consumo de energia; a saúde pública; a agricultura, a proteção do meio ambiente, a segurança rodoviária, as indústrias do turismo e as diversões. 
Ao contrário do que ocorre no Brasil, o momento da mudança nos relógios na Europa, nos EUA e no Canadá é determinado para a 1 hora da madrugada e não a meia-noite. Evidentemente, o recuo ou o avanço dos relógios se faz ao se deitar, mas legalmente a sua ocorrência se dá à 1 hora da madrugada se o avanço ou o atraso for de uma hora, se o avanço ou o atraso for de duas horas a correção se fará legalmente às 2 horas da manhã. Qual é a razão deste procedimento? A razão é simples: ele visa evitar a confusão de dias (por exemplo, domingo à 00h01 se torna domingo à 01h01 no caso do avanço dos relógios e no caso contrário, domingo à 00h01 se torna sábado 23h01). Em consequência, as datas de nascimento se tornam confusas. 
Outro problema sério é o término dos seguros, causando confusão por ocasião da reposição dos danos ou prejuízos.
Se por um lado a mudança de madrugada incomoda menos as pessoas, por outro lado ela atinge economicamente um grupo de pessoas que trabalham durante a noite. Ao adiantar o relógio, o operário noturno vai trabalhar uma hora menos; ao contrário, ao atrasar o relógio ele ira trabalhar uma hora a mais em sua jornada de trabalho noturno. Se for um mesmo trabalhador, as horas serão compensadas, mas no caso de serem diferentes um vai levar vantagem e o outro não. 
 

O sistema atualmente em vigor provoca dois grandes principais inconvenientes:
1. Cronorruptura (isto é, o fluir do tempo é perturbado duas vezes por ano)
Provoca as perturbações no sono, no apetite, na capacidade de trabalho, no humor, especialmente na primavera;
Afeta, sobretudo as pessoas idosas, doentes e crianças. Mesmo que o período de transição durasse somente cerca de três semanas, não se deve desprezar esses efeitos;
Na França, numa pesquisa realizada pelo Senado, 19% dos médicos constataram um aumento sensível no consumo de medicamento e de tranquilizantes; no entanto nenhum estudo científico foi capaz de comprová-lo;
Obrigação de regular a hora em numerosos equipamentos de informática, eletrônicos, eletrodomésticos, audiovisuais, sistemas de alarme,  etc;
Problemas de adaptação observados nos hospitais, nas escolas, e nas casas de repousos das pessoas idosas. 

2. Alguns dos efeitos da decalagem de uma hora sobre a hora solar:
Uma hora de atraso do pôr do Sol causa uma persistência da claridade e do calor;
A jornada de trabalho inicia e termina mais cedo nos setores de construção, e as pausas ou intervalos para as refeições ocorrem no período de calor mais intenso – o retorno ao trabalho às 13 horas corresponde meio-dia solar;
No domínio agrícola as reclamações são mais intensas, pois o avanço no horário de verão impede o início dos trabalhos agrícolas mais cedo pela manhã, quando o Sol é muito mais fraco, em consequência o trabalho é efetuado no momento mais quente do dia e se prolonga até o pôr do Sol;
Sobre o ponto de vista ambiental, o auge da circulação coincide com as horas mais quentes aumentando as concentrações de ozônio e oxidação. 
Os acidentes de circulação, evitados ao anoitecer graças às horas suplementares de claridade, serão compensados por aqueles que ocorrerão durante a obscuridade matinal e para os países frios pela presença do gelo nas estradas (verglas);
As atividades culturais ocorridas nos interiores dos prédios (cinema, biblioteca, teatro etc) sofrem uma baixa de frequência. Realmente, embora o avanço da hora permita a prática de diversões durante mais tempo ao anoitecer ao ar livre, por outro lado ela provoca uma menor frequência às diversões que ocorrem em recintos fechados;
As atividades turísticas ao ar livre aproveitam a vantagem de claridade suplementar, enquanto outras são prejudicadas como, por exemplo, os fogos de artifícios, os espetáculos de som e luz, etc. Por outro lado, os restaurantes deverão gerenciar o seu pessoal de modo a assegurar o atendimento de uma clientela mais tardia. 

Os inconvenientes
O sistema atualmente aplicado no Brasil comporta dois principais inconvenientes:
Em primeiro lugar, o país foi subdividido em duas partes, uma adotando e a outra não, o que provoca uma total perturbação em todo o sistema econômico do país. Implica uma ruptura cronométrica, ou seja, o fluir do tempo é perturbado duas vezes por ano.
Em segundo lugar, a posição geográfica particular do nosso país, situado próximo ao equador, não permite que os estados do Norte e do Nordeste adotem a hora de verão.
O Brasil é o único país situado na região tropical que adota a hora de verão. No Brasil, a economia de energia elétrica realmente só corre no estado do Rio Grande do Sul. Nos outros estados, a economia que se faz ao anoitecer, entre 18 e 21 horas, com o prolongamento da luz do dia, não compensa o que é gasto na parte da manhã — pois ao acordarem ainda está escuro – e uma grande maioria de pessoas é obrigada a acender a luz e fazer a sua toalete antes do nascer do Sol, o que os leva a usar o chuveiro elétrico. Em lugar do horário de verão, a substituição do chuveiro elétrico pelo aquecimento solar térmico traria uma maior economia de energia. 
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* Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, autor de mais de 95 livros, escreveu o Dicionário enciclopédico de astronomia e astronáutico. - www.ronaldomourao.com
Fonte:  http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2012/10/22/hora-de-verao/
Imagem da Internet

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