terça-feira, 23 de outubro de 2012

Como a teoria econômica deixou de ser uma "ciência sombria" .

 Regis Filho/Valor
 Sylvia Nasar põe em evidência o fato de
que Marshall revelou como a 
produtividade leva a aumentos de salário

Sylvia Nasar propõe que a história da teoria econômica seja entendida como uma epopeia: durante 150 anos, grandes pensadores desenvolveram ferramentas para ajudar a humanidade a melhorar suas condições materiais de vida. Daí o título de seu livro: "Grand Pursuit" (grande busca).
Autora de "Uma Mente Brilhante", biografia do matemático John Nash que foi transformada em filme, Nasar se dedicou a contar como a economia deixou de ser a "ciência sombria", como designou o historiador inglês Thomas Carlyle no século XIX, e se tornou um poderoso instrumento de análise para promover o crescimento e evitar crises.
A jornalista e professora de negócios da Universidade Columbia identifica na figura de Alfred Marshall o ponto de inflexão, com a descoberta de que a produtividade é central na determinação dos salários. Até então, inspirados por Adam Smith e Thomas Malthus, os economistas viam apenas a população como determinante para os salários e "estavam do lado errado de todos os debates".

Valor: A senhora conta a história de dez economistas ao longo de um século e meio. Como chegou a esses nomes especificamente?
Sylvia Nasar: Durante a pesquisa, percebi que deveria mostrar Alfred Marshall como o primeiro moderno. Karl Marx, por exemplo, entrou no livro para preparar o caminho de Marshall. Ele enxergou que a economia estava evoluindo, como Marx tinha enxergado. Marshall e Marx foram influenciados por Darwin, mas Marshall foi o primeiro moderno porque rompeu com a noção tradicional, que vinha de Adam Smith, David Ricardo, Thomas Malthus e John Stuart Mill, de que a nação pode enriquecer, mas os mais pobres não podem ir além do nível de subsistência. Marshall foi o primeiro a ver que, no coração da nova sociedade comercial, havia um mecanismo engenhoso que criava ganhos de produtividade e garantia que fossem compartilhados pelo aumento do salário real. Até então, economistas estavam do lado errado de tudo, considerando-se o movimento da sociedade inglesa para tornar-se mais democrática.

Valor: E os outros? Keynes, Fisher, Hayek, Schumpeter, Friedman, Beatrice Webb, Amartya Sen...
Nasar: A questão para mim passou a ser: quem são as outras figuras que fizeram avançar essa ideia? Foram esses. Não procurei escrever a história do pensamento econômico. Tentei contar uma história que mostrasse o que há na economia que é diretamente importante para as pessoas.

Valor: Este livro foi uma empreitada de dez anos. Quais foram as dificuldades, em comparação com "Uma Mente Brilhante"?
Nasar: Até mesmo escrever a proposta para a editora foi difícil. Quando comecei, sabia que deveria dar uma forma narrativa, em vez de dez biografias individuais. Ninguém quer ler algo assim, seria como um manual. A ideia era mostrar que esses economistas estavam reagindo ao mundo em volta. O desafio foi encontrar um jeito de fazer disso uma história que avançasse.

Valor: Foi assim que a senhora chegou à noção da "grande busca"?
Nasar: Eu precisava de um título que descrevesse o que essas pessoas faziam. O que as aproxima, apesar de terem vivido ao longo de 150 anos, é a busca. Muitas estruturas narrativas derivam de obras clássicas, como a mitologia e o folclore. Em "Uma Mente Brilhante", era fácil: o tema clássico de queda e redenção. O tema da economia que cria uma ferramenta para que a humanidade mude suas condições materiais se cristalizou quando eu já tinha grande parte do esboço pronto.

Valor: Como autora da biografia de John Nash, um dos principais nomes da teoria dos jogos, o que pode dizer sobre o prêmio Nobel para Lloyd Shapley e Alvin Roth?
Nasar: Foi Shapley quem produziu a expressão "mente brilhante" para se referir a Nash. Perguntei-lhe como era Nash quando chegou a Princeton e ele respondeu que era desagradável e imaturo; o que o redimiu foi sua "mente brilhante, lógica, bela e sagaz". Pensei: "É isso!". Shapley é um dos fundadores da teoria dos jogos e vinha sendo deixado de lado pela academia sueca. Roth, muito mais jovem, é um dos líderes da economia experimental. No começo, a academia achava que a teoria dos jogos fosse só matemática, com pouco conteúdo econômico e possibilidade de aplicação. Não teve impacto na economia até os anos 1970, e mesmo assim só de forma teórica.

Valor: Diz-se que a economia é a única ciência em que se pode ganhar prêmios Nobel defendendo teses opostas. Quanta verdade há nisso?
Nasar: Certamente foi verdade quando Hayek e Gunnar Myrdal foram forçados a dividir o prêmio. Mas não acho que seja fundamentalmente verdade. Os economistas têm mais em comum entre si do que com seus discípulos. Muitos estudiosos de Hayek não sabem, mas ele foi favorável a Bretton Woods e deu apoio ao Estado-providência europeu. Nos anos 1940, quando ainda pensava em macroeconomia, concordou em que evitar desemprego era uma função do governo. Ele pensava que intervir para estabilizar a economia não era tão oposto assim à noção liberal, oitocentista, do Estado.

Valor: E quanto a Friedman?
Nasar: Friedman, sempre apresentado como adversário dos keynesianos, era francamente favorável ao New Deal. Keynes era monetarista até 1936. Só mudou para a política fiscal por causa das limitações, basicamente políticas, impostas ao Banco Central.

Valor: Esta crise está sendo apresentada como oposição entre os legados de Keynes e Hayek.
Nasar: Isso me surpreende. Quando eles debateram, Hayek perdeu. Havia um experimento natural acontecendo: a Grande Depressão. Os países que seguiram Keynes e rejeitaram Hayek, largando o padrão-ouro, não tiveram depressão, só uma recessão muito forte. Hayek não tinha nada a dizer sobre a depressão. O conservador que tinha o que dizer era Friedman. É sintomático que os conservadores não o citem mais.

Valor: Friedman foi deixado de lado pelos conservadores?
Nasar: Ele jamais endossaria as posições dos conservadores atuais: "deixe os bancos quebrarem". Friedman achava a macroeconomia de Hayek patética, embora ambos fossem libertários.

Valor: Para encerrar seu livro com um personagem contemporâneo, a senhora escolheu Amartya Sen. O que motivou a escolha?
Nasar: Sobretudo, a ideia de que a humanidade pode, com a economia, melhorar suas condições de vida. Essa ideia, nascida na Inglaterra em um ponto particular da história, se espalhou pelo mundo. Procurei alguém que tivesse nascido... na Índia! Mas poderia ter sido o Peru. Por que não?

"A Imaginação Econômica - Gênios que Criaram a Economia Moderna e Mudaram a História"

Sylvia Nasar. Tradução: 
Carlos Eugenio Marcondes de Moura. 
Editora: Companhia das Letras. 584 págs., R$ 54,50

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