quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A santidade do aprendizado

Moza Bint Nasser*

Em Tal Rifat, nas cercanias da cidade síria de Alepo, as crianças não têm escola para frequentar. O edifício, atingido duas vezes por ataques aéreos nas últimas semanas, está completamente arruinado. Os alunos de Azaz, outra cidade próxima, não estão em melhor situação: há uma base militar onde costumava ficar a escola. Fora dos limites do país de mais de 23 milhões de pessoas, nos acampamentos superlotados da Jordânia (outro país do Oriente Médio) as crianças refugiadas turcas ou libanesas têm sorte se conseguirem encontrar um professor para continuarem a ter aulas.

A educação está sendo atacada, e não só na Síria, mas em várias regiões do mundo. Do Afeganistão à Costa do Marfim, de Gaza ao Sudão do Sul, a história é a mesma. Há 28 milhões de crianças vivendo em zonas de conflito sem receber nenhuma educação e o número de ataques contra os estabelecimentos de ensino está aumentando. Apesar da proibição explícita por parte das leis internacionais, a santidade do aprendizado é violada diariamente das maneiras mais absurdas possíveis. A guerra civil deixa inúmeras crianças fora da escola. Há alguns motivos para isso. Um é que unidades estão ocupadas por refugiados. Outro é que muitos pais têm medo da violência.

Felizmente, a comunidade global está começando a notar esse problema pernicioso e, nas próximas semanas e nos próximos meses, uma série de iniciativas importantes vai falar sobre isso.

Primeiramente, precisamos amplificar as vozes das vítimas e deter a corrupção moral com a perspectiva real de punição. O Education Above All, um grupo do qual tenho a honra de ser presidente, publicou um item importante esta semana: Protecting Education in Insecurity and Armed Conflict (Como proteger a educação em tempos de insegurança e conflitos armados), um manual que reúne as leis internacionais existentes sobre a proteção da educação em zonas de conflito. Pela primeira vez os investigadores, advogados e juízes têm um livro em que basear o comportamento dos violadores da educação. É um novo e poderoso instrumento de justiça.

E enquanto os líderes mundiais se reúnem para a Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, eu me juntarei ao secretário-geral Ban Ki-moon e outras pessoas para lançar uma grande campanha que lidará com o fato vergonhoso de que 61 milhões de crianças no mundo inteiro não podem ir à escola.

Por maiores que sejam os desafios, é possível, até mesmo nas piores circunstâncias de pobreza e conflito, oferecer às crianças uma educação significativa. Durante o meu trabalho como enviada especial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e por meio dos meus projetos no Iraque, em Gaza, na Indonésia e em outros lugares, tive o privilégio de testemunhar a eficácia de intervenções relativamente simples, mas inovadoras.

Meus mandatos na Unesco e na ONU são globais e existem crianças que precisam desesperadamente da nossa proteção em todas as regiões, mas há lições importantes a serem aprendidas com a minha região natal no Oriente Médio, onde pudemos presenciar avanços importantes. As matrículas no ensino fundamental aumentaram em mais de 10% na última década, as diferenças entre os sexos diminuiu e mais crianças estão passando do ensino fundamental para o médio. Apesar disso, mais de 6 milhões de crianças ainda não vão à escola e mais de um quarto dos adultos são analfabetos. Com dois terços da população árabe com menos de 25 anos de idade (o chamado youth bulge, ou "explosão juvenil"), a maneira como os jovens enfrentarão os anos que estão por vir determinará, em grande parte, o futuro da nossa região e das nossas perspectivas comuns de paz e segurança globais.

O Iraque é um exemplo. Ele já foi um país líder em educação no mundo árabe, mas sofreu muito como resultado das três décadas de conflito. Enquanto na década de 1980 as taxas de alfabetização eram altas, hoje quase um quarto dos iraquianos é analfabeto e a taxa é ainda maior em algumas áreas rurais e entre as mulheres. Ao ver o trabalho que lá está sendo feito para incentivar a educação formal e informal, treinar professores e promover a alfabetização, fiquei convencida de que a educação é a chave para ajudar o berço da civilização a curar suas feridas e se reerguer.

Temos muito a ganhar. Sabemos que uma criança que nasce de uma mãe que sabe ler tem 50% mais chances de viver além dos 5 anos de idade. Nos países em desenvolvimento, cada ano extra de ensino fundamental pode acrescentar, no mínimo, 10% aos ganhos futuros da criança. Essa pode ser a saída do círculo vicioso e a entrada para o virtuoso. Os adultos com um grau de segurança financeira têm muito mais chances de investir na educação dos filhos.
É por isso que, apesar da quantidade e da escala dos desafios que enfrentamentos, nunca me senti tão empolgada e cheia de esperança pelas crianças esquecidas quanto me sinto hoje. O Qatar vai fazer a sua parte. Em novembro a comunidade global de educação se reunirá em Doha para o World Innovation Summit for Education (Wise) anual, que terá como tema Transformando a Educação. Um dos prêmios Wise 2012 será destinado a reconhecer o projeto que forneceu melhor financiamento inovador para a educação primária. Isso reflete o meu apoio aos Objetivos do Milênio traçados pela ONU, que inclui, entre outras metas, ter um ensino básico universal.

Este ano convidarei outras pessoas para se juntarem a mim numa nova iniciativa que oferecerá educação de qualidade e resultados verdadeiramente mensuráveis em benefício das crianças ao redor do mundo.

A educação é uma bênção. Ela nos dá oportunidades, influência e uma obrigação moral clara de usar esses dons para proteger esse direito para outras pessoas.
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* É A ENVIADA ESPECIAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA E SUPERIOR DA UNESCO
Fonte: Estadão on line, 31/12/2012
Imagem da Internet

Páginas de amor e ódio

Leonard Cohen se apresenta em Madri durante a turnê do disco "Old Ideas", no começo de outubro





Leonard Cohen se apresenta em Madri durante a turnê do disco 'Old Ideas', no começo de outubro

Jornalista britânica escreve biografia monumental do cantor e poeta Leonard Cohen, que ressurgiu em 2005 após aposentadoria e vive hoje o auge de sua carreira, coroada com turnê bem-sucedida e disco




É uma das grandes histórias de ressurreição da música pop: em 2005, Leonard Cohen, então com 71 anos, estava aposentado da música e vivendo num mosteiro budista na Califórnia, onde planejava ficar até o fim da vida.

Foi quando descobriu que sua agente lhe havia passado a perna e roubado todas as suas economias. Cohen precisou voltar à estrada. 

Sete anos depois, o poeta, cantor e compositor canadense vive o auge da fama: está no meio de sua turnê mais bem-sucedida, tocando para os maiores públicos de sua carreira. Nesse período, lançou um CD/DVD ao vivo, um disco de músicas inéditas ("Old Ideas") e planeja outro disco para 2013. 

Para coroar essa volta de Cohen, a jornalista britânica Sylvie Simmons acaba de lançar "I'm Your Man - The Life of Leonard Cohen", monumental biografia sobre um dos personagens mais fascinantes da música pop. Não há previsão de lançamento do livro no Brasil. 

Simmons, colaboradora da revista inglesa "Mojo", é uma autora obcecada pelos "malditos" da música, tendo escrito livros sobre Johnny Cash, Neil Young, Tom Waits e Serge Gainsbourg (deste último, "Um Punhado de Gitanes", lançado no Brasil pela editora Barracuda). 

Em 1972, ainda adolescente, Simmons viu seu primeiro show de Cohen. "Eu era muito jovem e não consegui entender completamente o que estava ouvindo, mas já sentia que ali havia algo de especial", disse a autora à Folha, por telefone, de sua casa na Califórnia.
Para contar a história de Leonard Cohen, ela entrevistou 110 pessoas. O próprio Cohen colaborou, embora de forma discreta. 

"Não é uma biografia autorizada", disse Simmons. "Leonard não sugeriu nada e não pediu que nada fosse omitido. Ele me concedeu duas entrevistas, já no fim de minha pesquisa. E usei também material de uma entrevista de três dias que eu havia feito com ele para a 'Mojo.'" 

Simmons diz, no entanto, que entrevistar Leonard Cohen, por vezes, até atrapalhou a pesquisa. 

"Leonard é um homem privado e um tanto misterioso, um mestre em dizer só aquilo que quer e esconder o resto. É preciso lembrar que ele tem 78 anos e não tem uma memória infalível. Várias vezes, ele me contou algo e eu o corrigi. Ele só dizia: 'Sylvie, você sabe mais sobre mim do que eu mesmo'." 
 
JORNADA
 
A autora falou com amigos de infância, colegas de escola, colaboradores, fãs e várias das amantes de Cohen para traçar um perfil do artista que sonhava em ser escritor e que caiu na música tardiamente. 

A perda do pai aos nove anos de idade, a rebeldia juvenil, o gosto pela literatura e pelo estilo de vida "beatnik", seu autoexílio na ilha grega de Hydra, a visita a Cuba logo após a revolução, a vida no antro "junkie" que era o Chelsea Hotel, as inúmeras conquistas amorosas que lhe valeram a fama de galanteador, tudo está relatado em detalhes. 

"Claro que o aspecto sedutor de Leonard é uma parte importante de sua vida, mas eu não quis fazer um livro que apenas listasse suas conquistas amorosas. Estava mais interessada em saber o que as mulheres de sua vida tinham a dizer dele. E elas foram muito elogiosas", diz Simmons. 

O livro narra o romance com Joni Mitchell, cantora que, segundo a autora, foi muito influenciada pelo estilo de composição de Cohen. 

Outra revelação do livro é o interesse de Cohen pela cientologia, um capítulo até então pouco falado na longa busca do artista pela paz interior. 

Afinal, ele nasceu judeu, tornou-se obcecado pelo imaginário católico e escreveu diversas músicas sobre ele, pesquisou hinduísmo e virou monge budista. 

"Leonard sempre foi um explorador", diz Simmons. "Ele sempre buscou conhecer coisas novas, novos caminhos, e sua música reflete essa busca incessante. Acho que isso explica, pelo menos em parte, o fervor que as pessoas sentem por sua obra." 

I'M YOUR MAN - THE LIFE OF LEONARD COHEN
AUTORA
Sylvie Simmons
EDITORA
Ecco
QUANTO
US$ 16,50 (cerca de R$ 34, no site amazon.com
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Fonte: Folha on line, 31/10/2012
Reportagem por   ANDRÉ BARCINSKI CRÍTICO DA FOLHA
Crédito de J.J. Guillén - 5.out.12/Efe




























Poesia e cerveja

 Martha Medeiros*
 
Inspirada pelos ares que sopram da Praça da Alfândega, lembrei de um e-mail que recebi. Um rapaz contou que estava num churrasco com amigos quando acabou a cerveja. Foi escalado para ir ao supermercado buscar mais. Meia hora depois, retornou sem nenhuma latinha, mas com um livro de poemas meu. “Fui quase linchado.” Pô, trocar cerveja por poesia, até eu lhe daria uns beliscões.

Mas não posso negar que fiquei toda boba por meus versos terem seduzido um garoto de 20 anos em plena sexta à noite num corredor do Zaffari. Na verdade, não sei se ele tinha 20 anos, se era uma sexta e se foi no Zaffari, mas não resisti em formatar aqui um cenário mais completo. A cena é boa demais para ficar sem detalhes.

Aproveitando a Feira, uma dica: abrace os poetas. A começar pelo nosso patrono, Luiz Coronel, e mais Ferreira Gullar, Alice Ruiz, Antonio Cícero, Fabrício Carpinejar, Adélia Prado, Armindo Trevisan, Celso Gutfreind, Elisa Lucinda, Affonso Romano de Sant’Ana, Thiago de Mello, Viviane Mosé, todos em atividade. Não, Stella Artois não é uma poeta. Querendo prestigiar um talento novo, anote: Gatos Bravos Morrem pelo Chute, do gaúcho Tiago Ferrari.

Afora a poesia, selecionei 11 títulos entre os muitos que li este ano, entre romances, crônicas e ensaios:

Por Favor, Cuide da Mamãe, de Kyung-Sook Chin. Os segredos e sentimentos de uma família sul-coreana, numa história universal e belamente escrita.

O Caderno de Maya, de Isabel Allende. A autora escreveu uma história contemporânea e impressionante, inspirada na barra-pesada vivida por seus enteados.

Sunset Park, de Paul Auster. Após um acidente familiar ocorrido na adolescência, um garoto procura colar seus cacos junto a outros desgarrados que moram em uma casa abandonada. Excelente.

A Borra do Café, de Mario Benedetti. Relançamento de uma de suas obras mais tocantes. O autor uruguaio mescla memória e invenção ao narrar sua infância em Montevidéu.

Resposta Certa, de David Nicholls. Diálogos ótimos, do mesmo autor de Um Dia. O título poderia ser Diversão Certa.

Tempo é Dinheiro, de Lionel Shriver. Suicídio, câncer terminal, mortalidade, humor negro. Só mesmo a autora de Precisamos Falar sobre Kevin para transitar sobre esses assuntos sem nenhuma condescendência e arrebatar o leitor.

A Vida Gritando nos Cantos, de Caio Fernando Abreu. Crônicas publicadas no jornal O Estado de S. Paulo entre 1986 e 1996. O mesmo texto charmoso e provocativo que deixa saudade até hoje.

A Queda, de Diogo Mainardi. Impossível ficar indiferente. A secura convivendo com a docilidade de uma forma única e emocionante.

Como Ficar Sozinho, de Jonathan Franzen. Do mesmo autor do aclamado Liberdade. Ensaios sobre a solidão, a nicotina, a literatura, a invasão de privacidade e outros temas que ganham uma nova perspectiva sob o olhar astuto desse mestre da prosa.

Alta Ajuda, de Francisco Bosco. Ensaios de um jovem filósofo que tem o talento no DNA. Filho do músico João Bosco, é articulista do jornal O Globo, no qual escreve sobre cinema, futebol, amizade, sexo, política.

Pequenos Contos para Começar o Dia, de Leonardo Sakamoto. Breve e belo, até parece livro de poesia – olha ela, de novo. Uma palhinha: “Os professores de matemática dizem que a menor distância entre dois pontos é uma reta. Menos pro meu avô: ‘Besteira! A menor distância é aquela em que a gente se diverte mais’”.
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* Escritora. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 31/10/2012
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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Bar põe 'Jesus e Maria' na cama em propaganda

O bar Chapel, em Auckland (Nova Zelândia), resolveu provocar na comemoração dos seus sete anos de vida noturna. A propaganda, assinada pela agência Ogilvy New Zealand, mostra o que seriam "Jesus" e "Maria" na cama, depois de uma suposta noite de prazer.

Esta não é a primeira vez que o Chapel usa imagens sagradas. Em outras campanhas polêmica, o restaurante pintou em copos as imagens de Jesus e Maria com pizzas como se fossem halos sobre a cabeça e já imprimiu o cardápio como se fosse uma escritura sagrada.

E tem dado certo. O Chapel vem arregimentando muitos clientes e gozando de fama em Auckland.
Blasfêmia ou achou a ideia interessante?
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Fonte:  
http://oglobo.globo.com/blogs/pagenotfound/posts/2012/10/29/bar-poe-jesus-maria-na-cama-em-propaganda-472594.asp

O tamanho não conta

João Pereira Coutinho*
 
A democracia estaria melhor servida com dois grandes partidos -um de esquerda, outro de direita 

Sérgio Dávila escreveu nesta Folha a favor da polarização em política. Será que o sistema brasileiro, com seus 30 partidos, é mais desejável do que o sistema bipartidário norte-americano, onde republicanos e democratas se alternam no poder? Dávila pensa que não -e pensa muito bem.

Há anos que, em Portugal, travo a mesma batalha: a democracia lusa estaria melhor servida se existissem dois grandes partidos -um de esquerda, outro de direita- capazes de deterem maiorias sólidas e de serem solidamente responsabilizados por seus atos.

Não é uma batalha fácil: sempre que alguém levanta a bandeira do bipartidarismo, chovem acusações de fechamento democrático e de horror ao pluralismo. Em minha defesa, só posso invocar o nome de um dos maiores apologistas da "sociedade aberta": o filósofo Karl Popper.

Em 1987, Popper, então com 85 anos, esteve em Lisboa para uma notável conferência sobre a sua vida e, em especial, a sua teoria da democracia.

Sobre a vida, os fatos são conhecidos: nascido em Viena em 1902, Popper atravessou a Primeira Guerra Mundial; encantou-se com o comunismo; desencantou-se logo a seguir; assistiu, horrorizado, à ascensão do nazismo; e construiu uma impressionante obra filosófica no exílio.

Mas nesse encontro em Lisboa, o velho filósofo concentrou-se sobretudo na sua teoria da democracia. Para Popper, a democracia é um problema eminentemente prático e técnico. Ela procura saber como remover os maus governantes sem derramamento de sangue.

Naturalmente que cabe ao povo, pela força do voto, essa punição exemplar. Mas Popper sublinhava que essa punição só é verdadeiramente exemplar -um "dia do juízo final", dizia ele- em sistemas tendencialmente bipartidários.

A afirmação pode soar bizarra: o aumento do número de partidos deveria significar mais escolha, mais ideias em circulação, melhor distribuição de poder e influência.

Um erro, avisava Popper. Para começar, a existência de muitos partidos traz dificuldades acrescidas à formação de governos coesos -para não falar do funcionamento e da duração desses governos.

Em Portugal, esse aviso é uma evidência empírica: desde a instauração da democracia, há mais de 35 anos, o país teve oito governos de coalização. Nenhum deles -repito: nem um- chegou ao fim do seu mandato. Só governos de um único partido o conseguiram.

Aliás, o atual governo de coalização ilustra o ponto: eleito há pouco mais de um ano, as fissuras são já gritantes. Poucos creem na sua sobrevivência a curto prazo.

Mas há mais: sistemas pluripartidários tendem a conceder aos pequenos partidos um poder que pode revelar-se, ironicamente, antidemocrático. Se a democracia significa a escolha da maioria, não cabe a uma minoria determinar a vontade livremente expressa das maiorias.

Os pequenos partidos, explicava Popper, acabam por adquirir um poder desproporcionado na formação de governos e no processo decisório desses governos.

Finalmente, o argumento de peso: enganam-se os que pensam que sistemas bipartidários têm menor flexibilidade ideológica. Os dois grandes partidos americanos, por exemplo, apresentam uma capacidade de reforma e autocrítica internas sem paralelo com qualquer outro sistema pluripartidário.

Essa capacidade -mais: esse imperativo de reforma e autocrítica- está diretamente ligada com a dimensão e o significado das derrotas eleitorais.

Nos Estados Unidos, quem perde, perde a sério. A derrota não é apenas um prejuízo facilmente dissolúvel em dezenas de pequenos partidos. É uma derrota clara que exige uma resposta clara de explicação para essa derrota; e de busca de novas ideias para regressar ao poder.

Como dizia Popper, nas democracias bipartidárias os partidos vivem "em alerta permanente". O que significa uma atenção redobrada (e permanente) às necessidades reais do país e, claro, ao comportamento do partido rival na forma como governa e nas decisões que toma enquanto está no poder.

Bipartidarismo é maturidade, escrevia Dávila. Acrescento: maturidade e qualidade. Quem disse que o tamanho não conta estava só a pensar na quantidade das siglas partidárias.
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* Jornalista português. Colunista da Folha
jpcoutinho@folha.com.br
Fonte: Folha on line, 30/10/2012
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Tiro os outros

Francisco Daudt*
 
É da natureza humana tirar os outros por si; todos os deuses, por exemplo, tiveram formas humanas 

"Você vai deixar os arrozinhos e feijõezinhos aí no prato, separados dos irmãos deles que já estão na sua barriga?", disse a minha babá. Chantageado pela culpa, raspei o prato. Naquela época os adultos faziam seu prato e você era obrigado a limpá-lo. Será que isto tem alguma relação com meu combate à obesidade pelo resto da vida? O que sei é que nenhuma dúvida tive sobre a antropomorfização da comida. (Sinto pelo nome, mas significa atribuir humanidade a coisas e animais). Eu tirava o arroz e feijão por mim. Se fosse separado de meus seis irmãos, ficaria muito triste, logo...

Achamos perfeitamente natural que os personagens da Disney ajam como humanos. Nunca nos ocorre que Mickey é um rato, Pateta um cachorro, Clarabela uma vaca, Horácio um jumento, Donald um pato (vocês já viram o Donald nu? Ele só usa um colete, mas quando o tira para o banho, cobre com as "mãos" as partes baixas por pudor!). O próprio Pluto, apesar de ser o mais bicho de todos, exibe uma bela dentadura humana, sem um único "canino".

É da natureza humana tirar os outros por si. Pense nos vários E. T. São homenzinhos levemente diferentes sempre. Os psicólogos evolucionistas sugerem que nossa consciência nasceu com este tosco ato de reflexão: "Ele está fazendo aquela cara que eu faço quando quero trapacear alguém, logo, deve ser um trapaceiro". Não pense que nossos ancestrais formulavam com tal complexidade, senão estaríamos tirando eles por nós. Era, a princípio, apenas uma sensação. Foi a aquisição da palavra que produziu o pensamento complexo.

Mas continuamos a tirar os outros por nós. Rigorosamente todos os deuses inventados pelo homem tiveram formas humanas, inclusive Iavé (o deus-pai judaico-cristão), de barbas brancas, sentado na nuvem.

Mas é no terreno da compreensão do outro que a coisa pega. "Honi soit qui mal y pense" (amaldiçoado seja quem pensar mal disto), disse o rei inglês Eduardo 3º nos anos 1300, sugerindo que a maldade estava na cabeça de quem julgava seu gesto cavalheiro de pegar a liga que caíra da perna da moça no baile. Aliás, falando na riqueza que a palavra traz ao pensamento, que sorte deram os ingleses pela invasão normanda. O anglo-saxão que falavam era tosco. O latim dos franceses abriu-lhes as mentes para sempre. Por isto as armas britânicas trazem duas frases em francês. "Dieu et mon droit" é a outra.

Sim, a maldade pode estar na cabeça de quem julga. O problema é que a bondade também. O Tufão não era burro, só era muito bom, incapaz de conceber que alguém pudesse ser tão mau. Precisou de muitos dados para se convencer que não podia tirar sua mulher por ele.

É, os outros podem ser diferentes de nós! Anos de prática psicanalítica me ensinaram isto. Sempre aparece o velho cacoete natural, só que hoje ele conversa com o aprendizado.

Este é meu ponto: quem for rápido no julgamento deixará de contemplar a imensa complexidade humana, tirará o outro por si, será rasteiro. Por isto um tribunal ouve a defesa do mais escancarado malfeitor, como temos assistido. 
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* Colunista da Folha.
Fonte: Folha on line, 30/10/2012
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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Santa Ciência

João Pereira Coutinho*

 

E o anedótico aconteceu: sete cientistas italianos foram condenados a seis anos de prisão. Motivo? Foram incapazes de prever o terremoto de Áquila, em 2009, que matou mais de 300 pessoas. "Homicídio culposo", decretou o tribunal: antes do terremoto propriamente dito, vários tremores de baixa intensidade tinham assolado a região. Os cientistas deveriam ter feito "mais".

O quê, por exemplo? Ninguém sabe. Nem sequer a ciência: vários geólogos foram consultados durante e depois da sentença. O pasmo e a indignação eram gerais: não é possível, cientificamente falando, prever com rigor um terremoto. Como é possível a um tribunal de um estado democrático condenar a ciência por ser incapaz de fazer o impossível?

Boa pergunta. Infelizmente, ela ignora o espírito do nosso tempo: um tempo que não aceita a inevitabilidade de qualquer desastre natural; um tempo que procura sempre falhas humanas, demasiado humanas, para explicar o imponderável.

De certa forma, continuamos em pleno século 18, repetindo velhos argumentos com roupagens novas. Em 1755, por exemplo, Lisboa foi devastada pelo Grande Terremoto. A hecatombe representou o início de uma discussão filosófica que percorreu a Europa religiosa e letrada.

Para os religiosos, o terremoto era um castigo divino destinado a punir a licenciosidade dos homens. O italiano Gabriel Malagrida (1689 - 1761) foi um dos rostos mais fervorosos desse fervor: o sismo tinha sido um castigo, sim, mas era apenas um primeiro aviso. Os homens que se preparassem para o verdadeiro Juízo Final - e que se arrependessem dos seus pecados entretanto.

Para as inteligências seculares, com Voltaire à cabeça, o terremoto era o oposto: a prova acabada de que Deus não existia. Ou, se existia, não passava de um demiurgo cruel, entretido a esmagar as suas criaturas.

No debate sobre o Grande Terremoto de Lisboa, cada um aproveitou a desgraça para cavalgar os seus próprios preconceitos ideológicos. O que poucos fizeram foi aceitar o básico: que Lisboa tremera; que o mar engolira a cidade; e que os incêndios destruiram tudo o resto.

Passaram 250 anos. Mas o progresso material do Ocidente não eliminou da nossa cabeça hominídea a necessidade de encontrar uma causa que tudo explique e justifique. E se Deus é um luxo a que não nos podemos permitir, como dizia um personagem célebre de Woody Allen, alguém tem que ocupar o Seu lugar. E esse alguém somos nós, homens, herdeiros da técnica e fazedores de ciência. Nós somos os responsáveis pela destruição do planeta. Nós temos a obrigação de o salvar.

E se por acaso um cataclismo natural emerge sem aviso, nós somos responsáveis pela falta de aviso. As religiões tradicionais podem ter recuado como princípio e fim das explicações mundanas. Mas esse trono não ficou vazio. A Santa Ciência (com maiúscula) ocupou o seu lugar.

Hoje, sete geólogos são condenados por não terem evitado o inevitável e por não terem previsto o imprevisível. Amanhã, não será de admirar que os tribunais comecem a condenar os médicos por não terem abolido a morte dos pacientes; ou então os astrofísicos por não terem abolido os meteoritos gigantes e potencialmente fatais.

O ideal, aliás, era condenar já, por antecipação e precaução, a Humanidade inteira. Assim, quando um desses meteoritos aqui chegar, os tribunais não serão culpados por não terem encontrado a tempo alguém para culpar.
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* João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política.
Fonte: Folha on line, 29/10/2012
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'Só gosto de anunciar coisas que as pessoas possam devolver se não gostarem'

 'Não se cria boa publicidade com muita gente dando palpite' - Luciana Prezia/Divulgação

Não se cria boa publicidade com muita gente dando palpite'

A convite da coluna Direto da Fonte - Sonia Racy, publicitário Washington Olivetto, da WMcCann, fala sobre eleições e marketing político

Por que Serra perdeu?

Washington Olivetto - Basicamente, por três fatores: o estigma de abandonar mandatos grudou nele, e alguns eleitores não o perdoaram; faltava alegria na campanha (o Serra é um sujeito sério e competente, mas tem uma linguagem que é mais para ministro do que para candidato a prefeito); e o Lula estava do outro lado.

O senhor já conseguiu reverter índice de rejeição alta a um produto? O que fazer?

Washington Olivetto -
Eu e muitos publicitários no mundo já recorremos a mudanças de embalagem, conteúdo, posicionamento e campanha para reverter a situação de um produto. Com e sem sucesso. Às vezes, dá certo; às vezes, não tem jeito. Na área política, existe uma história folclórica. Quando Mitterrand foi candidato pela primeira vez à presidência da França, meu amigo Jacques Séguéla, que criava a campanha dele, convenceu-o a cortar um pouco de seus dentes caninos, que eram exageradamente pontiagudos e conferiam uma aparência meio diabólica. Séguéla argumentou que ninguém votaria no diabo. Assim, levou o homem ao dentista. Miterrand ganhou a eleição - não só por isso, mas também por causa disso.

O senhor nunca quis fazer marketing político. Por quê?

Washington Olivetto - Escolhi trabalhar única e exclusivamente para a iniciativa privada, excluindo, assim, campanhas políticas e de empresas do governo. Essa escolha foi feita quando comecei, aos 19 anos, e tinha uma característica ideológica, já que o País vivia uma ditadura militar e eu não queria me envolver com seus governantes. Com o passar do tempo, essa escolha se transformou também numa maneira de preservar a qualidade do meu trabalho e num diferencial da W/Brasil (hoje, da WMcCann). Para criar coisas realmente brilhantes, um publicitário necessita de decisões absolutamente profissionais - característica dos clientes da iniciativa privada. Não pode submeter seu trabalho a decisões políticas. É impossível criar boa publicidade com uma porção de gente dando palpite.

Qual a diferença entre vender um produto e vender um candidato a cargo público?

Washington Olivetto - Só gosto de anunciar coisas que as pessoas possam devolver se não gostarem. O fascinante da criação publicitária é informar e persuadir entretendo, respeitando a inteligência do consumidor. Decididamente, minha ideologia criativa, que se baseia na verdade bem contada, não combina com o marketing político.

Se Serra e Haddad fossem um produto, como venderia os dois?

Washington Olivetto - Elegendo uma única qualidade inquestionável de cada um como tema da campanha. Curiosamente, se tentarmos analisar Haddad e Serra como se fossem um bem de consumo, um automóvel, por exemplo, daria para posicionar Haddad como um desses carros chineses, da JAC Motors, ou seja: uma novidade, que oferece o mesmo que os outros, mas em versão mais popular. Já o Serra seria um Volvo: comprovadamente seguro, mas pouco excitante.

O senhor vê erros nas campanhas dos dois?

Washington Olivetto - Ambas foram muito baseadas nos supostos defeitos do oponente. O saldo final é amargo para o eleitor, que fica na obrigação de escolher o menos pior. A campanha do Serra não tem tom de voz popular. A campanha do Haddad tem o tom de voz do Lula, que é, comprovadamente, um fenômeno do marketing intuitivo. Curiosamente, os dois candidatos não fizeram nada de brilhante nas redes sociais, fator decisivo, por exemplo, na primeira eleição do Obama.

O eleitor (consumidor) é confiável? Como fazer com que ele vá à gôndola do supermercado e, ante as ofertas, não mude de ideia?

Washington Olivetto - Quando uma marca conquista a admiração e a confiança do consumidor, ele não se deixa levar por argumentos dos concorrentes, nem se importa de pagar um pouco mais. Pode até aproveitar a promoção do momento ou experimentar um outro produto por curiosidade, mas sempre volta para seu preferido. A construção de uma imagem sólida - de um produto ou de uma pessoa, -tem a ver com coerência e perseverança.

Cabe merchandising em campanha política?

Washington Olivetto - A questão é descobrir uma marca que queira se associar à imagem dos candidatos. Essas associações são difíceis, mas não impossíveis. Anos atrás, fiz comerciais dos sapatos da Vulcabras com dois candidatos à presidência da República: o Maluf e o Brizola. Na época, eu brincava que um representava o pé direito e o outro o pé esquerdo. Na verdade, intuí que os dois adorariam a ideia de aparecer nos comerciais, era mídia gratuita para eles. Foi ótimo para o meu cliente. Os comerciais tiveram enorme repercussão, e o argumento de que numa campanha política se gasta muita sola de sapato era pertinente e verdadeiro.

O que acha do horário eleitoral obrigatório gratuito na TV?

Washington Olivetto - Se fosse bom, não seria obrigatório nem gratuito. Trata-se de um anacronismo que penaliza anunciantes, veículos e audiência.
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Fonte:  http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,so-gosto-de-anunciar-coisas-que-as-pessoas-possam-devolver-se-nao-gostarem,95260
Crédito:Luciana Prezia/Divulgação

Universidade debatem o futuro do ensino


 Divulgação / Divulgação
 Arnould de Meyer, presidente da Universidade de Negócios de Cingapura, se apresenta 
na 3ª Conferência Internacional "Reinventando o Ensino Superior"
Em um mundo onde o acesso a informação está cada vez mais democratizado e o conhecimento se multiplica em uma velocidade nunca antes vista, ensinar se tornou um grande desafio. Os professores não são mais os únicos donos da verdade. Os currículos precisam ser flexíveis e construídos de acordo com as novas necessidades do mercado.

As universidades, portanto, não podem mais abrigar apenas uma elite que dita as regras e que está distante do que acontece no mundo real. Embora muito se fale sobre essas transformações, que envolvem também a construção de um novo modelo de negócio mais sustentável, a maior parte das instituições de ensino superior ainda funciona da mesma forma há um século - e pode estar caminhando para a obsolescência.

Essas foram algumas conclusões da 3ª Conferência Internacional "Reinventando o Ensino Superior", cujo tema deste ano foi "Eduempreendedorismo: Novas Formas e Caminhos Para a Diferenciação no Ensino Superior". O encontro, promovido pela IE University, reuniu na sede da escola espanhola, reitores, gestores de associações de ensino e especialistas de diversos países.

O objetivo foi colocar no mesmo ambiente representantes de diferentes tendências e modelos de escolas, das mais tradicionais como Oxford às mais modernas como Brown, além de instituições como o World Economic Forum e a Wikipedia - todos com o desafio comum de entender esse novo momento no ensino.

"A globalização trouxe um novo tipo de competição e as universidades precisam responder às necessidades atuais do mercado", diz Santiago Iñiguez, presidente da IE Business School. Ele diz que existe uma pressão enorme para que essas instituições sejam mais efetivas em seus modelos de negócios e ensino.

"Há uma explosão da demanda por ensino superior, especialmente em países emergentes como Brasil, China e Índia. É preciso, no entanto, pensar em qualidade", diz Arnould de Meyer, presidente da Universidade de Negócios de Cingapura. Ele trabalhou por 23 anos no Insead, onde foi responsável por montar a operação asiática da escola na região.

De acordo com Meyer, a escassez de professores doutores em todo mundo pode comprometer esse desenvolvimento. "A Indonésia, por exemplo, já sofre com esse problema". Em sua opinião, é necessário formar um novo perfil de professor que seja ao mesmo tempo dedicado à pesquisa, mas que tenha trânsito no mercado. "Os acadêmicos, no geral, são avessos ao networking, mas isso precisa mudar. "

Não se trata, contudo, apenas do perfil de quem ensina, mas também do conteúdo oferecido em sala de aula. "É preciso dividir com os estudantes o desenho dos currículos para que eles sejam cada vez mais interativos e customizados", diz Meyer. As pesquisas acadêmicas devem ser interdisciplinares e alinhadas com as necessidades do conhecimento e do mercado.

A inclusão das artes no currículo em todos os cursos da universidade americana Brown, segundo seu diretor de departamento de educação Kenneth Wong, é uma forma de inserir valores que vão além das disciplinas tradicionais. "Acreditamos na formação de um cidadão mais engajado na sociedade, interessado em saber a natureza dos governos e dos mercados, e não apenas as últimas tendências na área de marketing", explica.

Um dos grandes desafios das universidades hoje é formar os estudantes para um mercado de trabalho que ninguém sabe ao certo como será. "Temos que preparar os jovens para empregos que ainda não existem", diz Carlos Enrique Cruz Limón, vice-reitor da universidade mexicana Tecnológico de Monterrey. Para ele, as escolas vão ter que desenvolver novas atitudes e competências dos alunos tendo em vista que as transformações estão cada vez mais rápidas.

O uso de tecnologias e ferramentas modernas que disseminam o conhecimento como o Wikipedia - enciclopédia virtual construída coletivamente por milhares de usuários voluntariamente, que hoje é o quinto site mais popular do mundo e tem textos escritos em mais de 300 idiomas -, é visto como inevitável, mas exige cuidado. "Os alunos precisam buscar informação em mais de um lugar e desenvolver o pensamento crítico. As escolas devem estimular isso", diz Meyer.

A diretora do programa de educação da Fundação Wikimedia, Annie Lin, diz que o objetivo do Wikipedia é democratizar a informação. "Ele vai conduzir o aluno a outras fontes", diz. O uso do site, segundo ela, ajuda a treinar algumas habilidades importantes no mercado atual. "Refiro-me à comunicação on-line, ao contato com pessoas de diferentes nacionalidades e backgrounds tentando solucionar problemas e trabalhando juntas" diz. Além disso, o estudante treina sua capacidade de síntese e clareza ao escrever um texto.
O ensino on-line é outro assunto que está sendo muito discutido entre os educadores e que vem crescendo aos poucos em vários países. Para Michele Petochi, diretor da área de educação do Fórum Econômico Mundial, a tecnologia ainda é cara e sua efetividade está sendo testada. O custo de um curso on-line em uma universidade de primeira linha, segundo ele, é três vezes maior do que o pago pelo aluno. "O mundo não sabe ainda de onde as pessoas aprendem de verdade, se é com experiências virtuais e presenciais, se é no trabalho ou em atividades sociais", afirma.

Com o aumento dos cursos a distancia e as parcerias internacionais, algumas escolas questionam se ainda vale investir em infraestrutura. "Estamos olhando cada vez mais para fora", diz o vice-reitor de Monterrey. Para a diretora do programa Education UK do British Council, Pat Killingley, são os próprios estudantes que pedem esse movimento internacional. "Eles dão as cartas e os negócios se organizam a partir dessa demanda."
Para se manterem sustentáveis e ampliarem o número de parceiros e escritórios ao redor do mundo, como fazem as escolas de negócios, as universidades terão que olhar para um público que está acima da faixa entre 18 e 28 anos de idade. "O conhecimento do mundo dobra de tamanho a cada sete anos. Isso significa que as pessoas precisarão pensar em um estudo de longo prazo e as universidades têm que estar preparadas", diz Meyer.
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Reportagem Por Stela Campos | De Madri
Fonte:http://www.valor.com.br/carreira/2883342/universidades-debatem-o-futuro-do-ensino#ixzz2AhPjw9yV

Quando o assunto é carreira, os jovens pensam como os pais.

  Lucy Kellaway*

 
Na semana passada, fiz uma palestra para um grupo de trainees de um banco bastante conhecido da City de Londres. Faz exatamente três décadas que eu mesma comecei um programa de treinamento de recém-formados em outro banco que fica na mesma rua, uns cem metros adiante. Assim como os trainees modernos, passei um outono sentada ouvindo educadamente pessoas que davam palestras sobre isso e aquilo.

Mas agora, sendo a pessoa que está falando, comecei a pensar em como eu era anteriormente e algo estranho me ocorreu. O mundo do trabalho deveria ter mudado demais de lá para cá, mas isso não aconteceu. Para os trainees, nada importante mudou.

É claro que nem tudo continua igual. Uma fotografia dos recém-admitidos no Morgan Guaranty de Londres em 1981, mostrava oito homens e uma mulher - eu. Éramos todos brancos e o único que não havia estudado em Oxford cursara Cambridge. No grupo da semana passada, metade era do sexo feminino, nem todos eram brancos e nem todos eram de Oxford ou Cambridge.

A tecnologia também mudou muito. Atrás de mim, na semana passada, havia uma tela preparada para exibições em PowerPoint que eu acabei não usando. Todos na plateia tinham um celular ou um BlackBerry para se distrair. Em 1982, sentamos diante de gráficos desenhados em folhas de papel e nos distraíamos rabiscando observações em pedaços de papel. Lembro de ouvir com espanto um homem nos dizendo que o banco havia comprado algo extraordinário: uma máquina de fax.

Até mesmo a forma de palestra que eu dei - uma conversa informal durante o almoço - seria impensável no começo dos anos 1980. Na época, a pausa para o almoço era mesmo uma pausa: a menos que estivesse com clientes, tinha exatamente uma hora para comer. Até mesmo as coisas que mastigamos mudaram (em 1982, eu não conhecia comidas exóticas como bagel e samosa).

O ritmo das coisas também mudou muito de lá para cá. Os recém-formados modernos estavam passando por um programa de apresentação de três semanas. O nosso durou um ano inteiro: pensava-se na época que não havia sentido em apressar o processo de doutrinamento, uma vez que a expectativa era de que ficaríamos na firma pela vida toda. Mas hoje ninguém espera isso dos rapazes. Uma pesquisa recente sugere que jovens brilhantes estão o tempo todo buscando oportunidades de emprego melhores e passam em média 28 meses com um empregador (o que é mais tempo do que eu durei no Morgan Guaranty, embora isso seja outra história).

Mas, apesar de todas essas mudanças - a maior presença da mulher, a ascensão das comidas exóticas e as mudanças tecnológicas, e a queda da formalidade e o pouco valor à segurança no trabalho -, eu ainda poderia fechar os olhos e me imaginar em 1982, aparecendo para trabalhar com uma inoportuna roupa de marinheiro, que acreditava ser o que os banqueiros usavam.

O que não mudou é a mais poderosa de todas as coisas. O clima na semana passada era exatamente igual: uma mistura potente de ambição e ansiedade, de rivalidade e camaradagem. Era tão poderoso que era quase possível cheirá-lo.

As coisas que incomodam os trainees para quem falei são as mesmas coisas que nos incomodavam. Sei que a geração Y deveria ser obcecada com todos os tipos de coisas para as quais não tínhamos tempo. Eles deveriam querer um significado para seu trabalho, aspirar um equilíbrio entre a vida profissional e a vida particular e se preocupar com a sustentabilidade.

Mas nenhum dos trainees perguntou nada do tipo. Em vez disso, o que eles queriam saber era totalmente familiar: como ser promovido? Trata-se de sorte, capacidade ou política? Essa pergunta não mudou, assim como a resposta: você precisa ter uma certa dose de capacidade para ser até mesmo considerado; além disso, é sorte e política em medidas iguais.

Eles também queriam saber como fazer política. É sábio discordar do seu chefe? A resposta a isso deveria ter mudado muito. Costumávamos ser ultraconservadores, mas agora as hierarquias foram varridas e todo funcionário dos escalões inferiores é encorajado a manifestar seus pontos de vista. Mas esta não é a resposta. Vai depender da natureza do chefe, como sempre foi. Alguns estão abertos a discussões e outros não.

Acho que há algo reconfortante nesses princípios universais que moldam a vida nos escritórios. Ou o trabalho é interessante, ou é chato. Os colegas são divertidos ou maçantes. Os chefes são agradáveis ou detestáveis. Todos queremos a primeira opção e não a segunda. É assim que era, é e será quando a geração Y estiver em programas de trainee em 2042.
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* Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times".
Fonte: http://www.valor.com.br/carreira/2883346/quando-o-assunto-e-carreira-os-jovens-pensam-como-os-pais#ixzz2AhO3Hmr4
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A filosofia de lavar a louça

Luiz Felipe Ponde*
 
Estudar, contemplar, trabalhar. Um ato alimenta o outro, e os três formam o espírito 
Fala-se muito de como o "Primeiro Mundo é isso e aquilo". Acho isso papo de vira-lata. Toda vez que você ouvir alguém falando que a Europa "é outra coisa", você está diante de um vira-lata rondando a lata de lixo dos outros. A mesma coisa vale para os EUA, ainda que, nesse caso, vira-latas de esquerda jamais elogiem os EUA, mesmo que comprem iPads lá.

Mas independentemente dessa breguice de vira-lata querendo fingir que entende de vinhos, há um detalhe na vida europeia e norte-americana que vale a pena discutir: a vida doméstica e suas tarefas.

Mas, sintomaticamente, os vira-latas nunca falam disso, porque a própria condição de vira-lata os impede de entender ou mesmo enxergar esse detalhe. O sonho do vira-lata é fingir que é llhasa apso e por isso acha que ser um llhasa é desfilar bolsa Prada no JK Iguatemi.

O Brasil é terra de atrasado, corrupto, esculhambado, inculto, novo rico e por aí vai. Tudo isso é verdade. A prova disso é que aqui luxo é ostentação. Suspeito que grande parte do que há de fato de bom na Europa e nos EUA em termos de hábitos e costumes (portanto, estamos falando de moral) se deve ao fato de que nesses lugares as pessoas se movimentam de modo diferente no cotidiano das suas tarefas.

Sempre ouvi os mais velhos dizerem que "o costume de casa vai à praça" e isso é a mais pura verdade. Além de fazerem sexo melhor, suspeito também que os mais velhos entendiam bem melhor do que é essencial, principalmente porque não tinham essa parafernália de ideologia e outros quebrantos bobos como ferramenta de análise do mundo.
Eles observavam a vida sem a presunção de ter descoberto a chave do mundo, como nossos contemporâneos viciados em "teorias de gabinete", como dizia Edmund Burke.

Lembro-me bem que minha filha, chegada à França com cerca de dois anos de idade, chorava porque não podia lavar louça como meu filho, seu irmão, mais velho do que ela nove anos. Isso é sintomático de muitos outros pequenos detalhes: para ela, lavar a louça era parte de ser da família. Meu filho, minha mulher e eu partilhávamos todo o cuidado com a vida cotidiana, inclusive o cuidado com a caçulinha.

Em países como a França, Alemanha, Israel, EUA e outros semelhantes, você é responsável por tudo que acontece na sua casa. Roupa, comida, limpeza, compras, resolução de pequenos problemas logísticos, enfim, da sustentação da vida.

As casas (menos nos EUA, mas ainda assim a ocupação de espaço é diferente da nossa) são menores e mais simples, mesmo que com mais parafernália tecnológica, quando você tem condição de tê-la.

O que me chama atenção em relação às casas não é só seu tamanho, mas a ocupação do espaço. No Brasil temos a famosa sala de visita que, se você "está bem de vida", deve ser completamente inútil e parecer desocupada. Por isso, sempre suspeito que manter uma parte da casa sem uso é signo de vira-lata.

As aristocracias antiga e medieval, as únicas verdadeiras, também não tinham castelos sem uso. Burguês, e aristocracia falida, com "castelo" na zona leste ou nos Jardins é coisa de "wannabe", como dizem meus alunos.

Goethe, em seu maravilhoso "Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister", descreve o que é a casa de um burguês: ter mais coisas do que precisa e não ter uma relação de uso e necessidade real com os objetos da casa.

Este é o caso. Uma sala de visitas imaculada faz você parecer rico o bastante para manter parte da sua casa sem uso e, com isso, você trai sua breguice burguesa. Acho que grande parte de nossas agruras vem do fato de que não lavamos louça com frequência e de que temos cômodos dissociados de nosso cotidiano e necessidades.

Basílio Magno (século 4) criou a regra da vida monástica: estudar, contemplar, trabalhar. Uma atividade alimenta a outra, e as três formam o espírito. A sabedoria monástica é uma das maiores criações do espírito humano.

Entre nós, dar "tudo" para os filhos até os 40 anos de idade é signo de sermos bons pais. E com isso preparamos adultos retardados e com futuras salas de visita cheias de fantasmas de nossa pobreza de espírito. 
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* Filósofo. Prof. Universitário. Escritor.
Fonte: Folha on line, 29/10/2012
ponde.folha@uol.com.br
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Aparência

Paulo Ghiraldelli Jr.

Uma boa parte das mulheres adora uma maquiagem. “Produzir-se”, isto é, sair embelezada por adornos de todo tipo é algo que só cresce atualmente entre as mulheres e, agora, também entre os homens. Realmente é maravilhoso ver pessoas se apresentando de modo elegante, sexy, provocante, perfumado, colorido e chique. No entanto, ainda assim, não raro usamos de velhos jargões e vocabulários carcomidos que, paradoxalmente, nos ajudam a falar de nossa aparência com desdém, negativamente. Utilizamos da dualidade “interior” e “exterior” e dizemos que a “nossa realidade” ou a “nossa verdade” está naquilo que só apresentamos na intimidade, enquanto que o nosso comportamento e nossa aparência é, em grande parte, ilusão que nós mesmos produzimos. Isso quando não damos ao “exterior” uma conotação ainda mais negativa, dizendo que se trata do que é falso. Eis o ditado popular para resumir esse nosso modo de julgar as coisas: “bela viola por fora, pão bolorento por dentro”.
É um tanto esquisito que em uma época em que tudo nos leve a cuidar do corpo e de adereços, o nosso vocabulário moral e avaliativo ainda se mantenha prenhe de palavras propícias para o descaso ao corporal.

Essa maneira de valorar a nós mesmos vem de longe. Dividimo-nos em “interior” e “exterior”, damos ao primeiro termo a companhia de palavras que se referem ao psíquico ou espiritual e ao segundo termo a proximidade de palavras que se referem ao físico e material. Na sequência, consideramos tudo que é bom e verdadeiro como residindo do lado do primeiro e tudo que é mal e falso como do reino do segundo. Notando isso, podemos entender a razão pela qual há sucesso nos programas de TV que falam de sexo ou mostram o sexo, principalmente os de estilo BBB, os reality shows. O sexo é algo da intimidade e, então, suponhamos que é a verdade máxima de cada um de nós. Caso pudermos olhar outros na intimidade, presumimos, saberemos não só “quem eles são de verdade”, mas também saberemos “o que nós somos de verdade”. As coisas não são atrativas porque estão escondidas, assim, de modo banal. Não! Há uma razão para a nossa curiosidade: estamos querendo a verdade do homem, de nós mesmos, e achamos que não vamos encontrar senão no que é do campo interno, o que só aparece na intimidade. Não à toa o que é da ordem da fofoca, contado em pedidos de segredo, é o que nos interessa. Pois ali estaria a verdade e, enfim, o que vale a pena saber.

É fácil entender isso. Mas é menos fácil saber por que somos assim. Ou melhor, como viemos a pensar assim.

 "Está na hora de aposentar a ideia de que 
a aparência é o reino da falsidade. 
Para fazermos valer tal aposentadoria, 
temos antes de tudo de criar 
um vocabulário diferente."

É claro que foi por obra da adoção do cristianismo, que é uma religião tipicamente subjetiva, que viemos a pensar assim, dessa maneira. A religião greco-romana era objetiva. Os deuses e, portanto, a verdade e o bem, se apresentavam aos homens de modo objetivo, por exemplo, nos Jogos Olímpicos ou nas manifestações de elementos da natureza. Mas os cristãos vieram a se relacionar com suas divindades por meio de uma relação nada objetiva, completamente subjetiva: a oração, principalmente a oração com a alma pura, ou seja, com alma confessa dos pecados e arrependida pela dor da culpa. Esse estado interior de graça é que permitiria ao homem se por diante de sua divindade para entabular uma conversa. Essa relação sempre foi pensada como uma relação particular, íntima mesmo, até secreta.  O Deus judaico-cristão se apresentou como pai, diferente dos deuses greco-romanos, que se mostravam imortais e nada tinham de parentesco com os mortais. Ora, o cristão veio a conversar com a sua divindade, e de modo especial, como quem faz uma conversa na intimidade do lar, com um pai bondoso, acolhedor e compreensivo.

Mas não foi só o cristianismo que contribuiu para a interiorização da divindade e, portanto, para a localização no “interior” do que é a verdade e o bem. Também as filosofias helenistas não clássicas andaram por trilhas de cultivo da subjetividade de um modo que os filósofos clássicos não arriscariam. A filosofia estóica, com Epiteto, contribuiu muito para isso.

Os estóicos tinham investigações sobre o mundo exterior, mas a filosofia propriamente dita não era para tal e, sim, para que se pudesse viver em tranquilidade. A filosofia,em sua essência, era não o que é da ordem do conhecimento, que tem a ver com o saber sobre coisas exteriores, e sim com aquilo que é da ordem interior, em especial a vontade. A filosofia deveria nos fazer levar uma vida sem dor e, então, a vontade, em nosso interior, é que seria o elemento que teríamos de aprender a dirigir. Epitecto falava, até mesmo, de como que a divindade habitaria o interior do homem, e que era ali, na capacidade de dirigir a vontade pela vontade que teríamos de desempenhar a tarefa propriamente filosófica. O que está dentro do homem seria a própria divindade e a alma do homem, nesse caso, poderia ser tomada como um fragmento da divindade. Preocupar-se com o exterior, com o que não se controla, seria uma grande bobagem. No entanto, gastar energia para que a vontade pudesse dominar a vontade, aí sim residiria o que haveria de divino em nós – este era o escopo da filosofia.

Esse tipo de filosofia conviveu com o cristianismo levado adiante por Paulo, e contribuiu para o clima de valorização do subjetivo e da intimidade que caracterizariam a era cristã, na qual ainda estamos imersos. Nós somos os que podemos desconfiar de tudo, mas que ainda achamos que o que está fora de nós não contém aquilo que é o melhor. Deus é amor, dizem os cristãos, e encontramos o amor dentro de nós. O amor nosso está longe de ser uma divindade exterior, como Eros ou o Cupido, ele é algo divino, sim, mas que se manifesta como um sentimento dentro de nós.

Nossa época de valorização da beleza, do que é maquiagem, operação plástica e toda a modificação com a aparência, terá de mudar de vocabulário. Teremos de harmonizar esse nosso modo de viver com uma consciência ainda arcaica que teima em funcionar segundo uma linguagem que bota fé na dicotomia corpo-alma, positivizando somente o segundo lado. Isso nos induz a fazer coisas completamente equivocadas. Deixamos de poder ficar perspicazes para achar o que é verdadeiro e bom se, de antemão, só podemos localizá-los no que chamamos de “interior”. Ora, se o bom e o verdadeiro estão já no “interior”, vamos ter de acha-lo aí, não vamos procurar em outro lugar, e vamos então não achar coisa alguma porque iremos, sim, forçar que algo apareça no “interior” de modo a reconhecê-los como o que é o verdadeiro e o bom. Até a beleza, tipicamente exterior, acaba assim sendo adjetivada de modo estranho: falamos de pessoas bonitas e, em seguida, temos de acrescentar que se trata de uma pessoa “bonita por dentro e por fora”. Ora, e se não é assim, então acreditamos que não poderíamos falar em beleza, em uma “verdadeira beleza”. Ora bolas, com esse vocabulário não vamos pensar bem, ao contrário, só vamos nos complicar e nos equivocar.

Seria interessante que não déssemos tanta ênfase ao vocabulário dual e mais interessante ainda que não tomássemos a valoração dessas partes como temos feito até então, utilizando o nosso vocabulário envelhecido. Pois aí sim teríamos condição de falar de um modo mais harmonioso com o que estamos querendo viver nos dias de hoje, em que fazemos questão de dar créditos para a nossa aparência. Está na hora de aposentar a ideia de que a aparência é o reino da falsidade. Para fazermos valer tal aposentadoria, temos antes de tudo de criar um vocabulário diferente. Temos de conversar usando palavras que não teimem em carregar de valor negativo o “aparente”, o “corporal”, “o corpo”, as práticas físicas, a beleza e toda a indústria que favorece a exibição corporal, a moda e, enfim, uma série de elementos que amamos ver e, no entanto, ideologicamente, condenamos. Deveríamos tomar a “sociedade do espetáculo” como uma expressão positiva.
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* Filósofo, escritor e professor da UFRRJ
Fonte:  http://ghiraldelli.pro.br/2012/10/28/aparencia/

domingo, 28 de outubro de 2012

Homossexualidade, primado da pessoa e da relação.

 

Entrevista com Giannino Piana*

Em seu livro, que reflete sobre os aspectos éticos da questão homossexual, você dedica algumas páginas ao delineamento das causas que provocam tal orientação. Chegou-se, finalmente, a identificar a sua origem com precisão?

O debate sobre as causas que determinam a orientação homossexual está longe de se encerrar. No entanto, parece consolidado o reconhecimento de que tal orientação é a resultante de um cruzamento articulado de fatores de natureza diversa – biológicos, psicológicos, sociais e culturais – que interagem entre si em medida diversa, dependendo dos vários sujeitos e da variedade das situações existenciais, e que dão origem a modalidades diversas para viver a experiência homossexual.

Na sua dimensão mais profunda, a homossexualidade – tal como a heterossexualidade – está envolta no mistério; de fato, ela está estritamente ligada ao mistério da pessoa, ao modo de ser-no-mundo e de se relacionar com o outro que lhe é próprio. Por isso, mais do que de homossexualidade, deveríamos falar de "pessoas homossexuais", de sujeitos que vivem de forma predominante e estável a atração sexual com pessoas do mesmo sexo – esse é o dado que eles têm em comum – cada um, porém, segundo a sua própria identidade peculiar.

A homossexualidade sempre foi fortemente condenada pela Igreja. Existem indicações claras na Bíblia que apoiam essa condenação?

A Bíblia foi muitas vezes chamada em causa pela tradição cristã para justificar a condenação da homossexualidade. Na realidade, a homossexualidade ocupa nela um lugar totalmente secundário e periférico em comparação com outras ações negativas, como a idolatria, o homicídio, a injustiça, a opressão dos pobres sobre as quais se exerce o juízo de reprovação da revelação. No Antigo Testamento, são apenas cinco (seis, segundo alguns exegetas) os passos que se referem a ela: o mais célebre é o texto de Gênesis 19, 1-29 em que é reportado o episódio de Sodoma, onde o que é objeto de condenação moral, mais do que a homossexualidade, são a violência e a falta de respeito pela hospitalidade.

Decisivamente mais duro, ao invés, é o juízo expresso no texto de Levítico 18, 22, onde o ato homossexual masculino (o feminino é totalmente ignorado no Antigo Testamento) é definido como uma abominação e inserido na lista das transgressões puníveis com a morte. Sem dúvida – como defendem alguns exegetas – o rigor bíblico com relação à homossexualidade é acima de tudo ditado por motivações religiosas, ou seja, pela exigência de manter puro o monoteísmo, protegendo-o de tentações idólatras: a homossexualidade, para os cananeus, era uma prática a ser utilizada para se contatar com a divindade. É difícil, no entanto, defender que essa seja a única razão. Na realidade, está presente em Israel uma atitude negativa com relação à homossexualidade como tal, mesmo que se trate de uma atitude largamente dependente da cultura do tempo, e, portanto, não deve ser assumida como um absoluto.

E que mensagem o Novo Testamento contém a esse respeito?

O silêncio do Novo Testamento é ainda mais radical e eloquente. Nunca se fala de homossexualidade nos Sinóticos, que contêm, de forma mais direta, a mensagem de Jesus. O único que fala a respeito, se fizermos uma exceção a Atos 15, 28-29 (cuja interpretação, além disso, é controversa), é Paulo, especialmente no primeiro capítulo da Carta aos Romanos (vv. 18-32), onde o comportamento homossexual (nesse caso, tanto masculino quanto feminino) é visto como expressão de uma inversão da ordem da criação, consequência do estado de pecado em que a humanidade caiu. Aqui, portanto, a homossexualidade, mais do que uma culpa, é uma punição e uma desgraça, sinal da condição de miséria que o ser humano experimenta e do qual espera ser liberto graças à intervenção redentora de Cristo.

Assim, parece claro que os textos da revelação não contêm, senão indiretamente, uma condenação da homossexualidade, que, além disso, é abordada com instrumentos ainda largamente imperfeitos, que fornecem dela conhecimentos imprecisos e parciais, muitas vezes desviantes. Por todas essas razões, é difícil extrair da Bíblia (incluindo o Novo Testamento) elementos de avaliação ética de um fenômeno como o homossexual, que exige, para ser corretamente julgado, um conhecimento mais preciso das dinâmicas específicas que o qualificam.

No entanto, a tradição eclesial posterior – da patrística à medieval – não só não modificou, mas parece até ter acentuado o julgamento negativo. Quais são, a seu ver, as razões?

É verdade. O julgamento expresso pela Igreja, desde os primeiros séculos, a propósito da homossexualidade é um julgamento radicalmente negativo. Para determiná-lo, contribuíram, por um lado, a gradual restrição a uma interpretação unicamente sexual do relato de Sodoma e, por outro, a assunção da Carta aos Romanos de Paulo da ideia de contra-natureza que o apóstolo usa para definir – como já mencionado – a inversão da realidade provocada pelo pecado. Mas uma contribuição importante para a afirmação dessa concepção também deve ser atribuída à influência de correntes de pensamento externas, como o estoicismo e o neoplatonismo, o gnosticismo e o maniqueísmo, especialmente para a antropologia dualista em que se inspiram.

A teologia medieval assume essa perspectiva negativa, que será posteriormente retomada pela manualística moderna. O eixo em torno do qual o juízo moral gira é o conceito de contra-natureza que, ao contrário do que muitos pensam, não designa tanto a falta de respeito pelo estatuto bissexual humano, mas sim a impossibilidade de que o ato sexual seja orientado para a procriação, finalidade à qual está intrinsecamente ordenado. Abre espaço, nesse contexto, a distinção entre a inclinação homossexual que, mesmo sendo considerada desordenada, não é, contudo, julgada culpável, e o ato homossexual, que é, ao invés, julgado gravemente pecaminoso.

O Vaticano II não contribuiu para a superação dessa concepção? A leitura mais positiva da sexualidade presente nos documentos conciliares, em particular na Gaudium et Spes, não ajudou a mudar também a nossa forma de nos posicionarmos com relação à homossexualidade?

Acima de tudo, deve-se dizer que o Concílio não fala da homossexualidade. É verdade, no entanto, que nele estão contidas indicações preciosas para uma reavaliação da sexualidade, em particular para a superação da visão baseada em tabus e repressiva, que foi predominante durante muito tempo na tradição eclesial anterior.

Algumas tentativas tímidas de repensar a questão homossexual ocorreram no pós-Concílio: por exemplo, um importante documento de 1976 da Congregação para a Doutrina da Fé, intitulado Pessoa Humana. Algumas questões de ética sexual, reconhece a existência de uma forma de homossexualidade como estado permanente da pessoa (portanto, como fato estrutural, verdadeiro modo de ser-no-mundo) e afirma que, nesse caso, os atos também devem ser julgados "com cautela". Mas, em seguida, a atitude negativa volta a ter mais força, até mesmo com uma certa (suspeita) obstinação.

Quais são, em sua opinião, os motivos dessa leitura totalmente negativa? E como é possível superá-la?

Acredito que a motivação de fundo para a rejeição da homossexualidade deve ser procurada na adoção de uma abordagem inspirada em um paradigma naturalista. Certamente, não se usa mais a expressão contra-natureza, mas a substância permanece invariável. A homossexualidade é considerada um fenômeno que contradiz a ordem original da criação, que tem suas raízes na bissexualidade, que, por sua vez, visa à propagação da espécie humana. Se quisermos sair do impasse e restituir um verdadeiro significado à relação homossexual, devemos então abandonar tal paradigma e substituí-lo por um paradigma relacional, que confere o primado à autenticidade da relação.

Isso significa que a avaliação do comportamento homossexual (tal como o heterossexual) deve pôr em primeiro plano a atenção em nível de relacionalidade alcançada. Para dizer que a bondade (ou a malícia) moral de tal comportamento deve ser compatível com a capacidade que ele tem de realizar uma verdadeira interpessoalidade, que só se verifica na medida em que se reconhece o outro como sujeito na sua dignidade absoluta e se instaura com ele uma relação de amor.

A diferença de pessoa para pessoa, que se desenvolve em diversos níveis e que define o sujeito humano na sua unicidade, dá razão da fecundidade que também pode caracterizar a relação entre sujeitos do mesmo sexo, cujas potencialidades subjetivas vão muito além das modalidades de estruturação objetiva das relações. Primado da pessoa sobre a natureza e primado da relação sobre as formas concretas nas quais se encarna conferem, portanto, dignidade à relação homossexual, que constitui, quando é vivida autenticamente, uma modalidade humanamente significativa de comunicação e de comunhão interpessoal.

Se nos colocarmos nessa perspectiva, assumindo o paradigma relacional, por que não admitir, então, a existência de direitos e a necessidade do seu reconhecimento público através da lei?

Certamente. O reconhecimento dos direitos ao casal homossexual por parte da legislação civil é absolutamente necessário. As vias praticáveis são a do casamento – com relação ao qual eu alimento pessoalmente algumas dúvidas, especialmente pelo significado que essa instituição sempre teve em todas as culturas, isto é, a de formalizar a relação homem-mulher e de criar as condições para o exercício da função procriativa – e a de pactos apropriados – pense-se nos PaCS (Pacto Civil de Solidariedade) franceses – que garantem às pessoas que coabitam estavelmente (hetero e homossexuais) alguns direitos fundamentais em termos de assistência, de previdência, de benefícios fiscais etc.

A plausibilidade desses dispositivos tem a sua justificação no plano moral no fato de que a instauração de relações interpessoais e o cuidado do outro, além de constituir uma importante forma de responsabilidade pessoal, também contribui, de forma determinante, para a promoção da vida social. A intervenção da lei para fornecer normas que garantam à união homossexual uma maior solidez mediante a definição de direitos e de deveres recíprocos, portanto, é um ato indubitável de civilização.
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*Giannino Piana, teólogo moral, autor de um ensaio sobre a homossexualidadeOmosessualità. Una proposta etica, da coleção L'etica e i giorni, Cittadella Editrice, 2010, 122 páginas –, concedeu uma entrevista que toca aspectos relevantes do delicado problema.
A reportagem é da revista italiana Il Gallo, de outubro de 2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 28/10/2012
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Luta do Samurai


Numa aldeia, próxima a Tóquio, vivia um honrado e velho samurai. Apesar de sua idade avançada, ainda era capaz de derrotar qualquer adversário. Contudo, optara, ultimamente, por se dedicar a ensinar a arte zen aos jovens. Descobrira, em sua longa experiência de vida, que era mais vantajoso satisfazer o seu coração do que o seu ego, esta fútil entidade eternamente insatisfeita, cuja ávida caça ao tesouro leva, no fim das contas, a nada mais do que um baú vazio.
Certa tarde, porém, um guerreiro que era puro ego dos pés à cabeça, apareceu diante do velho samurai e falou-lhe do alto de seus tamancos e de sua soberba:
– Quero enfrentá-lo, samurai, para aumentar ainda mais minha  fama de lutador invencível.
O velho aceitou o desafio e tão logo começou a luta o jovem começou com provocações:
– Velho inútil, agora entendo por que se reduziu a ensinar a arte zen. Não passa de um pobre diabo que não consegue mais lutar nem com um louva-a deus. - atiçava-o o arrogante jovem, escarnecendo do adversário ao mesmo tempo em que ia perdendo a luta.
O samurai, sem responder aos desaforos, continuou tranquilamente enfrentando o grosseiro adversário com seus golpes de mestre.
– Você está acabado, velho! - persistia o petulante jovem no seu monólogo, sem nunca tirar o sorriso zombeteiro, pregado na feia cara.
Mas ao ver que o velho prosseguia a luta impassível, de ouvidos moucos, o próprio jovem samurai começou a se irritar verdadeiramente como se os insultos fossem dirigidos a si mesmo. Fora de si, chutou algumas pedras em direção ao adversário, cuspiu no chão com desprezo e se pôs a praguejar como um oni.
Mas nada surtia efeito, o samurai continuava impenetrável.
Assim que a luta terminou, o arrogante guerreiro, exausto desta luta em que usara mais a língua do que a katana, mirou na retina do velho e lhe cuspiu no rosto com desprezo. Embainhou, finalmente sua espada e retirou-se bufando como um touro bravo.
Mal o samurai deu as costas ao adversário e os discípulos, que haviam assistindo a tudo indignados, se voltaram ao mestre e um deles perguntou, não sem um tom de censura na voz:
– Por que suportou tais desfeitas e insultos sem revidar, mestre?
– Quando alguém pretende entregar um presente que não é aceito, com quem fica o presente? – respondeu o mestre?
– Com o próprio entregador. – responderam os discípulos a uma só voz.
– Do mesmo  modo ocorre com o ressentimento, o despeito, os insultos e a inveja. Quando não são aceitos continuam pertencendo a quem os carrega consigo.  A nossa tranquilidade e paz interior dependem, exclusivamente, de cada um de nós e ninguém pode usurpá-la sem nosso consentimento.
Sem mais uma palavra, os discípulos inclinaram-se, lenta e profundamente, diante deste verdadeiro mestre-mentor. 
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O trecho acima é uma das Melhores Lendas Japonesas compiladas por Carmen Seganfredo (Artes & Ofícios, 312 páginas). A organizadora da coletânea, que há anos vêm recontando em seleções variadas histórias de variadas mitologias.
Postado pelo  o editor de livros de Zero Hora, Carlos André 
Fonte:  http://wp.clicrbs.com.br/mundolivro/2012/10/28/um-trecho-para-hoje-5/?topo=13,1,1,,,13

Quem é o restaurador que vistoria as obras da mostra ‘Impressionistas’

 
O restaurador Raul Carvalho trabalha na mostra com obras do Museu D’Orsay
Foto: Marcos Alves
 O restaurador Raul Carvalho trabalha na mostra com obras do Museu D’Orsay  
Marcos Alves

Responsável por vistoriar os 85 quadros, Raul Carvalho diz que seu trabalho está mais para ciência que para arte

Formado em Publicidade — profissão que logo abandonou para se dedicar à conservação e ao restauro de obras de arte —, o paulistano Raul Carvalho é o responsável por analisar as condições de cada um dos 85 quadros do Museu d’Orsay que integram a exposição “Impressionismo: Paris e a Modernidade”, à mostra desde a última semana no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio. A exposição custou R$ 11 milhões através de incentivos da Lei Rouanet. Cabe a ele — junto com sua equipe de nove restauradores — observar toda pequena ranhura nos quadros de Van Gogh, Monet ou Cézanne, para saber se é nova, velha e se foi causada pela viagem, pelo calor ou pela umidade dos trópicos. Novidades indesejadas têm de ser prontamente comunicadas à direção do museu francês.

O cuidado é providencial: as obras, de tão importantes, chegaram ao Brasil separadas em seis aviões (trata-se da mesma lógica preventiva que obriga presidente e vice dos Estados Unidos a nunca viajarem no mesmo jato). No CCBB de São Paulo — onde primeiro desembarcaram — e agora no do Rio, ficaram dois dias em quarentena, encaixotadas, para se “ambientar” à umidade relativa de 55%.

— Fazemos isso para evitar que haja um choque térmico — conta Raul. — São obras tão importantes que nem têm valor. Além disso, não estão disponíveis no mercado. Ainda assim, envolvem muito dinheiro.

Não é a primeira vez que Raul, de 45 anos, se vê às voltas com obras de envergadura. Já lhe coube zelar por 125 quadros de Pablo Picasso, em 2004, na exposição “Picasso na Oca”, em São Paulo. Um ano antes, ele se encarregara de cuidar de 450 peças chinesas — algumas com cinco mil anos de história — que vieram ao Brasil para a mostra “Guerreiros de Xi’An e os tesouros da Cidade Proibida”, também na Oca.

— Tive que ir a Pequim cinco vezes, para acompanhar as esculturas sendo encaixotadas — lembra.

Neste ano, além dos impressionistas, ele está encarregado de cuidar de 62 esculturas de Auguste Rodin expostas em Salvador. Em ambos os casos, responde às produtoras responsáveis pela montagem.

— Mas não estou aqui para defender as produtoras ou os donos das peças — diz. — Defendo a obra de arte.

Quando não está fiscalizando exposições, Raul se dedica à restauração de quadros, sobretudo de artistas brasileiros. Pelo seu ateliê, em São Paulo, já passaram telas de Di Cavalcanti, Cândido Portinari e Anita Malfatti. Ele diz que o preço do restauro não é necessariamente relativo ao valor de mercado da obra:
— Vou cobrar a mesma coisa para cuidar de um Volpi de R$ 100 mil ou de um quadro pintado pela sua avó. O preço depende do tipo de problema. Tem restauro que dura dois dias; tem restauro que dura oito meses.

Ele faz, no entanto, um adendo:
— Pode haver um valor agregado em função da importância da obra. Dependendo do quadro, posso ter que fazer seguro, análise química da tinta, contratar vigia noturno.

Interessado em artes plásticas desde a adolescência, Raul fez cursos de pintura e gravura até concluir que a criação não era sua praia. Aos 23 anos, matriculou-se no Instituto Paulista de Restauro, de onde saiu para juntar-se ao quadro da Pinacoteca do Estado. Diz que seu trabalho está mais próximo ao de um químico do que ao de um pintor.

— Restauração é alquimia. Sou um profissional da área técnico-científica; não um artista — aponta. — Antes de tocar num quadro, preciso saber o tipo da tinta usado, qual é o suporte da tela e a consistência do verniz, para entender como ele se degrada. Não trabalho com material artístico; trabalho com material de restauração.

Atualmente, sua equipe restaura cerca de 50 pinturas (entre elas, aliás, não estão as queimadas em agosto último, durante o incêndio no apartamento do marchand romeno Jean Boghici, em Copacabana, que destruiu obras notáveis; as peças foram divididas entre os restauradores Cláudio Valério e Edson Motta, do Rio).

Das peças que cuidou até hoje, a que lhe trouxe maior dificuldade foi um quadro do artista carioca Orlando Teruz, já falecido:
— Ele fazia uma mistura de óleo com solvente que deixava a tela muito lisa. Quando resseca, fica difícil restaurar.

A química é toda importada. Ele compra resina e solvente para fabricar o próprio verniz. As tintas também vêm de fora.

— Não é porque um quadro foi pintado com óleo que vou usar óleo para restaurá-lo — diz. 
— A premissa do restauro é que todo material aplicado na pintura seja reversível, para que após alguns anos, se surgir uma técnica nova, seja possível retirar o que foi feito.

Enquanto os 85 quadros impressionistas estiverem no Rio, a equipe de Raul fará uma visita semanal ao CCBB, nas manhãs de segunda-feira, para checar o estado deles. Para evitar o desgaste, a maior parte das obras está protegida com um vidro contra raios ultravioleta, na parte da frente, e uma placa de policarbonato, na parte de trás. A temperatura das salas é controlada, para estar sempre de acordo com os 20° C do museu parisiense.

Quando janeiro chegar, Van Gogh e companhia viajam de volta à Europa. Após escala em Madri — onde ficarão expostos na Fundação Mapfre — seguem, em definitivo, a Paris. Para Raul, será um desafio à parte: as obras deixam o Rio no auge do verão e desembarcam em Madri no auge do inverno.

— Vamos ter que tomar muito cuidado — prevê. — Estamos falando de matéria orgânica que oxida, envelhece. É inevitável. Até a Monalisa, um dia, vai virar pó.
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