quinta-feira, 28 de junho de 2012

Voltar-se a Deus e não à Bolsa

Ah, os traders da Bloxham! Esses banqueiros requintados e refinados evidentemente inspiraram confiança na Madre Superiora das ordem das Holy Faith Sisters (Irmãs da Santa Fé) de Dublin, Irlanda. O know-how da prestigiosa instituição financeira irlandesa é bem conhecido. Essa venerável marca tem muitas relações dentro do establishment dos negócios tanto da Ilha Verde quanto da City de Londres [centro financeiro inglês]. O que pode haver de melhor?

A reportagem é de Marc Roche, publicada no jornal Le Monde, 27-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Por esse motivo, em 2006, a Congregação das Holy Faith Sisters, fundada no século XIX para ajudar órfãos e crianças pobres, investiu de olhos fechados uma parte dos seus bens em títulos comercializados por esses profissionais que atesouram a virtude. Um investimento à la bom pai de família, sólido, moderado, sobre o qual os operadores da Bloxham vigiariam como a pupila dos seus olhos.

Além disso, se esses instrumentos, chamados de "hybrid structured euro constant maturity swap notes" não fossem seguro, será que o seu emissor, Morgan Stanley, um dos pilares da Wall Street, se arriscaria nessa aventura com uma experiência como a sua? Nenhum rendimento espetacular, mas também nenhum grande risco, assegura a publicidade atraente.

Dito e feito. Assim como as Holy Faith Sisters, uma centena de pequenos investidores compraram o produto financeiro em questão. Mas, em 2009, as suas economias viraram fumaça, com uma perda de 20 milhões de euros. Ao contrário, a Morgan Stanley obteve um ganho de 10 milhões de euros.

Em agosto de 2010, os investidores, que se consideravam fraudados, processaram a Morgan Stanley perante a justiça britânica. Um acordo de indenização amigável foi concluído no dia 19 de junho do ano passado. De sua parte, a Bloxham, que havia negociado com as freiras, foi obrigada pelo Banco Central da Irlanda a cessar suas atividades depois da descoberta de "irregularidades financeiras".

Como explicar a decepção financeira das Holy Faith Sisters, cujo patrimônio foi profundamente afetado?

Ser protestante e rico é possível e permitido, contanto que os seus bens não sejam transformados em um bezerro de ouro. Ao contrário, esse não é o caso da Igreja Católica. O dinheiro desperta desconfiança, rejeição e opróbrio desde o Concílio de Latrão, em 1139, que condenou o crédito e a usura, a base das finanças.

Ao longo da história, essa regra se manteve intangível, com algumas exceções, como aconteceu com os Lombardos, inventores, no século XII, das letras de câmbio. Mas a Irlanda é uma nação católica e romana como nenhuma outra. A religião majoritária faz parte da vida cotidiana. Nesse contexto, as altas finanças são, em geral, um negócio da minoria protestante que governou a ilha até a separação de 1921 entre o Sul e o Norte.

O papa faz bem ao denunciar regularmente a ganância da sociedade moderna e a sede de lucro, mas a verdade é que a Igreja move importantes recursos que ela tem que fazer frutificar. Ela tem que financiar a manutenção das igrejas e das escolas, pagar os salários e as aposentadorias dos padres, assim como desenvolver as suas missões no exterior. As Holy Faith Sisters, por exemplo, tem uma ampla rede de sedes no exterior, particularmente nos Estados Unidos, na Nova Zelândia, na Austrália, em Samoa e na América Latina.

E é aí que surgem os problemas. Com efeito, mal equipadas, as instituições religiosas são presas fáceis para os bancos financeiros, "que têm o desagradável hábito de fingirem ser o melhor amigo de qualquer um, quando, na realidade, estão simplesmente tentando vender alguma coisa", diz Bethany McLean, jornalista da Vanity Fair, ex-analista da Wall Street.

Por outro lado, no direito anglo-saxão, o Estado do caveat emptor ("cuidado, comprador") atribui a responsabilidade ao cliente, não ao vendedor. Na Europa continental, onde os compradores estão mais protegidos, esse escudo é facilmente contornado por contratos escritos em inglês que transitam por Londres. Por exemplo, em 2010, a justiça italiana acusou de fraude vários bancos italianos e estrangeiros por terem vendido cerca de 30 bilhões de euros de produtos derivados a prefeituras e a organizações religiosas da península italiana, que perderam até sua roupa íntima. Em particular, a ordem dos capuchinhos de Gênova...

Enfim, as pessoas desavisadas são incapazes de compreender a complexidade dos produtos financeiros criados pelos pequenos gênios do mercado e recombinados em elaborações algorítmicas antes de serem revendidos em fatias, como se fossem salames. Assim, a fim de estruturar a emissão desses títulos, a Morgan Stanley havia criado uma entidade idônea, chamada de Saturns Investments Europe. Essa "concha vazia", registrada em Dublin para fins fiscais, embaralhou ainda mais as cartas.

Vocês entenderam. A relação entre religião e dinheiro é um coquetel explosivo. É por isso que um banqueiro pode realmente "fazer o trabalho de Deus", segundo a declaração do CEO da Goldman Sachs, Lloyd Blankfein, em uma entrevista ao Sunday Times.

Uma bela gafe. Essa observação permitiu que seus detratores reanimassem o velho fantasma de um eixo Deus-Mamon, termo utilizado por Jesus para indicar a riqueza mal adquirida. Felizmente para ele e para nós, Blankfein jurou a seus grandes deuses que isso havia sido apenas uma brincadeira.
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Fonte: IHU on line, 28/06/2012

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