domingo, 17 de junho de 2012

Até os deuses erram

Marcelo Gleiser*
 
A sacada genial do filme "Prometheus" é mostrar cientistas alienígenas cujo experimento é o homem 

Recentemente, escrevi sobre como civilizações extraterrestres ultra-avançadas seriam indistinguíveis de deuses. Escrevi também sobre a privatização da exploração espacial. Por uma dessas coincidências, os dois temas formam a base do novo filme do diretor Ridley Scott, "Prometheus", que assisti no fim de semana passado.
O intuito do filme é explicar a origem do horrendo Alien, estrela (junto com Sigourney Weaver) do clássico de 1979, também de Scott.
Um aviso: não leia esta coluna se ainda não viu o filme.
Em "Prometheus", descobrimos que a "coisa" foi um erro, resultado inesperado de um experimento genético fracassado. A sacada genial do enredo é que os cientistas são alienígenas (os "Engenheiros"), que também criaram a raça humana.
(O título remonta ao mito grego, no qual o titã Prometeu cria os humanos a partir do barro e rouba o fogo dos deuses para benefício de suas criaturas. Por esse ato, Prometeu é condenado a ter seu fígado devorado eternamente por uma águia.)
Milênios atrás, alienígenas estiveram aqui e nos criaram. Sabemos disso porque um casal de arqueólogos descobre ilustrações com a mesma formação planetária nas ruínas de antigas civilizações: maias, egípcios, sumérios. Os arqueólogos sugerem que as imagens apontam para o local de origem dos criadores.
Felizmente, sendo o final do século 21, temos já meios (pela indústria privada) de alcançar outras estrelas e seus planetas. Um bilionário à beira da morte contrata os arqueólogos para uma expedição até o sistema planetário. Seu objetivo, que não revela, é encontrar nossos criadores para que possam salvá-lo da morte: se nos criaram, devem ser capazes de evitar que morramos.
Logo após chegarem à lua cinzenta e metálica de onde vieram os alienígenas, nossos heróis descobrem a terrível verdade: a lua não era a casa dos ETs, mas seu laboratório remoto, onde desenvolveram uma terrível arma biológica, uma doença projetada para destruir a espécie humana. Pelo jeito, nossos criadores queriam nos destruir.
Só que os ETs erraram e perderam o controle de seu experimento: a doença escapou, evoluiu e os matou antes que pudessem ir para a Terra. "Nossos criadores não eram imortais", comenta David, o personagem mais interessante do filme, um androide inteligente e "sem alma", o único que sabia das intenções do bilionário.
Após muita luta e sangue, sobrevivem apenas duas criaturas: a arqueóloga Elizabeth Shaw e o Alien, que, descobrimos, é um híbrido de um dos ETs criadores e de uma espécie de monstro-polvo, gerado por Shaw e seu amante arqueólogo, após ele ter sido contaminado com a doença. O Alien tem avó humana.
O que nos diz o filme? Que criar novas formas de vida é perigoso; que mesmo inteligências capazes de criar vida complexa cometem erros fatais; que é bom ter cuidado com o que se cria, pois a criação pode suplantar o criador -talvez seja por isso que nossos criadores queriam nos destruir, por ter medo que nós os destruíssemos um dia.
O filme não explica (vem aí "Prometheus 2"?). Mas, pelo que vemos no androide David e em suas intenções dúbias, mesmo inteligências ultra-avançadas são incapazes de se livrar do instinto de dominação. 
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MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHI
Fonte: Folha on line, 17.06.2012 

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