segunda-feira, 21 de maio de 2012

O rochedo que chorou

 LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL*
 
Não é comum que um jovem diga: 

“A F[r]onte da Juventude: Apagas o mundo dos meus olhos / 
Sem remorso, limpas-me a juventude da fronte / 
E vês o velho que te espera desde sempre / 
Sujo e imundo da vida que, sem piedade / 
Me fincou as sementes / 
Nas palmas rijas e lavradas das mãos".


Pois esse jovem de 28 anos é João Pedro Porto, açoriano da ilha de São Miguel. Seu livro de estreia, de onde saiu o poema acima, chama-se O Rochedo que Chorou, publicado pela Publiçor e que logo circulará no Brasil.

É um livro híbrido, no melhor sentido da palavra, e condiz com uma vertente importante da literatura contemporânea. Esse hibridismo é representado pela multiplicidade de gêneros: ali há poemas, reflexões [“Sou Antiquado. Acho que é a minha característica mais antiga porque, quando nasci, chorei. E isso hoje em dia está a tornar-se coisa antiquada”], contos tradicionais, minicontos e outros escritos indefiníveis, mas dotados da mesma qualidade interrogativa ante o mundo. Impressiona a amplidão do universo de interesses do autor, que transita pela filosofia, pela psicologia, pela literatura, pela mitologia e pela História; mas é uma erudição a serviço da leveza conceitual.

Diz-se que todo escritor jovem fala de si mesmo; pode ser, mas a realidade desta cultura ególatra é que também os anciãos falem apenas de si mesmos. Assim, não é pecado algum que João Pedro Porto use um persistente “eu”. A diferença está que este “eu” manifesta-se em ação relacional. Nunca é intransitiva. Eis um escritor completo, que tem muito a ensinar à sua geração, inclusivamente com textos que, aproximando-se da lira romântica, subvertem-na, como
 “Volver: Voltarás / do fundo dos rochedos / 
 lavrando a minha alma / De saudade e agonia // 
Hoje és sonho e pensamento / Ontem mar na minha face / 
Rebentarás forte e fria / Amanhã, / No calor do meu peito”. 
O jogo de oposições sonoras, as quase-rimas que mais sugerem do que dizem, fazem deste poema uma espécie de summa do eu-poético do autor, que gosta de surpreender seu leitor com esses contrastes, erigindo-os à instância de um programa estético.

João Pedro Porto. Gravem esse nome. Muito ouvirão falar dele. E falar como um escritor que vai à raiz do humano, capaz de construir uma obra duradoura, acima das circunstâncias do [seu] tempo. E essa é a marca da verdadeira obra de arte.
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* Escritor. Prof. Universitário. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 21/05/2012
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