sexta-feira, 27 de abril de 2012

O Nobel e o Pensador

Juremir Machado da Silva*

<br /><b>Crédito: </b> ARTE DE VANDERLEI DUTRA SOBRE FOTOS CP MEMÓRIA
O indiano Amartya Sen é Prêmio Nobel de Economia. Apenas isso. Ele foi distinguido com 80 títulos de doutor honoris causa no mundo inteiro. Professor em Harvard, o homem é uma dessas autoridades que desconhecem portas fechadas. Publica livros que são lidos com sofreguidão pelos poderosos do planeta em busca de ideias para resolver problemas cruciais. O brasileiro Gabriel, o Pensador não se destaca pelos títulos acadêmicos. Apesar de ter nascido em 1974, já publicou, demonstrando grande precocidade, um livro autobiográfico, "Diário Noturno".

Eu pretendia nunca mais falar em Gabriel, autodenominado o Pensador, depois de ter sido obrigado a citar o nome dele vários dias seguidos por causa da história da sua participação na Feira do Livro de Bento Gonçalves, uma malandragem que acabou em pizza. Acontece que um fato leva a outro e, de borboleta em borboleta, acabamos trombando com um elefante. Primeiro alguém me enviou uma frase pensada de Gabriel: "Seja você mesmo, mas não seja sempre o mesmo". Fiquei pasmo. Só Louro José faria melhor. Aí veio um versinho: "Pensa! O pensamento tem poder./Mas não adianta só pensar./Você também tem que dizer!/Diz! Porque as palavras têm poder./ Mas não adianta só dizer./ Você também tem que fazer!/Faz! Porque você só vai saber se o final vai ser feliz depois que tudo acontecer". Uau!

O que pode existir em comum entre o Nobel de Economia Amartya Sen e o "poeta pensador" Gabriel? Nada. Uma grande distância financeira os separa. Amartya Sen palestrou em Porto Alegre, na abertura do prestigioso ciclo Fronteiras do Pensamento 2012, por R$ 50 mil. Gabriel, autodenominado o Pensador, ia se apresentar em Bento Gonçalves por R$ 170 mil. Gabriel ia faturar R$ 120 mil a mais do que Amartya.

A Prefeitura de Bento Gonçalves publicou nota para esclarecer a situação. Certos esclarecimentos complicam as coisas. Parte do dinheiro era para um show da banda de Gabriel. Cobria passagens aéreas, impostos, vários artistas. Mas outra parte, míseros R$ 70 mil, era para pagar duas falas de Gabriel e 2 mil exemplares de um livro do autor a ser distribuído. Amartya Sen palestra por R$ 50 mil. Gabriel, que se diz pensador, por R$ 70 mil.

A impressão de 2 mil exemplares de um livro custa em torno de R$ 8 mil. Em vendas volumosas desse tipo, sem intermediação de livraria e distribuidora, o preço oscila entre R$ 10,00 e R$ 25,00, segundo o número de exemplares. No caso, poderia ficar em R$ 10,00. Se Gabriel, dito pensador, fosse razoável teria cobrado R$ 5 mil pela palestra e R$ 20 mil pelos livros. Seria salgadinho, mas sem superfaturamento midiático. Estaria bem pago e bem falado.

A comparação entre os cachês de Amartya e Gabriel é que me levou a escrever este texto. Sem qualquer maldade. Ao contrário. Fiquei com pena de Amartya, tão simples, simpático e profundo. No disputado e nervoso mercado brasileiro, um Nobel da Economia nunca terá o peso e o cachê de Gabriel, uma celebridade que dispensa apresentação. Amartya Sen pode ser Nobel e intelectual reconhecido, mas não é o Pensador.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Cronista do Correio do Pvo
juremir@correiodopovo.com.br
Fonte:  Correio do Povo, 27/04/2012

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