terça-feira, 27 de março de 2012

Ninguém vai mais conseguir sair de casa

 FABRÍCIO CARPINEJAR*

Eu faço a mão esquerda para não lavar louça. Cansado da chantagem da mulher, que fugia de nossa combinação para não estragar o esmalte das unhas.

Mas a situação está ficando fora de controle. Tenho saudade do Kiss e do Secos e Molhados, quando homem pintado se restringia à figura do artista.

O homem decidiu se depilar. Inicialmente, foi um ato singelo de clarear os pelos, de brincadeira. Em seguida, disse que precisava raspar tudo para nadar mais rápido. O mesmo ocorreu com o batom, que teve seu começo ingênuo com a manteiga de cacau.

De desculpa a desculpa, chegamos à drag queen.

Agora, o macho partiu para a maquiagem. Inventou de ser emo para sair decorado. Mas emo com 40 anos não existe, é projeto de Liza Minelli. Vejo senhores piscando olhinhos de urso panda na fila do cinema. Temo que não seja lápis, e sim delineador. O lápis é curiosidade, o delineador é uma convicção.

O último bastião da heterossexualidade é o rímel. Se o homem pegar emprestado o acessório de sua mulher, mata definitivamente Jece Valadão. Se emprestar o rímel para a mulher, leva junto o Zé do Caixão:

– Amor, você pegou meu rímel e não devolveu!

Imagine a força dessa frase dentro do lar. O eco dessa exclamação na estrutura familiar.

Os colegas aparecem cada vez mais atrasados no campinho da Avenida Ceará. Tem cara que toma banho antes de jogar. Os peladeiros passam protetor solar no rosto, creme nas mãos e nos pés. Querem atuar perfumados e com condicionador nos cabelos. É estranho, não alcanço o sentido de se embonecar no futebol. Para não desagradar ao goleiro? Para não ferir o olfato do zagueiro?

A mulher costuma retardar em 55 minutos a saída de casa para cuidar de sua beleza, segundo pesquisa da revista Times. O homem já demora 45 minutos. Ele se converteu numa noiva. Logo vai exigir um banheiro exclusivo para aproveitar seu estojo de maquiagem. Trocará a churrasqueira por um novo armarinho.

O avanço é irrefreável.

Seu marmanjo abusará do espelho, projetando o corpo para frente e para trás, repetindo mania feminina de analisar a progressão das rugas e dos pés de galinha.

Seu sujeito terá secador e chapinha com nomes nos cabos. Fechará a porta com chave no momento de mijar, algo impensável para seu avô, que entendia que homem que é homem só mijava de porta aberta.

Seu brutamontes nunca repetirá a roupa. Não poderá acusá-lo de monótono. As sobrancelhas conhecerão as pinças, sombras azuis modificarão a paisagem das pálpebras, esfoliante removerá as células mortas.

Seu gostosão, enfim, será a tão sonhada irmã que você pediu aos pais.
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* Poeta. Escritor. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 27/03/2012
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